Segunda-feira

VALOR

Economistas Top 5 cortam Selic para 7% no fim de 2019

A mediana das estimativas para a taxa básica de juros no fim de 2019 caiu de 7,25% para 7% entre os economistas que mais acertam as previsões, os chamados Top 5, de médio prazo, na pesquisa semanal Focus, do Banco Central (BC), divulgada nesta segunda-feira. Entre os economistas em geral, o ponto-médio das projeções permaneceu inalterado em 7,50%, quando foi cortada de 7,75% nas duas semanas anteriores.

Para 2020 e 2021, a mediana das estimativas para a Selic está em 8% tanto entre os economistas em geral quanto entre os campeões de acertos. Na última reunião do ano, realizada na semana passada, o Comitê de Política Monetária (Copom) manteve a Selic nos mesmos 6,50% em que está desde março e suspendeu a ameaça que vinha sendo feita desde setembro sobre um possível aperto gradual da política monetária à frente.

Em comunicado divulgado ao fim da reunião, o Copom destacou uma melhora no balanço de riscos para a inflação. Embora parte do mercado financeiro tenha ficado esperançosa de que o BC possa cortar ainda mais os juros básicos da economia no ano que vem, após verem cores mais amenas no comunicado divulgado pelo colegiado na semana passada, o corte de juros é apenas uma aposta por enquanto.

 

Kawall vê crescimento mais forte, com inflação controlada e juro estável

O economista-chefe do Banco Safra, Carlos Kawall, se diz otimista em relação ao cenário econômico para os próximos dois anos, apostando em aceleração do crescimento com inflação sob controle. Ex-secretário do Tesouro, Kawall projeta uma expansão do PIB de 2,7% em 2019 e de 3% em 2020, um ritmo consideravelmente maior que o 1,3% esperado para este ano. A inflação, por sua vez, deve ficar em 3,9% e 4%, num quadro de grande ociosidade na economia. Nesse ambiente, os juros deverão ficar estáveis por um período prolongado, estima.

Para ele, a Selic ficará em 6,5% ao ano ao longo de 2019 e só começará a subir no primeiro trimestre de 2020. Embora não seja o seu cenário principal, Kawall não descarta que o próximo movimento dos juros seja de queda. Ele observa que a inflação tem surpreendido sistematicamente para baixo e que o crescimento tem frustrado. "Acho que os próximos seis meses vão ser decisivos para nós entendermos exatamente qual é a questão", diz ele.

Para Kawall, ficará claro então se a fraqueza da atividade era um problema de confiança ou de condições financeiras mais apertadas ou se a Selic caiu menos do que deveria. O quadro positivo para a economia, contudo, depende "de forma crucial" da "aprovação rápida de uma reforma da previdência robusta, nos moldes daquela já aprovada na Comissão Especial da Câmara dos Deputados", aponta ele em relatório especial sobre o biênio 2019-2020.

A mudança no sistema de aposentadorias é indispensável para o país enfrentar o desequilíbrio das contas públicas, e Kawall acredita que o governo de Jair Bolsonaro vai se empenhar em aprová-la no ano que vem. "Sem essa reforma, não teremos a volta da confiança e do crescimento. Podemos rapidamente voltar para um quadro de recessão", adverte ele, no texto. "Não há Plano B." A seguir, os principais trechos da entrevista, em que Kawall trata das perspectivas para a economia brasileira.

Valor: Em 2018, a economia cresceu bem menos do que se esperava no começo do ano. Por quê?

Carlos Kawall: É possível dizer que tem um problema de confiança, que houve muita incerteza eleitoral. Talvez até de fato a incerteza tenha sido um pouco maior. Mas a verdade é que os dados do quarto trimestre de 2017 e do primeiro trimestre de 2018 já começaram a decepcionar. Como o resultado do PIB é muito defasado, a ficha começou a cair mesmo mais para março, quando saiu o número do quarto trimestre de 2017, que não foi bom. Aí todo mundo esperou para ver o resultado do segundo trimestre e tudo deu errado, com a pá de cal da greve dos caminhoneiros. Mas a pergunta é: por que antes não vinha bem, inclusive quando havia um cenário da maior parte dos analistas do mercado de que haveria um resultado eleitoral com a vitória de um candidato de centro? Nós temos que buscar outros fatores.

Valor: O que explica a lentidão?

Kawall: A economia brasileira não é tão complexa assim. Quase 70% é o consumo das famílias. Nós, por exemplo, prevíamos um PIB de 3% em 2018, e deve vir 1,3%. Obviamente só pode ter sido uma grande decepção no consumo, porque os outros 30% não conseguiriam explicar uma frustração tão grande [o Safra chegou a projetar expansão do consumo de 4%, e agora espera alta de 1,9%]. O investimento deve crescer menos do que nós imaginávamos, mas nós já esperávamos que ele ia crescer pouco. Então nós temos que procurar nos motivos que seguraram o consumo. Aí vem o fato de que o que dependia de crédito foi relativamente bem, como a parte automobilística e outros bem duráveis. Já a parte da renda, dos segmentos do varejo ligados à renda, como supermercados, vestuário, bebidas, vendas de farmácias, teve um comportamento muito fraco, ligado a uma recuperação muito lenta do mercado de trabalho. Já um dos fatores que deve ser buscado do ponto de vista setorial é a grande frustração da construção civil, que deverá em 2018 ter o quinto ano de contração consecutivo.

Valor: O que explica isso?

Kawall: Há o efeito da Lava-Jato sobre o setor de construção pesada - e obviamente não digo isso criticando a operação. Mas isso até hoje impacta grandes investimentos, que já haviam sido objeto de grandes concessões, privatizações. E também há uma recuperação mais lenta do que se imaginava no setor imobiliário. Tudo isso gera dúvidas se nós estamos de fato com uma combinação de política econômica suficientemente estimulativa. Como não temos espaço para a política fiscal - pelo contrário, estamos fazendo um ajuste -, é evidente que ela está muito mais contraindo do que estimulando. A própria situação dos Estados é dramática. Isso remete então a uma dúvida sobre política monetária.

Valor: Os juros caíram pouco?

Kawall: Essa é a dúvida. Se você olhar, a inflação tem estado sistematicamente mais baixa do que se imaginava, e o crescimento da economia também tem frustrado. Acho que os próximos seis meses vão ser decisivos para nós entendermos exatamente qual é a questão. No cenário base que nós temos de aprovação da reforma da Previdência, com isso se consumando, nós vamos poder ver se era realmente um problema de confiança e/ou um problema de condições financeiras. A taxa básica pode estar num nível adequado, mas a curva de juros, o dólar, o risco-Brasil, a bolsa, tudo isso em condições que não são estimulativas, porque há preocupação com a sustentabilidade fiscal, porque o mundo está ficando mais complicado. Com a entrada do novo governo, a incerteza política dirimida e uma agenda liberal, nós vamos poder ver se isso será suficiente para gerar crescimento de 2%, 2,5%, 3%, evidentemente junto com o avanço na Previdência.

Valor: O sr. não descartaria um corte dos juros no ano que vem?

Kawall: Não, não descartaria. Eu diria que hoje é um balanço mais equilibrado, porque nós não sabemos o que vai ocorrer com as reformas. Há um novo governo, a situação lá fora ficou um pouco mais complicada, então eu não acho que faça sentido alguém hoje, por exemplo, tomar a decisão de cortar juros. No nosso cenário, os juros devem permanecer em 6,5% até o início de 2020, ou ainda por mais tempo. Mas não dá para descartar que se descubra que o juro estrutural é menor e tenha que se reduzir [a Selic].

Valor: Como ficou o seu novo cenário para 2019?

Kawall: Fomos mais conservadores no dólar. Tínhamos R$ 3,50, e agora vamos trabalhar com R$ 3,70 para o fim do ano que vem. Isso leva em conta uma melhora do risco-Brasil, porque o cenário base é de aprovar a reforma da Previdência, mas ao mesmo tempo há uma piora de preços de commodities e uma valorização adicional do dólar no mercado internacional.

Valor: Como está o apetite por mercados emergentes?

Kawall: O apetite do investidor estrangeiro com mercados emergentes neste ano é como se estivesse um pouco esgotado. Na reunião anual do FMI em Washington, o JP Morgan fez aquelas consultas, aqueles questionários na plateia, e perguntou quais seriam as melhoras oportunidades de investimento entre os emergentes em 2018. Quais foram os dois primeiros? Por incrível que pareça, Argentina e Turquia. Depois, houve uma expectativa grande com o México. A discussão era se López Obrador seria Lula ou Dilma. Agora tem havido uma certa decepção com o México. O apetite por risco em relação a emergentes está afetado porque o Fed [Federal Reserve, o BC americano] está aumentando os juros, há medo de que a guerra comercial com a China desacelere o crescimento global, que o preço de commodities caia. É o lado que vem de fora. Mas, se você observar os emergentes em si, não teve neste ano história boa, tanto que há muita gente dizendo que o Brasil pode despontar como uma das melhores histórias - ou talvez a melhor.

Valor: Vários analistas têm dito isso, por avaliar que o crescimento brasileiro em 2019 vai acelerar e que reformas serão aprovadas. O sr. acredita na possibilidade de o Brasil se tornar uma das melhores histórias entre os emergentes?

Kawall: Eu acredito. E num certo sentido, até pelos motivos errados [em grande parte pela recessão], as contas externas estão bem ajustadas, a nossa dívida externa caiu, o déficit em conta corrente é muito baixo, a dependência de capital de portfólio é zero, porque desde 2015 saiu muito dinheiro estrangeiro. E o cenário inflacionário é muito benigno. Primeiro, pelo trabalho do BC, e também em grande medida por uma ociosidade e um desemprego muito elevados. Isso implica que a chance de ter aumento de inflação é muito baixa. Veja o comunicado do BC [que se seguiu à reunião do Copom da semana passada]. A projeção condicional do IPCA para 2019 caiu de 4,2% para 4%, mesmo com o câmbio a R$ 3,85, e não mais em R$ 3,70.

Valor: E como fica a projeção de crescimento para 2019?

Kawall: A estimativa para o crescimento foi reduzida de 3% para 2,7%, por refletir esse quadro menos benigno que vemos lá fora, com preços de commodities mais depreciados e condições financeiras que não estão tão favoráveis e estimulativas. Estamos trabalhando com níveis menos favoráveis de preços de commodities, que em parte deverá ser compensado por uma safra maior. A exportação de carne deve subir e há uma expectativa muito positiva para a exportação de petróleo, em volume. O saldo comercial deve ficar ainda na casa de US$ 50 bilhões, mesmo com a economia crescendo, por causa dessa expansão de volume.

Valor: Qual é a sua visão sobre o quadro fiscal, marcado por dívida em trajetória de alta?

Kawall: O que me deixa mais construtivo em relação ao fiscal é que nós estamos iniciando uma nova era, com um novo ciclo político, depois de quatro anos em que ocorreu tudo e mais um pouco - impeachment, muita instabilidade. Mas, nos últimos dois anos e meio, nós tivemos um avanço muito grande, e a agenda fiscal partiu de um diagnóstico de que o ajuste deveria ser pelo lado da despesa. Como reduzir a despesa é difícil, pela rigidez, pela necessidade de fazer reformas, optou-se por um ajuste gradual. Não há como cortar despesa brutalmente. Você poderia fazer um choque de receita, mas não foi essa a opção. Aí tivemos o teto de gastos, o encaminhamento inconcluso da reforma da Previdência, muitas outras coisas na área de gestão. Mas o que me deixa animado é que a equipe que entra comunga do mesmo diagnóstico, embora haja muita gente boa, excelentes economistas, que questionam essa estratégia.

Valor: Por quê?

Kawall: Eles prefeririam que se fizesse um ajuste mais rápido, não evidentemente prescindindo de contenção de gasto, da reforma da Previdência, mas robustecendo esse ajuste com aumento de receita. Eu tendo a discordar. Não acho que seja impossível em algum momento ter essa contribuição, mas ela deveria ser marginal. Nós já temos uma carga tributária muito elevada. Isso já é um limitador do crescimento no Brasil. A equipe que entra, até de um modo idelogicamente mais contundente, pela formação mais liberal, quer de fato continuar um ajuste via despesa. Isso evidentemente implicará alguma reforma da Previdência, além de ser acrescida por privatizações e concessões, na linha do que já vinha sendo feito. E deverá haver uma adição importante que é a abertura comercial, que a equipe atual diz que gostaria de ter feito, mas foi uma decisão do presidente não fazer. Eu diria que, na essência, uns 80% do que foi sinalizado pela nova equipe é uma continuidade do que vem sendo feito. É buscar em algum momento uma redução do tamanho do Estado, da interferência do Estado na economia.

Valor: A estratégia pelo lado das despesas pressupõe um ajuste gradual do resultado primário, como o sr. disse. Há tempo para isso? Quando o déficit primário vai ser zerado?

Kawall: Em 2022, na nossa conta. O pressuposto dessa estratégia sempre foi que você atacaria o lado estrutural. As duas estratégias não prescindem de uma reforma da Previdência. De um modo ou de outro, nós teremos que colocar todo o esforço político em cima de uma aprovação que não pode ser demorada.

Valor: O que a sua projeção de crescimento embute em termos de uma reforma da Previdência?

Kawall: Acho que ela vai ser boa, nos moldes daquela já aprovada na Comissão Especial da Câmara dos Deputados. Não é que essa reforma seja ótima, mas não é uma reforma fraca. É uma reforma que, combinada com outros esforços, permite estabilizar a dívida e colocá-la numa trajetória levemente descendente assim que houver a volta do superávit primário. Nas nossas contas, a importância de receitas atípicas - que podem ser primárias, como concessões, ou financeiras, como a devolução de recursos do BNDES ao Tesouro - é manter a dívida sob controle por algum tempo, enquanto o ajuste estrutural mais lentamente entra em cena. Se você pegar no Prisma Fiscal, que tem o consenso dos economistas desde 2015, há uma melhora na maior parte do tempo nas projeções de dívida/PIB.

Valor: Por que a dívida/PIB não teve um comportamento tão negativo quanto se supunha?

Kawall: Não foi porque a economia cresceu mais, mas sim porque o juro foi muito mais baixo do que se imaginava e porque só do BNDES [os pagamentos antecipados do banco ao Tesouro] nós tivemos 5 pontos percentuais do PIB. Houve também repatriação e outras receitas pontuais. Nós acreditamos que no ano que vem haverá mais dinheiro do BNDES do que está sinalizado até o momento. Também há a cessão onerosa, embora o fluxo de pagamento provavelmente terá que ser dividido ao longo do tempo, Com isso, a dívida/PIB pode não superar 80% do PIB, ficando até abaixo disso.

Valor: O sr. disse que acredita que deve ser aprovada uma reforma da Previdência como a versão atual em discussão no Congresso. Mas o próprio presidente disse a reforma que está aí "não está sendo justa", que não se pode "querer salvar o Brasil matando idoso". Mesmo assim, o sr. é otimista?

Kawall: Toda a dificuldade é ter algo que seja factível politicamente, robusto do ponto de vista do ajuste das contas públicas e que não morra na praia. Todas as pessoas da equipe econômica com quem eu conversei - como o ministro Eduardo Guardia e o secretário do Tesouro, Mansueto Almeida - são unânimes em dizer que acham muito difícil aprovar alguma coisa que seja substancialmente diferente dessa que está lá. Acho que só mesmo é quem estiver lá na hora é que terá a sensibilidade política para saber se é possível ter uma reforma mais ambiciosa. O que me parece é que uma reforma que estava prestes a ser aprovada, mas com enorme dificuldade, não é, do ponto de vista do Congresso, uma reforma frouxa.

Valor: Mas as declarações do presidente não o preocupam?

Kawall: O que nos parece é que a equipe do futuro ministro Paulo Guedes está convencida de que a melhor estratégia é partir da reforma que está na Comissão Especial da Câmara dos Deputados. Acho que no fim haverá mudanças, mas é difícil algo que vá muito além, assim como fazer algo substancialmente menor do que está lá também não vai resolver.

Valor: Até quando seria importante aprovar a reforma?

Kawall: Entre seis a nove meses. Uma tramitação muito prolongada pode comprometer a confiança. O ideal seria aprovar até meados do ano, mas, se for um pouco mais, acho que não compromete.

Valor: Qual é o maior risco a um cenário mais positivo para 2019?

Kawall: O maior risco é não ter condição de aprovar uma reforma da Previdência de um modo célere, patinar e enfrentar aí uma gradual erosão da popularidade do governo.

Valor: Isso colocaria em risco um crescimento de 2,7% em 2019?

Kawall: Sem dúvida nenhuma. Nós poderíamos ir rapidamente para um quadro de recessão de novo. Estamos muito perto da linha d'água. Não precisa muito.

Valor: Qual deve ser a sensação térmica da economia para a população no ano que vem? Como ficará o mercado de trabalho?

Kawall: Quando se está nesse nível de desemprego, não há muito jeito. A única coisa que você consegue fazer é mostrar que ele está caindo, e as pessoas começarem a ter confiança de que quem está desempregado pode ter emprego e quem está empregado não achar que vai perder o emprego. É óbvio que isso afeta a confiança. É necessário ter a percepção de que está melhorando.

Valor: Na economia, além da reforma da Previdência, que medidas são importantes o novo governo tocar, tanto no front fiscal quanto no da produtividade?

Kawall: Há coisas que já estão lá, nessa parte mais microeconômica, como o projeto do cadastro positivo. Há a autonomia do BC, que eu não colocaria como prioridade agora. Na sequência, o que se vai fazer com o salário mínimo, com os salários do setor público. Não são mudanças constitucionais, mas são importantes e sem as quais não se cumpre o teto. A parte de privatizações e concessões praticamente prescinde do Congresso. A questão da cessão onerosa é muito específica, porque tem um acerto com a Petrobras, é mais complicada, mas acredito que vai continuar bem. É importante resolver o marco regulatório do setor elétrico, que ainda está pendente, o risco hidrológico e a Lei Geral de Telecomunicações que está parada há dois anos no Senado. Se passarmos bem pela Previdência, a próxima agenda robusta é a parte tributária. São coisas mais ligadas à eficiência da economia, à competitividade. E há uma outra agenda que vai correr em paralelo, que não depende do Congresso, que é a abertura comercial.

Valor: A economia tem inflação e juros baixos, ociosidade elevada e contas externas sólidas. Há espaço para o PIB crescer por quanto tempo acima do crescimento potencial?

Kawall: Nós trabalhamos com um crescimento potencial de 1,5%. Pode ser que você esteja caminhando para uma elevação desse número. Como nós temos um hiato [uma medida da ociosidade da economia] em torno de 4%, nós poderíamos por um par de anos, talvez por três anos, crescer acima do potencial. Nós estimamos um crescimento de 3% em 2020.

Valor: Para 2019, o sr. tem crescimento de 2,7%, inflação de 3,9%, abaixo da meta de 4,25%, e juros estáveis o ano inteiro. É possível dizer que o sr. está otimista?

Kawall: Sim, claro. Olhe o Brasil nos últimos anos. A última vez que nós crescemos nesse nível foi em 2013.

 

Por enquanto, corte de juros é apenas aposta

Parte do mercado financeiro ficou esperançosa de que o Banco Central possa cortar ainda mais os juros básicos da economia no ano que vem. Muitos viram cores mais amenas no comunicado divulgado pelo colegiado na semana passada, depois da reunião de seu Comitê de Política Monetária (Copom).

A realidade é que nenhuma das 573 palavras do comunicado indica a possibilidade de afrouxamento monetário. A mensagem principal é de estabilidade dos juros em 6,5% ao ano, mas fortemente dependente dos novos dados econômicos a serem divulgados no futuro. Se há algum viés no conjunto da mensagem, não pode ser de baixa, já que o balanço de riscos do colegiado segue pendendo para o lado mais negativo. Isso não quer dizer que, no mercado, não se possa apostar na queda dos juros.

Para tanto, porém, é preciso fazer uma aposta de que tudo vai correr bem no ano que vem, sobretudo os dois riscos negativos no radar do BC: a eventual falta de progresso na aprovação da reforma da Previdência e a possível piora no cenário internacional.

É outra coisa, porém, afirmar que o Banco Central já esteja abrindo uma janela, em um comunicado mais brando, para baixar os juros. Isso pode até vir a ocorrer no futuro, dependendo de como evoluem o cenário econômico e os riscos, mas não foi o que aconteceu na nota da semana passada. O que se pode extrair do comunicado do Copom da semana passada é a indicação condicional de manutenção dos juros por tempo não especificado. No documento, está escrito que "a evolução do cenário básico e do balanço de riscos prescreve manutenção da taxa Selic no nível vigente".

Também apoia a sinalização de manutenção de juros o fato de o BC ter retirado do comunicado a ameaça de uma alta gradual da taxa se o cenário básico e/ou ou balanço de riscos piorarem. É bom notar que essa indicação de manutenção de juros não tem a força de um "forward guidance", ou seja, uma indicação mais ou menos firme de que seus próximos passos são mesmo a manutenção dos juros básicos em 6,5% ao ano.

A última vez que o BC fez uma sinalização clara sobre os passos seguintes foi em maio deste ano, quando afirmou: "para as próximas reuniões, o Comitê vê como adequada a manutenção da taxa de juros no patamar corrente".

No comunicado da semana passada, o Copom emenda a leve indicação de manutenção dos juros básicos com o aviso de que as decisões seguintes são dependentes das informações que forem surgindo ao longo do caminho: "os próximos passos da política monetária continuarão dependendo da evolução da atividade econômica, do balanço de riscos e das projeções e expectativas de inflação". Ao vincular suas decisões futuras aos novos dados econômicos, o Banco Central mantém graus de liberdade para reagir se a conjuntura não evoluir da forma esperada. O BC tem procurado preservar sua margem de manobra desde junho passado, quando constatou pela primeira vez que o balanço de riscos para a inflação era assimétrico.

Desde o segundo turno das eleições o Copom se reuniu duas vezes, e em ambas registrou melhora, na margem, no balanço de riscos. Em outubro, depois da vitória de Jair Bolsonaro, reconheceu que o risco de frustração na aprovação das reformas para o ajuste fiscal diminuiu. Na semana passada, acusou melhora nesse mesmo risco e também passou a pesar mais as chances de a recessão mal curada baixar muito a inflação.

Apesar da melhora na margem, porém, o Banco Central vê diante de si um balanço de riscos ainda pendendo para o lado negativo. Provavelmente será necessário acompanhar, ao longo do tempo, o andamento da reforma da Previdência para eventualmente reequilibrar riscos negativos e positivos.

Alguns analistas econômicos têm afirmado que as projeções de inflação abaixo das metas, divulgadas no comunicado da semana passada, podem levar o Banco Central a cortar mais os juros. As projeções, porém, não são tão baixas assim. Para este ano, os modelos do BC apontam inflação de 3,7%, bem inferiores à meta, de 4,5%. Mas não há nada que a política monetária possa fazer para levar a inflação à meta, faltando duas as semanas para o ano acabar.

A meta relevante para o Banco Central é a de 2019, e o percentual projetado pelo BC é 4%, ante uma meta de 4,25%. Autoridades do BC costumam afirmar, em pronunciamentos públicos, que diferenças tão pequenas como essas não são relevantes, dadas as incertezas para projetar a inflação. Para 2020, a projeção de inflação, de 4%, está exatamente na meta. Além disso, as projeções de inflação não devem ser vistas de forma separada do balanço de riscos.

Os números frios da projeção podem dar sensação de exatidão sobre o rumo da inflação, mas um balanço de risco assimetricamente negativo pode indicar uma chance relevante de uma aceleração muito forte. Quais são as chances de o balanço de riscos melhorar nas próximas reuniões do Copom? Aparentemente, por enquanto, o Banco Central incorporou no seu cenário básico pouco do risco positivo de o alto grau de ociosidade da economia levar a uma inflação menor do que hoje projetada.

No caso da atividade econômica, o Banco Central manteve as perspectiva de recuperação gradual. No comunicado, chegou até a retirar afirmativa de que a economia se recuperava em nível inferior ao vislumbrado no começo do ano. Do lado da inflação, o Copom recebeu com certo comedimento a forte queda dos núcleos de inflação. Afirmou que os núcleos de inflação estão "em níveis apropriados ou confortáveis", sem reconhecer - como dizem os dados mais recentes - que estão "baixos", ou ameaçando furar o piso da meta de inflação.

O reforço dos riscos positivos, porém, provavelmente não vai alterar a equação do Banco Central, se não diminuir os riscos negativos. Em março, o BC chegou a sinalizar um corte adicional de juros devido ao aumento do risco de inflação mais baixa, mas recuou rapidamente depois que azedou o ambiente externo e caiu a ficha dos mercados de que a governo que seria eleito em outubro não teria, necessariamente, capacidade para aprovar as reformas.

 

Construção cai 30% em 4 anos e recuperação só virá em 2025

Em queda há quatro anos e meio, a atividade da construção civil só deve voltar em 2025 ao nível do início de 2014, logo antes do início da recessão, segundo estimativa da TCP Latam. Na mais recente divulgação das Contas Nacionais pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a construção foi o único componente do Produto Interno Bruto (PIB) a registrar queda sobre o mesmo período em 2017, o que demonstra a dificuldade de recuperação do setor.

Na visão da consultoria, o segmento deve continuar a exibir números negativos em 2019. Outras instituições apontam crescimento no próximo ano, mas tímido, liderado pelo setor imobiliário, que neste ano já dá mostras de retomada. A construção pesada, que envolve obras de infraestrutura, deve continuar a patinar, especialmente por causa da restrição fiscal de União, Estados e municípios. As concessões públicas, ainda que tenham sucesso no próximo ano, são um processo longo, que fazer efeito somente entre o fim do ano e 2020.

Nas projeções da TCP Latam, o PIB da construção deve cair 2,4% neste ano, com nova diminuição em torno de 1% em 2019. Confirmadas essas estimativas, seriam seis anos negativos na atividade do setor. Em 2014 houve queda de 2,1%, seguido por -9% em 2015; -10% em 2016 e -7,5% em 2017. Para o PIB geral, a consultoria projeta alta de 1,3% neste ano, de 3,1% em 2019 e de 3,8% em 2020.

De acordo com o IBGE, o PIB da construção civil caiu pelo 18º trimestre consecutivo no período de julho a setembro (-1%), na comparação com o mesmo trimestre do ano passado. O cálculo de recuperação das perdas apenas em 2025 feito pela TCP leva em conta um crescimento de 2,2% em 2020, de 3,5% em 2021, e também é baseado na experiência da Espanha, afirma Ricardo Jacomassi, sócio da consultoria e responsável pela coordenação de seus estudos econômicos.

O PIB da construção espanhola recuou 45% num período de seis anos, entre 2008 e 2013. No Brasil, o recuo acumulado é de 30% até agora. "A construção é o setor que tem as condições mais adversas para engatar uma recuperação devido à dificuldade das empresas em obter crédito, à fraca demanda por novos empreendimentos imobiliários, às restrições fiscais dos governos federal e estaduais, e ao elevado endividamento bancário das empresas", afirma o economista.

Sondagens mensais do setor realizadas pela Fundação Getulio Vargas (FGV) mostram que o custo elevado do crédito é uma preocupação persistente do setor - logo depois da demanda insuficiente - mesmo com o juro básico da economia, a taxa Selic, estando num nível historicamente baixo, de 6,5%. "A dificuldade de acesso ao crédito tem sido citada como um problema pelas empresas desde meados de 2015.

O custo continua alto especialmente para o segmento de edificação", afirma Ana Maria Castelo, coordenadora de projetos da construção do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), da Fundação Getulio Vargas (FGV). Para Jacomassi, o crédito é um dos pontos a serem destravados para que a construção tenha uma retomada mais robusta. "O setor não quer incentivo fiscal, mas sim instrumentos de crédito financeiros voltados a ele", diz.

A aprovação da lei dos distratos - que obriga quem desiste da compra de um imóvel a pagar 50% do valor - pode mudar esse cenário de crédito para o segmento de edificações, diz Ana Castelo. Relatório da Fitch Ratings divulgado no início deste mês aponta que os elevados níveis de distratos e despesas financeiras pressionaram a geração de caixa das empresas em 2018, e uma mudança desta tendência em 2019 vai depender das perspectivas econômicas e da manutenção de baixa taxa de juros. A alavancagem das empresas ainda deve ser alta no próximo ano.

A estimativa do Ibre é que o PIB do setor caia 2,4% neste ano, mas a visão para 2019 é um pouco mais positiva, de crescimento de 1,3%. Ainda assim, é muito pouco, diz a economista. Uma recuperação total das perdas dos últimos anos deve demorar. "É um setor que trabalha com ciclos longos, em que o ambiente macroeconômico tem importância muito grande. Ainda que as reformas [Previdência, etc.] sejam feitas, ainda que haja uma melhora do ambiente de negócios, as coisas não vão acontecer da noite para o dia", diz Ana Castelo, para quem a recuperação do setor deve ser puxada pelo segmento imobiliário.

Quanto à infraestrutura, as concessões de aeroportos, rodovias, portos e ferrovias programadas para o ano que vem só devem surtir efeito mais significativo no setor a partir de 2020, na avaliação de Jacomassi. "Um processo de concessão demora de seis a oito meses para ser completado", afirma. A LCA Consultoria avalia que o desempenho da construção civil, que tem destoado do resto da economia, tem evitado uma retomada mais rápida da atividade como um todo.

"Foi somente neste ano que o setor, aparentemente, atingiu seu fundo do poço, quase dois anos depois da economia em geral", observou a casa, em relatório recente. Embora tenha um peso direto modesto no PIB brasileiro, de cerca de 4% (foi de 5,5% antes da recessão), os efeitos multiplicadores da construção são grandes, sobretudo em termos de geração de trabalho e renda. Dos 3 milhões de empregos com carteira assinada destruídos ao longo da recessão de 2014- 2016, cerca de 1 milhão foram do setor de construção, observa a LCA.

 

Para analistas, atividade iniciou o 4º trimestre com pequena queda

A economia brasileira iniciou o quarto trimestre do ano em um ritmo fraco, com desempenhos decepcionantes no comércio, na indústria e nos serviços. Com isso, o Índice de Atividade Econômica do Banco Central (IBC-Br) deve cair 0,12% em outubro, em relação a setembro, feito o ajuste sazonal, de acordo com a média de 23 projeções realizadas por consultorias e instituições financeiras.

Em setembro, dado que será revisado pelo BC, o indicador caiu 0,09% em relação a agosto. Na comparação com outubro do ano passado é esperada alta de 2,34%. O IBC-Br é calculado a partir de indicadores de produção da indústria, serviços (comércio incluído) e agropecuária e é considerado uma antecipação do Produto Interno Bruto (PIB), embora as metodologias sejam bastante distintas. As projeções variam de queda de 0,5% a alta de 0,20%.

A Parallaxis espera recuo de 0,2% em relação a setembro no dado, que será divulgado hoje. O cálculo se baseia nos fracos resultados das pesquisas de Indústria, Comércio e Serviços do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Os serviços tiveram alta de 0,1% no volume, enquanto o varejo restrito teve queda de 0,4% e o ampliado de 0,2% no período. O varejo ampliado inclui vendas de automóveis e materiais de construção.

Já a Produção Industrial Mensal Produção Física (PIM-PF) cresceu apenas 0,2%, depois de três quedas seguidas, inclusive um recuo de 1,8% em setembro. "Todos [os números de outubro] vieram abaixo do esperado pela grande maioria" das consultorias e instituições financeiras, diz o economistachefe da consultoria, Rafael Leão. Para o ano, ele calcula um crescimento de 1,1% do IBC-Br. Nos serviços, que têm demorado mais a engatar uma recuperação, Leão disse que a "boa notícia" é que o setor deve terminar o ano estagnado.

Nos 12 meses até outubro, enquanto varejo e indústria apresentam números positivos, os serviços ainda caem 0,2%. O economista destaca o segmento de transportes, muito prejudicado pela greve dos caminhoneiros em maio. "Os transportes vêm apresentando bons números por causa da recuperação econômica, ainda que ela seja incipiente", diz. A lentidão da retomada do mercado de trabalho e na desalavancagem das empresas emperram uma recuperação mais rápida do setor, diz.

Ele estima que o volume dos serviços deva crescer 1% em 2019. A 4E Consultoria estima queda de 0,3% para o IBC-Br. A fraqueza da indústria, comércio e serviços no mês de outubro reforça o cenário de alta volatilidade da atividade verificado desde a greve dos caminhoneiros, afirma a economista Giulia Coelho. Mas em 2019, com certa recuperação do emprego e do consumo, a economia deve andar mais rápido, diz. A despeito de alguns indicadores fracos de outubro, algumas instituições não revisaram suas projeções para o PIB do trimestre. É o caso do Banco Safra que manteve a estimativa de crescimento de 0,5% no último trimestre, sobre o terceiro, feito o ajuste sazonal.

Numa conta mais abrangente, o PIB mensal Itaú Unibanco cresceu 0,6% em outubro ante setembro, feito o ajuste sazonal. Na comparação com outubro do ano passado, cresceu 2,1%. Dentre os treze componentes do PIB mensal, sete avançaram. As maiores altas foram observadas na indústria extrativa (3,6%), e no setor de energia e saneamento (2,7%).

Dentre os componentes que recuaram, destaque para a construção civil, que apresentou queda de 1,7%. Pela ótica da demanda, tanto o indicador de investimentos quanto o de consumo das famílias ficaram estáveis em outubro ante setembro. Para novembro, a estimativa preliminar é de crescimento de 0,5% sobre outubro.

 

Trabuco defende as reformas ‘possíveis’

O presidente do conselho de administração do Bradesco, Luiz Carlos Trabuco Cappi, está otimista em relação à retomada do crescimento do País a partir do ano que vem. “Mais que otimistas, estamos esperançosos com 2019”, disse Trabuco na sexta-feira, 14, a jornalistas. O executivo defendeu a aprovação da reforma da Previdência para o País voltar a ganhar tração. “Se não (for votada) a necessária, que consiga aprovar a possível.

“Eu colocaria no gerúndio porque não será a única que será feita. As reformas terão de feitas (nos próximos anos)”, afirmou o banqueiro, que também ressaltou a necessidade de uma reforma do Estado.

Os executivos do Bradesco disseram que, se aprovadas as reformas, o Brasil poderá atrair o interesse de investidores estrangeiros, que ainda demonstram cautela em relação à agenda do próximo governo.

Para 2019, a expectativa é de que o mercado de capitais atraia cerca de US$ 50 bilhões de fundos dedicados a países emergentes. Além desses aportes, outros US$ 50 bilhões poderão vir de fundos globais, que não têm foco em emergentes, segundo Marcelo Noronha, vice-presidente do banco.

Em 2010, o Brasil respondia por 16% da alocação de recursos dos fundos dedicados a emergentes. Esse patamar veio caindo e estava em apenas 5% este ano, mas já começou a subir e pode ir a 7%. Com as reformas avançando, a expectativa é que o País recupere mais espaço e volte ao menos ao nível que tinha em 2010.”

Segundo Noronha, se o País retomar o crescimento e colocar em curso a agenda de privatizações, outros US$ 200 bilhões poderão ser injetados no País nos próximos cinco anos por investidores.

Apetite por crédito

O presidente do Bradesco, Octávio de Lazari, não acredita, contudo, que o pacote de privatizações do governo deve incluir, neste primeiro momento, a Caixa e o Banco do Brasil. Os dois bancos públicos respondem por cerca de 50% do mercado de crédito. “Os bancos privados têm apetite por operações de crédito e querem abocanhar um pedaço maior dessa pizza”, disse.

A expectativa é de crescimento de 10% no crédito a empresas no próximo ano, em meio à retomada da economia brasileira. Tanto as linhas de empréstimos como is recursos no mercado de capitais, com emissões de dívida e de renda variável, tendem a apresentar melhores desempenhos no próximo ano, disse. Lazari também defendeu que bancos privados e públicos se sentem à mesa para discutir caminhos para redução das taxas de juros no País – conversa que também precisaria passar pelo Congresso.

Cielo

Octávio de Lazari afirmou também que não "faz sentido" fechar o capital da empresa de cartões Cielo, mesmo quando se leva em conta que está compensando comprar ações da companhia. "A Cielo tem valor que não está bem precificado", disse ele em evento do banco com a imprensa nesta sexta-feira.

A Cielo tem de repensar seu modelo de negócios para se tornar ainda mais competitiva, disse o vice-presidente do Bradesco, Marcelo Noronha. "A competição vai aumentar no mercado, as margens estão diminuindo", disse ele também negando planos de fechar o capital da empresa, que é "core" nos negócios do banco. "Não estamos debatendo o fechamento de capital da Cielo. O assunto não está na mesa".

"A Cielo é importante na nossa cadeira de valor", disse Lazari. "A nossa expectativa coma a Cielo é a melhor possível", afirmou o presidente do Bradesco, ressaltando que o cenário de concorrência mudou para Cielo, por isso a necessidade de repensar a companhia.

Perguntado sobre a fatia da Caixa na Cielo, Noronha ressaltou que a participação é minoritária e o banco público não influencia a gestão ou mudanças estruturais da empresa.

 

FOLHA DE SÃO PAULO

Mundo ainda não se recuperou de 2008, afirma economista

A próxima crise econômica global pode ser mais devastadora que a anterior, porque os países ainda não se recuperaram da recessão de 2008. A avaliação é de Adam Tooze, professor de história da Universidade Columbia e autor do livro "Crashed: How a Decade of Financial Crisis Changed the World" (Quebrados: como uma década de crises financeiras mudou o mundo, em tradução livre).

Segundo ele, houve uma recuperação desigual da crise. "Você poderia citar a experiência americana, em que a recuperação econômica da crise foi vigorosa", diz. Na Europa, muitos países ainda estão em situação frágil, e os emergentes ainda lidam com os efeitos colaterais das medidas que os bancos centrais tomaram para conter a recessão, continua.

Tooze relaciona ainda a crise com a ascensão de uma onda conservadora que teve reflexos inclusive no Brasil.

"Não há uma fórmula simples que traduza crise econômica em resultado político", diz. "O Brasil é um exemplo extraordinário disso. Ninguém diria 12 meses atrás que o Brasil estaria onde está hoje."

O senhor está no grupo dos que previram a crise? 

Eu não diria que previ a crise. Como muitas pessoas, eu achava que havia desequilíbrios na economia americana, déficit dos EUA, da China também, mas eu não antecipei a crise. Eu estava escrevendo um livro sobre Primeira Guerra Mundial e não estava pensando na tecnicidade do sistema bancário. Não foi uma crise como a que temos, cíclica, nunca vimos na história do capitalismo.

É possível comparar com a Grande Depressão de 1929? 

O resultado da crise de 1929, que terminou em 1933, foi muito pior em termos de desemprego, em colapso dos preços de commodities. Mas, em parte, foi porque não foi administrada, não foi contida. Foi uma doença, como a gripe, que seguiu seu curso sem intervenção médica.

A crise de 2008, a maioria vai concordar, pareceu pior que a de 1929. Em setembro e no início de outubro de 2008, parecia que estávamos vendo o fim do mundo, nunca tantos bancos ficaram em risco ao mesmo tempo, nos dois lados do Atlântico. Todos os bancos europeus e os grandes bancos americanos estavam em risco. Porque parecia tão terrível e porque tínhamos a experiencia da Grande Depressão, medidas foram tomadas quase que imediatamente. Significa que tinha o potencial de ser maior, de ser um desastre maior que a de 1929. Mas não acabou do mesmo jeito. Essa foi a diferença.

A crise de 2008 foi um ataque cardíaco, uma doença pior que a de 1929, mas, dessa vez, tivemos intervenção, o que fez toda a diferença. 

Então a intervenção impediu o pior? 

Sim no que diz respeito a Estados Unidos, Reino Unido, Alemanha, o coração do sistema bancário de 2008. O choque que o Brasil sofreu em 2014 foi muito grave, o choque que Espanha, Grécia, Itália sofreram em 2008 foi extraordinariamente grave. A terapia e a intervenção de que estou falando se aplicam ao centro do sistema financeiro. Na periferia, foi muito menos bem-sucedido.

Sobre o papel dos bancos centrais, você tem alguma crítica à atuação deles? 

Os bancos centrais fizeram, na crise de 2008, o que era necessário para impedir os bancos de falirem. Houve duas coisas que você podia fazer. Se você tem uma crise de liquidez e o banco não tem dinheiro, o que você tem que fazer é pegar os ativos de longo prazo e dar dinheiro líquido a eles em troca. E eles fizeram isso nos EUA e na Europa. Todos estavam corretos.

E, se você tem um problema de solvência em que o capital do banco não é suficiente, então você tem que fazer recapitalização e oferecer garantia a esses bancos, e os bancos centrais e Tesouros fizeram isso também. No começo da crise, houve uma diferença, o BCE (Banco Central Europeu) reagiu mais devagar que o Fed (o banco central dos EUA), e os bancos e o Fed ofereceram dólares em grandes quantidades para bancos europeus e asiáticos por linhas de swap. Foi um sucesso dos bancos centrais para conter o dano.

Ainda assim, no seu livro, o senhor diz que a gente não se recuperou da crise. 

Depende de para onde você olha. Você poderia citar a experiência americana, onde a recuperação econômica da crise foi vigorosa, mas não se estende a todas as pessoas na sociedade. As minorias sofreram perdas em sua riqueza que não vão ser recuperadas em décadas. Mas o mercado de trabalho está forte, o desemprego caiu dramaticamente.

Na Europa, a crise, em muitas partes, continuou. A Grécia ainda está numa situação econômica desafiadora, está crescendo agora, a partir de um nível muito baixo. O desemprego na Itália e na Espanha permanece extremamente elevado, especialmente entre jovens. Se olhar no mundo, para os emergentes, nós ainda estamos lidando com os efeitos colaterais das medidas que os bancos centrais tomaram. O Brasil é um dos clássicos. Quando o Fed expandiu a liquidez em dólar, houve uma busca por juros, dinheiro estrangeiro do mundo todo foi injetado no país, parecia um investimento lucrativo. Quando o Fed voltou a elevar os juros, o dinheiro voltou a sair dos emergentes. Essa dinâmica em desdobramento ainda está em processo o tempo todo.

O senhor enxerga uma relação entre a crise e a ascensão do populismo no mundo? 

Varia enormemente de país para país. Uma forma de pensar é em uma imagem metafórica, você pensa na crise financeira como um terremoto. O impacto que tem nos sistemas políticos ao redor do mundo depende do quão perto eles estão do epicentro do terremoto, de quão sólida sua arquitetura é e depende de como os sistemas políticos foram bem mantidos.

Se olhar no mundo, alguns sistemas políticos estavam com uma grande pressão fiscal, só esperando explodir. Ucrânia e Hungria são países assim, você tem um profundo nacionalismo ressentido, tradições fortes. No caso húngaro, nacionalismo, traços de antissemitismo, ressentimento histórico. O choque de 2008 libera isso em um país como a Noruega.

O efeito na Alemanha é muito mais complexo. O AfD, o partido populista de direita, é produto direto da crise financeira, no sentido de que é uma reação ao esforço de Mario Draghi de estabilizar a zona do euro. Não é sobre a política de refugiados de Angela Merkel, mas sim à aceitação de Merkel da política de fornecimento de dinheiro do BCE. Aí você pega a crise de refugiados para impulsionar o AfD, fica mais complicado.

Se você olha na Espanha ou na Grécia, você não tem a ascensão da direita, mas o que a crise fez foi destruir a credibilidade de partidos de centro-esquerda, como o PSOE, na Espanha, e o Pasok, na Grécia.

Nos EUA, não há dúvida de que o Partido Republicano começou a perder sua coerência no verão [hemisfério Norte] de 2008. Você tem a Presidência Bush apelando ao Congresso por votos que não conseguia receber, John McCain se lançando como candidato a presidente e se recusando a endossar políticas da administração Bush e escolhendo Sarah Palin como sua vice, que é literalmente a antecessora de Donald Trump, como a xerife lunática que representa a política de direita americana.

Em cada país, depende da arquitetura, de como os atores no sistema político escolhem explorar as oportunidades. E de tensões preexistentes.

Não há uniformidade. Não mais do que teve nos anos 1930. Se você pensar na Grande Depressão, você teve o Peronismo na Argentina, o New Deal nos EUA e Adolf Hitler na Alemanha. Todos eles são produto da Grande Depressão.

Não há uma fórmula simples que traduza crise econômica em resultado político. É sempre uma equação complexa, em que tomadas de decisão e iniciativas são adotadas. O Brasil é um exemplo extraordinário disso. Ninguém diria que o Brasil estaria onde está hoje 12 meses atrás.

Uma próxima crise poderia vir dos empréstimos estudantis? 

Os empréstimos estudantis não são tanto um risco, mas as dívidas de empresas são um risco sério. Os títulos emitidos por empresas americanas com ratings de grau de investimento são elegíveis para compras por fundos de pensão, considerados ativos de alta qualidade. Há um grande problema, com ativos de baixa qualidade sendo considerados como de grau de investimento.

E só o que precisa acontecer é que eles sofram um rebaixamento para não serem mais elegíveis para compra pelos fundos. Aí você vai ter ondas de venda, o que levaria ao problema de queda de preços.

Esse é um cenário perigoso. A pergunta sobre a possibilidade de causar uma repetição da crise de 2008 requer que se questione quem sofreria as perdas. Se forem investidores comuns ou famílias que sofrerem as perdas, poderia causar a gripe econômica, a recessão, levaria as pessoas a poupar mais e investir menos. Mas não causariam uma crise financeira, porque, para ter uma crise financeira, você precisa que as perdas estejam no balanço de pagamentos de entidades que se alavancaram, que tomaram muito dinheiro para investir. E, no curto prazo, que estivessem sujeitos a uma situação em que as pessoas retirariam seu dinheiro.

Eu não vi dados até agora que mostrem um risco muito grande dos títulos corporativos nos balanços de empresas com financiamento de curto prazo. Sem isso, você pode ter uma recessão, mas não uma crise financeira.

Considerando que muitos países não se recuperaram da última crise, uma nova crise seria mais devastadora? 

Absolutamente, e os bancos centrais já gastaram muita de sua munição. Não é óbvio qual outra munição eles teriam para usar. Eles poderiam achar mais maneiras de deixar os juros em terreno negativo, devolver a zero, mas essa medida de emergência já foi tomada dez anos atrás. E não está claro de onde viria a próxima ação.

O senhor diria que o mundo aprendeu alguma coisa com a última crise? 

Eu acho que sim, nós temos uma ideia mais clara dos riscos. Eu acho que houve mudanças que tornaram o sistema financeiro mais seguro, não tão seguro quanto gostaríamos, mas certamente mais seguro do que o que havia em 2008.

Também sabemos agora o que fazer quando as economias estão tendo um ataque cardíaco.

O processo de globalização é contínuo. Precisamos reconhecer quão recente a história dos mercados emergentes é, e ainda estamos no processo de entender a implicação da governança global e econômica. Fizemos um experimento ao vivo para saber o que acontece quando, depois de dez anos de uma taxa de juros muito baixa, você sobe os juros americanos. Todo economista do mundo está focando essa questão.

E de onde vem a próxima crise? 

Se perguntar de onde vem a próxima recessão, e eu vou diferenciar de novo entre gripe e ataque cardíaco. Se você pergunta de onde vem a próxima gripe, está muito claro. Os EUA vão desacelerar, nessa mesma etapa do próximo ano. Isso não é difícil de ver.

O próximo ataque cardíaco é muito mais difícil, porque é algo que, por definição, você não consegue saber de onde vem, pega de surpresa.

A maioria das pessoas deve concordar que é improvável que venha do Ocidente. A crise de 2008 foi uma bolha conjunta entre EUA e Europa, não vemos esse fenômeno de bolha agora. Se houver evidência de um fenômeno de bolha, o risco é na Ásia e, acima de tudo, na China. Não está óbvio se o governo chinês está cogitando isso.

 

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