Segunda-feira

VALOR ECONÔMICO

Economia é resistente à crise entre poderes

Dinheiro não tem pátria, nem carimbo. Essa definição corriqueira do capital financeiro foi consolidada no Brasil de crises cambiais, fiscais e políticas. As crises cambiais ¬ hit dos anos 80 e 90 ¬ minaram a confiança de investidores estrangeiros no Brasil; as fiscais desacreditaram o governo Dilma Rousseff em praça pública e as políticas testam as convicções dos governantes e o apoio de seus aliados desde a instalação da Lava¬Jato.

Há alguns meses, uma crise moral se instalou no país, fragiliza todas as instâncias de poder da República e testa a resistência de grandes empresas nacionais ¬ algumas multinacionais por obter benesses do governo. Revelações que atestam a geração de uma base monetária de propinas em troca de facilidades empresariais, profissionais e pessoais ainda surpreendem e multiplicam obstáculos que desviam a economia da rota do crescimento.

Com o brasileiro enredado pelo constrangimento, faz-¬se atual e oportuno o discurso de posse de Joaquim Levy no Ministério da Fazenda, em março de 2015. Prestigiado pelo mercado financeiro, embora não fosse o candidato preferencial do setor ao posto, Levy alertou contra o "patrimonialismo". Recordou que a presidente da República declarou, quando diplomada, seu compromisso de dar um basta ao sistema patrimonialista e, em suas palavras, à sua "herança nefasta".

A presidente era Dilma Rousseff, afastada definitivamente do cargo em agosto do ano passado por crime de responsabilidade. Ministro de Estado, Joaquim Levy afirmou que o patrimonialismo é a pior privatização da coisa pública. "O patrimonialismo se desenvolve em um ambiente onde a burocracia se organiza mais por mecanismos de lealdade do que especialização ou capacidade técnica, e os limites do Estado são imprecisos. É um mecanismo excludente, ainda que o Estado centralizador possa gerar novos grupos para operá-¬lo (...) A antítese do sistema patrimonialista é a impessoalidade nos negócios do Estado, nas relações econômicas e na provisão de bens públicos, inclusive os sociais."

Essa impessoalidade, diz o ex-¬titular da Fazenda e ex¬secretário do Tesouro Nacional, fixa parâmetros para a economia, protegendo o bem comum e a Fazenda Nacional. A iniciativa privada e livre tem condições de se desenvolver melhor. A impessoalidade dá confiança ao empreendedor de que vale a pena trabalhar sem depender, em tudo, do Estado. O Brasil vive hoje o oposto desse ideário. A economia voltará a crescer porque nem todas as forças vêm de um governo e poucas são garantidas por esse ou aquele presidente.

"A produtividade do nosso trabalhador permitirá que os ganhos dos salários obtidos até aqui se consolidem e que a inclusão social prossiga. Junto com o reequilíbrio fiscal, esse avanço será a chave não mais contingente, do novo ciclo de crescimento", disse Levy na posse em 2015. O discurso, contundente e atemporal, não evitou a derrota do ex-ministro nas tentativas de avançar nas reformas. Em menos de um ano, após o discurso, ele deixou o governo.

É ilusório supor que um presidente da República ou um ministro de Estado consiga mudar radicalmente e a toque de caixa as práticas de uma sociedade mesmo sob chancela de um Legislativo exemplar. Como outras nações espoliadas, dia sim e no outro também, por maus governos e empresários duvidosos, o Brasil seguirá adiante ¬ mais por tentativa e erro que por convicção. Até por isso, o pânico é péssimo conselheiro. Até que a sociedade se convença de que pode escolher governantes melhores e tenha a quem escolher, o país não cairá em um abismo.

A história recente mostra que há de se fazer um esforço para que a economia tenha mais eficiência e que isso independa de fulano ou beltrano, mas de competência técnica de decisões, parâmetros e regulações. Não é simples nem rápido, mas o Brasil teve avanços institucionais não desprezíveis. Após fortíssimo reposicionamento dos investidores na quinta¬feira, na sexta preços e taxas reagiram, o que não quer dizer que o Brasil saiu de uma zona de risco ou que não se repetirão outras sessões turbulentas no mercado financeiro. Vão se repetir, inclusive, por pressão de eventos externos.

É no mercado financeiro que se administram os riscos para evitar perdas. Portanto, virão dias melhores e outros muito piores. Mas a reação dos preços dos ativos, na sexta, mais uma vez mostrou que o bom senso tende a prevalecer quando investidores e instituições bancárias não se sentem abandonados. Isto é, quando há certeza de que terão uma contraparte para negociar os mesmos ativos, se necessário.

A garantia de contraparte foi dada pelo Banco Central e o Tesouro Nacional. Na sexta¬feira, ambos promoveram operações que vão se repetir nesta segunda e terça¬feira. O BC se comprometeu a 'vender' dólares ao mercado financeiro. Essa venda não é de moeda física, mas de um contrato denominado 'swap cambial'. Ao vender essa modalidade de contrato, o BC assume um trato com os compradores: caso a variação do preço do dólar em determinado período for maior que a variação da taxa de juro de curto prazo, ele, BC, paga determinada quantia de reais aos compradores dos swaps.

Caso ocorra o contrário, a taxa de juro tenha uma variação maior que a do dólar, o mercado paga determinada quantia de reais ao Banco Central. Fica estabelecido, portanto, um equilíbrio de riscos. Esse contrato já foi utilizado pelo BC no passado recente, em momentos que se mostraram mais críticos que o atual, ao menos até agora.

O montante desses contratos de 'swap cambial' disponível ao mercado já alcançou US$ 114 bilhões, ainda na administração anterior do BC, presidida por Alexandre Tombini. A sua diretoria e a comandada por Ilan Goldfajn, desde meados do ano passado, reduziram expressivamente esse estoque de contratos que estavam no mercado, ação que pode ser interpretada como determinação da autoridade monetária de diminuir e conter sua exposição às variações da taxa de câmbio. Na sexta¬feira, o montante de contratos que estava em mercado rondava US$ 19 bilhões e as operações do BC elevaram a mais de US$ 30 bilhões ¬ ainda baixo se comparado aos US$ 114 bilhões do passado.

 

Fitch mantém nota do Brasil, mas vê cenário político desafiador

 A agência de classificação de risco Fitch Ratings afirmou o rating de longo prazo do Brasil em ‘BB’ e manteve a perspectiva negativa. A nota do Brasil é limitada, segundo a agência, pela fraqueza estrutural das contas públicas, pelo o alto e crescente endividamento do dívida pública, pela perspectiva de crescimento fraca, por indicadores de governança mais fracos comparado com os pares e episódios repetidos de instabilidade política que prejudicam a formulação de políticas e têm implicações negativas para a economia.

A Fitch ressaltou que os recentes eventos políticos envolvendo o presidente Michel Temer aumentam a incerteza em relação ao processo das reformas e poderia afetar o aumento da confiança e a perspectiva para a recuperação econômica. “A perspectiva para a recuperação econômica do Brasil permanece desafiadora depois de dois anos de recessão”, afirmou a agência, que prevê crescimento de 0,5% para o Brasil em 2017 e de 2,5% em 2018, embora o risco permaneça desse avanço ser menor.

“A taxa alta e crescente de desemprego, a desalavancagem das empresas e das famílias e as persistentes incertezas fiscais e políticas têm pesado na recuperação da economia”, afirmou a Fitch. Além disso, o aumento da volatilidade externa e doméstica, um revés na agenda de reformas doméstica que prejudique a confiança e o impacto atenuado do afrouxamento monetário na demanda doméstica representam um risco de baixa para o crescimento econômico, segundo a agência.

As fraquezas do país, segundo a Fitch, são contrabalançadas pela diversidade econômica e pelas instituições civis enraizadas, com uma renda per capita maior do que a média de outros países com rating ‘BB’. A agência ainda destacou que a capacidade do país de absorver choques é ampliada pela taxa de câmbio flutuante, por sua posição robusta das reservas internacionais e por ser credor na dívida líquida externa, além de ter um desenvolvido mercado de dívida pública doméstica.

De acordo com a Fitch, a afirmação do rating brasileiro é sustentada pela recente melhora do ambiente de política econômica, pelo ajuste das contas externas, pela inflação em queda, com melhor ancoragem das expectativas de inflação, e pela aprovação de algumas reformas como a do teto de gastos. A perspectiva negativa, contudo, reflete contínuas incertezas sobre a perspectiva de recuperação da economia brasileira, a perspectiva para a estabilização da dívida pública no médio prazo dado o grande desequilíbrio fiscal e o progresso da agenda legislativa, especificamente sobre a reforma da Previdência.

Apesar da medida que impõe um teto para o aumento de gastos do governo, a recuperação econômica fraca pode diminuir as receitas e trazer risco para a consolidação fiscal no médio prazo enquanto a pendente aprovação da reforma da Previdência é um ponto¬chave para tornar o teto dos gastos públicos viável e sustentar a maior confiança na sustentabilidade da dívida pública, segundo a agência.

A Fitch informou prever que o déficit do governo ficará perto de 8% do Produto Interno Bruto (PIB) durante 2017 e 2018, abaixo dos 9% do PIB de 2016. A dívida pública bruta deve continuar subindo e alcançar perto de 80% do PIB até 2018. A expectativa da agência é que o governo alcance a meta do resultado primário para 2017, embora os riscos de ficar abaixo do estabelecido ainda persistam.

“O Brasil está entrando em um processo de reformas que, se implementadas, poderia ajudar a contar o crescimento dos gastos públicos no médio prazo”, destacou. A Fitch avaliou que o cenário político permanece desafiador. Apesar de governo conseguir aprovar algumas medidas recentemente e maior governabilidade e o processo de reformas permanecem vulneráveis às consequências da ampliação do âmbito das investigações Lava¬Jato, que agora envolve líderes político. “As eleições de 2018 poderiam trazer incertezas”, disse.

 

Quadro é de incerteza e não temos como avaliar, diz Maciel, do BC

O chefe do Departamento Econômico do Banco Central (BC), Túlio Maciel, evitou comentar questões mais recentes sobre atividade e se ateve aos dados publicados hoje, que mostram, de forma defasada, como está a economia nas regiões do país. Questionado por jornalistas sobre a recente reação, em especial do câmbio, ao noticiário político, entre outros assuntos, ele preferiu não fazer comentário. "É um quadro de incerteza e não temos como dar uma avaliação. Irei me concentrar nas informações do boletim", afirmou em Fortaleza, onde estava para a divulgação do Boletim Regional do Banco Central (BC).

Na apresentação do boletim, Maciel reiterou que a inflação tem cedido, lembrando o recuo para 4,08% em 12 meses até abril, último dado recente. Também disse que, na maioria das regiões, a atividade tem dado mostras de reação, ainda que de forma gradual. Ele ressaltou que a eliminação postos de trabalho formais no trimestre até fevereiro, 467,6 mil, situou¬se significativamente abaixo dos desligamentos ocorridos no mesmo período do ano anterior (800,5 mil). O representante do BC também ressaltou o aumento da produção agrícola, estimado em 26% na atual safra.

O mercado de crédito segue fraco, refletindo a desalavancagem das empresas e das famílias, em ambiente de incerteza quanto à retomada da economia. No trimestre até fevereiro, o saldo das operações superiores a R$ 1 mil contraiu 0,8%, afetado pela retração no Sudeste (-1,8%), Norte (¬0,5%) e Nordeste (¬0,1%), em especial pelo recuo das carteiras junto a pessoas jurídicas. A carteira de pessoas físicas aumentou 1,1% no país, repercutindo avanços em todas as regiões, com destaque para as operações de financiamentos imobiliários e consignado, segundo dados do boletim.

 

Crise política não deve alterar planos do Copom, diz Figueiredo

O ex-¬diretor de política monetária do Banco Central (BC) Luiz Fernando Figueiredo acha que a crise política não deveria mudar os planos da autoridade monetária de cortar os juros básicos em um ponto percentual em reunião dentro de duas semanas. "O resultado disso tudo, no fim das contas, é contracionista para a economia", afirma Figueiredo, sócio da Mauá Capital, em entrevista ao Valor.

Figueiredo, que operou as mesas de câmbio e juros do BC em crises como a da quebra da Argentina em 2001 e das eleições presidenciais de 2002, elogiou a atuação do Banco Central e do Tesouro Nacional. "É importante uma atuação firme da autoridade monetária e do Tesouro", disse. Para ele, o BC acerta ao concentrar as operações no mercado futuro de cambio, onde se formam os preços. Mas, afirmou, ainda não chegou a hora de anunciar um programa de intervenções no câmbio.

Valor: Quais são as consequências para o mercado do novo escândalo?

Luiz Fernando Figueiredo: O que a gente está vivendo é uma coisa totalmente inusitada. Nunca aconteceu na história no Brasil e raramente em outros países. Essa é uma investigação que atinge o presidente, e não temos vice¬presidente. Neste momento, estamos no ápice da incerteza. Ninguém sabe o caminho daqui para a frente. O impacto dessa incerteza é, primeiro, de aumento generalizado de prêmios de risco. Os preços, independentemente de sua volatilidade, têm que mudar de patamar, dado que o risco é maior, dada a incerteza.

Valor: Qual deve ser a prioridade para o Banco Central?

Figueiredo: Esse prêmio de risco depende, entre outras coisas, de quanto os mercados funcionam dentro da normalidade. Nesse sentido, tanto o Tesouro quanto o Banco Central, até esse momento, foram cirúrgicos. Não só se comunicando com o mercado, mas também na intervenção. O BC diz claramente que a questão é de estabilidade financeira e que isso não é mecânico para a política monetária.

Valor: O que significa isso?

Figueiredo: Muita gente poderia entender que uma intervenção dessas poderia querer dizer que há uma mudança de comportamento do Copom ou na condução da própria política monetária. Não é o caso. Se vai ter consequências, é uma coisa que vai se ver lá na frente. Agora, está se evitando uma disfuncionalidade pelo excesso de incerteza.

Valor: A ação está funcionando?

Figueiredo: Tivemos uma alta que chegou a 9% da taxa de câmbio, mas está voltando a ter liquidez. Como o movimento é muito grande, acaba provocando alguns "stop loss" de agentes de mercado, que precisam reduzir posições. É de se esperar que o BC continue provendo essa liquidez. Essa atuação não tem nenhum objetivo de preço. É para manter o mercado funcionando.

Valor: O BC deveria entrar no mercado à vista de câmbio?

Figueiredo: Neste momento, o que as pessoas procuram é proteção. É hedge. Existe uma ligação muito direta entre o mercado à vista e o mercado futuro. O mercado à vista de câmbio acaba sendo um mercado muito restrito a uma parcela dos agentes. O mercado futuro é muito mais amplo. A formação de preços no Brasil se dá a partir do mercado futuro.

Valor: E sobre atuar no mercado de juros?

Figueiredo: O Banco Central não tem muito a fazer, é mais com o próprio Tesouro. Claro que a nota divulgada pelo BC ajuda a tranquilizar. Mas estamos num nível de incerteza muito grande. Em situações inusitadas, é preciso agir, não adianta falar só.

Valor: O Tesouro está agindo para isso?

Figueiredo: O Tesouro cancelou o leilão de títulos [mais tarde, anunciou um leilão de recompra para hoje]. É um processo que não é curto, é importante uma atuação firme da autoridade monetária e do Tesouro. Vejo com muito bons olhos o que fizeram até agora.

Valor: E como o sr. vê essa depreciação do dólar?

Figueiredo: Há um certo overshooting. Claro que, numa situação de incerteza como essa, sempre tem um overshotting. Não é uma coisa anormal. Já temos um nível de overshotting da taxa de câmbio, e é natural o Banco Central usar sua musculatura.

Valor: No passado, o BC anunciou programas de intervenção. Seria o caso de fazer isso agora?

Figueiredo: Ainda não. A gente está sob fogo muito alto. Tem que ter uma atitude muito firme agora, gerando muita liquidez. Depois, quando tiver uma sensação um pouquinho melhor de aonde as coisas estão indo, você pode tomar uma atitude nessa direção. Mas não é o caso agora.

Valor: O que significa o escândalo para a política monetária?

Figueiredo: Se a gente lembrar o que aconteceu em 2008, estamos em uma situação semelhante àquela. Teve um choque, naquele caso um choque externo, desta vez um choque não econômico, político. Essa incerteza tem impactos nos mercados. Aumenta fortemente a curva de juros, sobe a taxa de câmbio, a bolsa cai bastante. O resultado disso tudo, no final das contas, é contracionista para a economia. O custo dos empréstimos aumenta, a propensão dos agentes do sistema financeiro a dar crédito é menor, as pessoas e empresar seguram o caixa. No final das contas, o saldo não acaba sendo inflacionário.

Valor: É o caso de uma mudança na política monetária?

Figueiredo: Não parece ser, de forma nenhuma. É um choque grande, e é possível que nos traga novamente a um processo recessivo, mesmo que seja temporário, e com isso uma pressão deflacionária. Ainda estamos com uma taxa de juros apertada, dado o hiato que você tem. Quando ocorre um choque contracionista, acaba tornando a taxa de juros muito mais alta.

Valor: E o que significa para a reunião do Copom para daqui duas semanas?

Figueiredo: Os agentes do mercado não estão podendo mais apostar nessa reunião porque o sistema teve que reduzir muito as apostas, zerar suas posições. Mas, numa situação como essa, a tendência é o BC manter tudo como está. Ou seja, se estava num passo de cem pontos, diria que é possível, e até o mais provável, que mantenha o passo. Não deve mudar até porque estamos muito acima ainda da taxa neutra.

 

Crise institucional pode impor terceiro ano de recessão

As incertezas criadas pelas denúncias contra o presidente Michel Temer vão prejudicar a recuperação da economia, um processo que havia se iniciado no primeiro trimestre. A possibilidade de o Produto Interno Bruto (PIB) cair pelo terceiro ano seguido se tornou bastante realista, ao mesmo tempo em que o ciclo de corte dos juros pode ser menos ambicioso do que se vislumbrava, especialmente devido à maior pressão sobre o câmbio.

Com a notícia de que de que uma gravação de Joesley Batista, da JBS, mostraria o presidente Michel Temer dando aval para comprar o silêncio de Eduardo Cunha (PMDB¬RJ), o andamento das reformas no Congresso deve ser adiado, na melhor das hipóteses, afetando a confiança e, com isso, retardando especialmente a volta do investimento.

Para o economista-¬chefe da Gávea Investimentos, o ex¬-ministro Edward Amadeo, a recuperação da economia fica em risco porque há uma percepção mais disseminada de que a retomada só é sustentável se o governo ajustar as suas contas, "o que não é fácil". Nesse quadro, a avaliação de que "o encaminhamento das reformas ficou muito comprometido" explica a reação abrupta do mercado, com a alta do risco¬país, do dólar e dos juros e a queda das bolsas.

A Tendências Consultoria colocou viés negativo em suas projeções para a atividade econômica neste e no ano que vem diante da incerteza criada pelas denúncias contra Temer. Até ontem, a consultoria previa crescimento de 0,3% para o PIB de 2017 e alta de 2,8% para 2018. "Claramente, o risco de Temer não terminar o mandato aumentou significativamente, assim como o de não sair a reforma da Previdência.

São riscos atrelados", diz Alessandra Ribeiro, economista responsável pelas áreas de macroeconomia e política da Tendências. Dada a pressão que a alta do dólar terá sobre a inflação, ela também vê menos espaço para o BC reduzir juros. Tal cenário, prevê Alessandra, terá efeitos negativos para a atividade econômica: afetaria principalmente a confiança do empresário, desanimado tanto pelos juros e pela eleição de um governo transitório, quanto pela grande incerteza em relação, a partir de agora, às eleições de 2018. "Corte de 1,25, 1,5 ponto [percentual] na próxima reunião [de maio] esquece, está fora.

Queda de 1 ponto ainda está no jogo, mas ele pode até pensar em diminuir para 0,50 ponto", prevê. Sócio da 4E Consultoria, Juan Jensen, tem uma avaliação parecida. Para ele, as denúncias contra Temer "colocam a recuperação econômica em xeque" nos dois próximos anos e devem fazer o Copom diminuir o ritmo no corte dos juros. "Isso limita o processo de recuperação até 2018", diz ele, citando as incertezas que ficam para empresários e consumidores.

A 4E estava na ponta mais pessimista das consultorias e instituições financeiras, esperando retração de 0,1% do PIB neste ano, justamente em função de turbulências políticas que poderiam atrapalhar a retomada. A ideia da consultoria era rever esse resultado para alta de 0,1% neste ano, por causa dos dados do primeiro trimestre, mas as denúncias fizeram a consultoria abortar esse plano.

"Agora, a tendência é o dólar ir para cima e, a médio prazo, isso ter impacto na inflação", diz Jensen, para quem o Copom vai continuar cortando juros, mas em um ritmo menor. "A inflação está muito baixa, nós temos gordura", diz Jensen, que calculava que a Selic estaria em 8,25% no fim do ano. Agora, é mais provável que ela fique em torno de 9%, afirma ele, que ainda não tem uma estimativa exata. Hoje, a taxa está em 11,25% ao ano.

Alessandra, da Tendências, também acredita que os juros tendem estacionar na casa de 9%. Nos últimos dias, parte do mercado tinha passado a apostar num cenário de cortes mais agressivos, que poderiam levar a Selic para perto de 7%. Se a incerteza continuar elevada, pressionando o câmbio e os juros mais longos, "o BC poderá ter que repensar a sua estratégia", avalia também Amadeo. Nesse cenário, a perspectiva de queda forte da Selic neste ano pode ficar ameaçada.

Para Fabio Silveira, sócio¬diretor da MacroSector, a denúncia feita ontem contra o presidente Michel Temer custou aproximadamente três meses de recuperação ao Brasil, na melhor das hipóteses. Na pior, pode criar um cenário não só de contração da atividade, mas também de desvalorização do câmbio e de um agravamento ainda maior do quadro fiscal. Por enquanto, avalia ele, o início de retomada, que vinha se desenhando nas últimas semanas, ainda não foi totalmente abortado. Para Silveira, o processo de escolha do substituto de Temer, que não teria mais condição de governar, atrasará a retomada da atividade, mesmo que um novo presidente seja escolhido rapidamente. "Se a gente perder junho, julho, já se vão três meses de recuperação", afirma.

Depois de um crescimento mais forte no primeiro trimestre, que vários analistas estimam ter ficado acima de 1% em relação ao trimestre anterior, a expectativa já era de uma desaceleração no período de abril a junho, com alguns bancos e consultorias projetando até mesmo um número negativo. Com a incerteza provocada pela denúncia contra Temer, a possibilidade de uma queda no segundo trimestre aumentou.

Silveira diz que dificilmente o dólar vai ficar abaixo do patamar de "R$ 3,30 ou R$ 3,40" até o começo de junho. "Não dá para encontrar um substituto em duas semanas." Em um prazo mais longo, ele também estima que o Copom diminuirá o ritmo do corte da taxa Selic. Amadeo destaca que o mercado trabalhava com uma sequência na cabeça. Haveria primeiro a aprovação da reforma da Previdência, depois o processo eleitoral de 2018 e a agenda para o novo governo a partir de 2019, entre os principais elementos.

Com a nova crise, isso entra obviamente em xeque e o tema da sucessão presidencial acabou sendo antecipado. "As perspectivas das reformas são piores do que antes", reitera o economista, lembrando que se trata de uma agenda impopular, num momento em que "a população está estressada, e com bons motivos, como o desemprego, a perda de renda, a insegurança e a piora na qualidade dos serviços públicos", diz Amadeo.

 

Para analistas, é preciso blindar área econômica

A economista-¬chefe da XP Investimentos, Zeina Latif, pediu ontem que a "classe política e o setor produtivo blindem minimamente esse time econômico fantástico" depois da denúncia contra o presidente Michel Temer, feita por Joesley Batista, do grupo JBS, revelada anteontem pelo jornal "O Globo". O objetivo dessa blindagem, segundo a economista, é que o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, e sua equipe consigam levar adiante a reforma da Previdência. "Sem a Previdência, o teto dos gastos implode. Ele já era desafiador mesmo com a Previdência. Já iríamos precisar de outras medidas para conseguir um superávit primário e estabilizar a relação entre a dívida e o Produto Interno Bruto, evitando uma espiral inflacionária e calote", diz. A proteção à equipe econômica e o avanço da reforma da Previdência, segundo ela, são "o mínimo que se espera de um país maduro", afirma.

Ao ver as denúncias, "aquele investidor mais animado já desanima, aquele que apostou no Brasil vai embora", segundo Zeina. Para o economista¬chefe do banco Fator, José Francisco de Lima Gonçalves, um eventual governo de coalizão, definido a partir de eleições indiretas, teria condições de dar sequência à votação das propostas, ainda que com modificações. "A questão agora é para onde vai e quando tudo será resolvido", ele acrescenta. Esse ritmo vai ser fundamental para determinar o impacto dos acontecimentos dos próximos dias sobre a economia e as perspectivas para o próximo ano.

O mercado, em sua avaliação, tende a preferir a eleição indireta. Além de mais rápida, ela abre mais espaço para negociação e composição, por exemplo, de um grande governo de coalizão. Para o economista Juan Jensen, sócio da 4E Consultoria, mesmo com todas as dificuldades, um eventual próximo governo precisará dar continuidade às negociações a respeito da Previdência. "O Brasil não vai poder fugir da agenda de reformas. O risco que corremos é perder dois anos", diz.

 

Crise política põe em risco aportes de R$ 60,5 bi em infraestrutura

A crise política deflagrada após as denúncias contra o presidente Michel Temer pelo empresário Joesley Batista, dono da JBS, pode ameaçar investimentos privados de R$ 60,5 bilhões no setor de infraestrutura este ano. O número é uma projeção da Inter.B Consultoria, que já prevê a suspensão de grandes investimentos por parte das empresas, sobretudo em áreas ligadas a concessões públicas, como aeroportos, portos, energia elétrica e saneamento, entre outros. Somente entre a última quarta¬feira, quando o jornal “O Globo” revelou as denúncias, e sexta¬feira, investidores estrangeiros já suspenderam negociações que estavam em andamento na área de fusões e aquisições.

Segundo Marcelo Gomes, diretor¬geral da Alvarez & Marsal, consultoria especializada em gestão de empresas, foram dois adiamentos que somam mais de R$ 2 bilhões entre aportes e investimentos: um na área de energia e concessão de rodovias, e outro no segmento de varejo. O presidente de uma empresa que atua na área de infraestrutura, com a forte oscilação do dólar e do mercado de ações, as equipes estão em reuniões para “reorganizar o orçamento”, traçando cenários de maior instabilidade.

No dia seguinte às denúncias, o dólar avançou mais de 8%, na maior alta desde a maxidesvalorização, em 1999. “As empresas devem suspender grandes investimentos, pois é preciso delimitar o impacto da crise. Os investimentos que poderão ser mais afetados são os atrelados a áreas reguladas, pois dependem do governo para que sejam operacionalizados, como os de infraestrutura.

Os investidores vão tirar o pé do acelerador”, diz Cláudio Frischtak, sócio da Inter.B. Segundo projeção da consultoria, dos R$ 60,5 bilhões em investimentos privados previstos para este ano, R$ 30,6 bilhões estão destinados aos transportes, como ferrovias, portos e aeroportos. Energia tem programados R$ 16,1 bilhões, e telecomunicações, outros R$ 11,8 bilhões. “Investir é uma aposta no futuro. Tem que ter previsibilidade”, destacou Frischtak. Já Gomes, da Alvarez, teve de aumentar o expediente para atender aos fundos de investimento estrangeiros atrás de respostas sobre o atual momento.

Como consequência, lembra que uma empresa, com atuação em concessões e em energia elétrica, suspendeu seu processo de venda, que estava marcado para o dia 29. “A data de fechamento da operação foi cancelada. Um fundo de investimento dos EUA estava negociando a compra por R$ 1 bilhão e iria investir mais R$ 1 bilhão. Nessa crise, os fundos de investimento são mais reativos à instabilidade. A primeira reação é esperar. O setor mais afetado será o de infraestrutura, como saneamento, aeroporto e rodovia”, Gomes.

Ele cita ainda a suspensão do processo de compra de uma empresa brasileira de varejo com atuação nacional por uma americana. “A companhia dos EUA vai esperar de três a quatro meses para ver como vai se comportar o dólar, pois poderá ver o ativo brasileiro ficar mais barato. É um balde de água fria.

interessados em participar dos três leilões previstos para este ano, dois no pré¬sal e um no pós¬sal.” Carlos De Luca, da De Luca Consultoria e ex¬presidente do Instituto Brasileiro do Petróleo (IBP), acredita que as empresas não vão perder a oportunidade de acessar os campos do pré¬sal. “A notícia assustou. Acredito que pode ter algum dano, que pode preocupar alguma empresa que estaria vindo para cá pela primeira vez. Mas os investimentos são de longo prazo.”

Para Venilton Tadini, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Base e Infraestrutura (Abdib), avalia que ainda é cedo para se tomar decisões. “Esperamos que a questão política seja resolvida o mais rapidamente possível.” Para um executivo de aeroportos, a curto prazo, a tendência é que os investimentos que poderiam se concretizar por meio de leilões sejam adiados. Mas ele lembra que os projetos de infraestrutura são de longo prazo e, por isso, os investidores devem apenas retardar sua vinda ao país.

 

FOLHA DE SÃO PAULO

Reforma terá de ser mais forte se for adiada, diz secretário da Previdência

A reforma da Previdência segue independentemente do destino político do país, afirma o secretário Marcelo Caetano, um dos principais formuladores da proposta.

Ele diz que não trabalha com a hipótese de o tema se perder em meio à crise política, pois acredita que é de extrema urgência para a economia brasileira. Mas, se demorar muito, afirma o economista, a reforma terá de ser mais forte para compensar o tempo perdido.

Em entrevista realizada em dois momentos —antes e depois das denúncias contra o presidente Michel Temer—, Caetano afirmou que o governo incluiu no texto da reforma mecanismos para impedir a criação de novas renúncias previdenciárias.

O fim de isenções previsto na reforma, no entanto, concorre com novos programas de parcelamento de dívidas que nas últimas semanas avançaram no Congresso.

Um dos principais autores da reforma, Caetano diz que trabalhadores rurais não inseridos no regime de agricultura familiar terão as mesmas regras que trabalhadores urbanos, tanto para idade mínima quanto para tempo de contribuição. Somente a transição será diferenciada, pelo texto atual da reforma.

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Em que medida a crise política afeta a reforma da Previdência? Ela pode se perder em meio a um novo cenário, ficar para o próximo ano?

Marcelo Caetano - A reforma continua tal como sempre. O Congresso tem soberania tanto para definir o ritmo quanto o conteúdo do que fica na reforma. Eu estou trabalhando normalmente.

Não estou trabalhando com essa possibilidade, de a reforma se perder. O que acontece é que, se deixar para depois, será mais forte lá na frente para poder compensar o que se deixou de fazer.

Especialistas afirmam que medidas de aumento da arrecadação previdenciária são tão importantes quanto evitar a explosão dos gastos devido ao envelhecimento da população. O que a reforma faz no sentido de aumentar a arrecadação?

A reforma procurou fazer alterações que evitassem criação de novos impostos, novos tributos. E trabalha no sentido arrecadatório ao impedir a criação de novas renúncias.

Particularmente existem dois pontos importantes relativos às renúncias. Primeiro quanto às exportações: quando há alguma contribuição que é substitutiva de folha, em vez de o patrão pagar sobre a folha de pagamento, recolhe sobre o faturamento, e o produto que é exportado não paga a contribuição previdenciária.

Outro ponto que foi incluído no relatório é o impedimento de novas políticas de renúncias. Esse item, em particular, foi incluído no relatório, assim como o que trata de acionistas controladores, administradores, gerentes, diretores, prefeitos terem responsabilidade solidária inclusive com respeito ao seu patrimônio pessoal em caso de não pagamento de contribuições sociais.

Por outro lado, o governo vai exigir cobrança individual a trabalhadores da agricultura familiar, o que poderá levar à exclusão de muitos da cobertura previdenciária. Dizem que isso não aumentará a arrecadação e causará exclusão. Isso pode ser revisto, dado o impacto social?

Não creio que vá levar a uma exclusão porque a contribuição vai ser favorecida. Existem vários tratamentos preferenciais em relação ao rural [da agricultura familiar].

Primeiro, a idade mínima para aposentadoria é mais baixa do que a do urbano. A idade mínima do urbano será, na regra permanente, de 65 anos para homens e de 62 anos para mulheres. No rural [agricultor familiar], essa idade é de 60 anos para homens e 57 para mulheres. Também o tempo de contribuição é diferente entre urbano e rural.

Se tomarmos um trabalhador rural (da agricultura familiar), que necessita de 15 anos de contribuição, e considerando uma alíquota correspondente à do MEI [microempreendedor individual], ao longo de toda a vida de trabalho contribuirá com o valor equivalente a nove salários mínimos. E só no primeiro ano de aposentado receberá 13 salários mínimos, contando com o 13º salário. É um benefício bastante subsidiado –e a intenção é manter o subsídio–, mas a proposta é criar um vínculo contributivo.

A cobrança individual especial para o trabalhador no campo (que exige 15 anos de contribuição em vez de 25 e estabelece idade mínima menor) se refere a qualquer trabalhador ou só aos da agricultura familiar?

A redução em cinco anos na idade do trabalhador rural (60 anos para homem e 57 anos para mulher) se aplica somente ao segurado especial, aquele que trabalha em regime de economia familiar. Aos demais trabalhadores se aplica a regra geral: idade mínima de 65 anos, para homens, e 62 anos, para mulheres.

 

Cientista político analisa a crise

Um dia após as denúncias da delação de Joesley Batista, dono da JBS, milhares de brasileiros foram às ruas para protestar contra o presidente Michel Temer (PMDB) e pedir a convocação de eleições diretas. Com baixíssimo respaldo popular —segundo a mais recente pesquisa Ibope, a avaliação positiva do governo é de só 10%—, o futuro político de Temer está nas mãos tanto de partidos da base quanto de setores da economia.

Se aliados do presidente começarem a abandoná-lo à própria sorte, ele não vai ter para onde fugir. Essa é a avaliação do cientista político Christian Edward Cyrill Lynch, doutor em Ciência Política pelo Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP), da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Para Lynch, é bem provável que o establishment econômico já tenha um "curinga" na manga para o caso de cassação ou impeachment de Temer.

"Pode-se imaginar que, hoje, as cartas na mesa sejam personalidades como a ministra Cármen Lúcia (STF) ou o ministro Henrique Meirelles (Fazenda). De preferência, alguém que não esteja sendo investigado nem que tenha risco de ser investigado pela Lava Jato", afirma Lynch.

Quanto à convocação de eleições diretas, o cientista político admite que a possibilidade é remota. Só seria possível se o Congresso aprovasse uma emenda constitucional, em dois turnos e por três quintos dos parlamentares da Câmara e do Senado. Veja os principais trechos da entrevista:

BBC Brasil - Como o senhor analisa o impacto das denúncias do dono da JBS? Em sua opinião, Michel Temer pode sofrer impeachment ou ser cassado?

Christian Lynch - Temer nunca gozou de popularidade. Os índices dele são muito baixos. De alguma maneira, ficou dependendo dos programas de reforma econômica para sobreviver. A partir do momento em que ele não teve apoio da rua, teve de buscá-lo na classe política, que, de alguma maneira, o apoiava na expectativa de que pudesse ser blindada contra as investigações da Lava Jato. Temer adotou um reformismo radical para mostrar aos setores sociais e econômicos comprometidos com a pauta liberal no Brasil que valeria a pena protegê-lo contra a impopularidade. Então, tudo o que acontecer nas próximas 48 horas terá a ver com sua capacidade de dar uma explicação plausível sobre o que aconteceu e essa explicação ser levada em consideração pelas forças que o sustentam no Congresso e pelos setores econômicos.

BBC Brasil - O senhor acreditava na hipótese de renúncia?

Lynch - Não. Imaginava que, com foro privilegiado, Temer não fosse renunciar. O que acontece agora? Se os partidos da base começarem a abandoná-lo, ele não vai ter para onde fugir. E, aí, abrem-se alguns cenários.

BBC Brasil - Quais?

Lynch - Um deles é a cassação da chapa Dilma-Temer pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) daqui a duas semanas. A gente sabe que o voto do relator é pela cassação da chapa. Então, se a crise não for solucionada até lá, a tendência do TSE pode ser oferecer uma saída "digna", a cassação da chapa. Aí, Temer seria obrigado a sair. O segundo cenário é o impeachment. Mas não acredito muito nisso.

BBC Brasil - Caso haja eleições diretas, quem sairia fortalecido na disputa?

Lynch - Existe expectativa, por parte do PT, de que, numa eventual eleição direta, o Lula possa vencer e, assim, escapar do julgamento na Lava Jato, em que se espera sua condenação. Pessoalmente, apesar de desejável, não acho que a eleição direta prevaleça como meio de resolução da crise.

BBC Brasil - E candidatos "outsiders", como João Dória e Luciano Huck, têm chance numa eventual eleição direta?

Lynch - Os outsiders vão competir de qualquer jeito na eleição do ano que vem. Mas acho que nenhum deles está interessado em eleição agora. O establishment prefere ter mais tempo e uma eleição indireta como opção mais segura para continuar tocando as reformas liberais.

BBC Brasil - Qual é o impacto das manifestações de quinta-feira nos desdobramentos dessa crise política?

Lynch - Gostaria que essas manifestações fizessem diferença, mas sou cético. Quem vai para as ruas provavelmente está nos extremos do espectro político, já não gostam ou gostavam do Temer. Ou é gente ultraliberal ou é militante da esquerda. Por outro lado, esse Congresso é notoriamente insensível às manifestações de rua. Então, acho que elas tendem a não produzir grande impacto.

BBC Brasil - Como ficam as reformas trabalhistas e da Previdência? Tendem ao fracasso?

Lynch - As reformas são mais importantes para o establishment do que a preservação do Temer. Por isso, a partir do momento em que (a elite econômica) abandona Temer, é lícito supor que tenha um plano B, ou seja, que tenha em mira outra pessoa, que se preste ao papel de "novo Temer", comprometida em tocar as reformas.

BBC Brasil - Que figura seria essa? A presidente do STF, Cármen Lúcia, talvez?

Lynch - Com a queda do Temer, assumiria (interinamente até a nova eleição, o presidente da Câmara, Rodrigo) Maia, que já está comprometido com as reformas. Não é possível imaginar, agora, quem seria o ungido. Mas pode-se imaginar que as cartas na mesa sejam personalidades como a ministra Cármen Lúcia ou o ministro Henrique Meirelles. De preferência, alguém que não esteja sendo investigado nem que tenha risco de ser investigado pela Lava Jato. Cármen Lucia seria um nome perfeito, porque não só está fora das investigações, como tem um perfil "republicano" e "liberal", acima de qualquer suspeita, é chefe do único poder que restou de pé e por isso está absoluto no país, que é o Judiciário. O STF é hoje o fiador da "revolução judiciária" promovida pelo Ministério Público Federal, que derrubou a Nova República de 1985/88.

BBC Brasil - Há quem sustente, um ano depois, que a presidente Dilma Rousseff foi vítima de golpe. A denúncia de quarta-feira reforça essa tese?

Lynch - Entendo que a tese de que a Dilma foi vítima de um golpe não faz sentido, porque o instituto do impeachment é, em si mesmo, um golpe constitucionalizado, isto é, um instituto que permite a uma maioria do Congresso adversária do presidente, em contexto de clamor público, removê-lo a pretexto de ter ele cometido um delito político, que ele mesmo qualifica, acusa e julga. Então, não faz sentido dizer que um presidente foi vítima de golpe, já que o impeachment é uma forma legalizada de golpe. O que eu posso dizer é que a ação da Lava Jato enfraquece a tese de que a operação é toda voltada com o fito exclusivo de perseguir o PT, o que evidentemente não é verdade.

BBC Brasil - Pode-se dizer que, com as revelações de quarta-feira, a investigação ganhou mais força?

Lynch - Acredito que sim. Na minha opinião, a Lava Jato não é uma investigação direcionada contra o PT e, sim, contra toda a classe política como um todo. Os promotores se percebem como iluminados, tenentes encarregados da missão providencial de livrar o Brasil da corrupção. Não à toa, muitos deles professam orientações religiosas que moralmente os guiam nessa concepção de missão pública. É claro que o PT e o PMDB ficam no centro do fogo porque, nos últimos 12 anos, eles eram o establishment do sistema político. Então, são mais afetados. Mas não parece haver um recorte específico no sentido de poupar os demais partidos. No fundo, o que os "tenentes togados" fazem é o processo da vida política brasileira como um todo: querem, em nome da ética jurídica, dos "valores republicanos", erradicar a "politicagem" da cena brasileira. Mas é inegável que existe também um viés antipetista, às vezes por questão de classe, às vezes por perceberem a mistura de socialismo com corrupção como satânica ou herética. É esse viés que seus detratores exploram, não sem alguma razão.

BBC Brasil - O fato de a operação ter atingido nomes de outros partidos como o senador Aécio Neves, pode reduzir a polarização da sociedade?

Lynch - Acho improvável. O único fator que pode reduzir a divisão do país entre "coxinhas" e "mortadelas" ou "tucanos" e "petralhas", para a esquerda, é o Lula poder concorrer a presidente em uma eleição honesta e ser claramente derrotado. São dois fatores, portanto. Mas o cenário seria catastrófico para o PT, que perderia o discurso do golpe e a perspectiva de poder. O partido teria que ser reconstruído do zero, fazer autocrítica, que é tudo o que por enquanto o grupo no poder dentro do partido evita fazer, para evitar, entre outras coisas, o esfacelamento da legenda, que só permanece unida em torno da esperança de vitória do Lula.

BBC Brasil - O senhor está otimista quanto ao futuro político do Brasil?

Lynch - Não. Vamos ter continuidade deste governo zumbi, destituído de legitimidade, ou outro governo, eleito indiretamente por um Congresso desmoralizado, de viés igualmente oligárquico. Quem for escolhido para o lugar do Temer, se ele sair, vai continuar tocando essas reformas, a economia vai seguir ressabiada, a tensão política e a polarização vão continuar até a eleição de um novo presidente e um novo Congresso. Quando isso acontecer, a situação vai melhorar, mas a polarização vai continuar, embora em grau menor, porque o presidente será de direita ou de esquerda. Quem perder, vai continuar batendo panela. Além disso, a eleição de 2018 oferece claros riscos, o pior dos quais é o da vitória de um aventureiro e/ou voluntarista. A cena pode ser semelhante à de 1989, que elegeu Fernando Collor. Esse candidato não vem para fazer a paz, mas para viver da guerra e do conflito político já instalado entre nós.

BBC Brasil - Poderia citar alguns exemplos?

Lynch - Pode ser um aventureiro voluntarista, como Jair Bolsonaro ou João Dória, ou alguém que está longe de ser um aventureiro político, mas de pavio curto, como Ciro Gomes. Então, não sei se as coisas vão melhorar do ponto de vista do ambiente. Nenhum deles tem as qualidades conciliatórias de um FHC ou um Lula. Então, não vejo sossego em um futuro próximo.

BBC Brasil - Em um futuro não muito distante, como o episódio de quarta-feira deverá será retratado nos livros de História?

Lynch - O incidente só entrará nos livros de História se ele provocar a queda de Temer. Nesse caso, ainda assim, ele será visto como um incidente dentro da "revolução" começada nas chamadas jornadas de 2013 e avolumadas pela operação Lava Jato, que pôs fim à Nova República, isto é, ao regime político instalado entre 1985, consagrado juridicamente em 1988 e consolidado em 1994. Aquilo que o Tancredo, o avô, ajudou a construir, o neto, Aécio, ajudou a destruir. Raro caso de início e fim provocados por uma mesma família.

BBC Brasil - Como o senhor resumiria o dia de quarta-feira em uma só palavra ou frase?

Lynch - Todo poder ao STF. Até a posse do novo presidente por eleições diretas, estamos inteiramente nas mãos do STF. O ideal é que nós tivéssemos um presidente da República razoável, eleito, legítimo e um Congresso, novo, igualmente eleito e legítimo. Era o que gostaria como cidadão. Mas, como cientista político, não acho que isso vai acontecer. Como você vê, separo aquilo que acho que vai acontecer daquilo que eu gostaria que acontecesse. Triste destino para uma hoje triste profissão.

 

Medo da recessão prolongada volta ao radar dos investidores

O aprofundamento da crise política ameaça abortar a frágil recuperação da economia brasileira e acentuou o risco de prolongamento da recessão, que parecia ter ficado para trás.

Sinais incipientes de recuperação eram considerados auspiciosos, embora ainda cercados por dúvidas.

Desde o vazamento da notícia da delação do empresário Joesley Batista, a incerteza explodiu. Segundo economistas, antes de um desfecho para a crise, qualquer projeção de cenário se tornou extremamente arriscada.

"Os ventos, agora, parecem contra a recuperação que ainda era muito tímida", diz Robert Wood, analista-chefe da consultoria Economist Intelligence Unit (EIU).

O desdobramento considerado menos prejudicial à economia é o de que um eventual sucessor do presidente Michel Temer mantenha tanto a equipe econômica quanto a agenda do atual governo.

Na lista de prioridades, a proposta de reforma da Previdência, em tramitação no Congresso, é considerada a mais importante.

Isso porque, sem ela, a gradativa arrumação das contas públicas prevista para os próximos dez anos cai por terra, comprometendo as perspectivas de crescimento do Brasil no médio prazo.

"A reforma da Previdência não teria impacto fiscal no curto prazo, mas a percepção de que ela seria aprovada estava mudando o humor de investidores em relação ao Brasil", afirma Wood.

A aposta de economistas era a de que essas expectativas positivas trariam investimentos de volta e, com isso, o crescimento econômico aumentaria gradualmente.

No entanto, segundo analistas, sem a perspectiva de redução da despesa do governo com as aposentadorias, as projeções para o deficit fiscal —que vinham caindo— tendem a voltar a subir.

Nesse cenário negativo, investidores podem vender títulos da dívida pública, puxando para cima os juros de longo prazo no mercado. O dólar também entraria em trajetória acentuadamente ascendente, aumentando as expectativas de inflação.

O resultado seria um aumento no custo de financiamento do governo —com a alta dos juros no mercado futuro—, levando a uma piora dos seus indicadores de solvência, como a relação entre a dívida pública e o PIB (Produto Interno Bruto).

Sem reformas, a alternativa do governo para tentar reduzir esses riscos seria o corte de outros gastos ou o aumento de impostos. Medidas nessa linha, no entanto, acentuariam a recessão.

Por isso, economistas acham que, embora incerta, a chance de que um eventual novo governo mantenha o comprometimento com as reformas propostas por Temer seria a saída mais racional.

REFORMA OU COLAPSO

Zeina Latif, economista-chefe da XP Investimentos, diz que a fragilidade da economia não permite que a classe política evite as reformas. Ela espera que haja pressão do setor privado pela manutenção do cronograma de ajuste.

A economista ressalta que, embora a crise política tenha paralisado as discussões sobre reformas em Brasília, a alternativa seria o colapso.

"Não acho que a chance de aprovação das reformas na Câmara hoje seja zero", afirma. "Mas também não descartamos o cenário do colapso, sem as reformas e com todas as consequências negativas que isso teria."

 

EXAME

Ou Temer prova inocência ou reformas estão mortas, diz FT

 Três dias depois de publicar um caderno especial sobre o Brasil, enfatizando que a economia local mostra sinais de retomada após uma forte recessão, o jornal britânico Financial Times estampa o País em sua capa com a manchete: “Mercados no Brasil desabam após acusações de que Temer avalizou pagamentos de propina”.

O periódico relata que denúncias de que o presidente foi gravado aprovando pagamentos de suborno agitaram os mercados financeiros do País na quinta-feira, fazendo com que as ações e a moeda baixassem em meio aos temores dos investidores de que seu governo poderia entrar em colapso.

A publicação detalha que mecanismos de interrupção dos negócios financeiros (stop loss) foram acionados quando a bolsa local caiu 10,47% logo pela manhã.

“O real enfraqueceu 7% em relação ao dólar devido aos temores de que as denúncias torpedeariam o programa de reformas do governo, crucial para as finanças públicas do país. Temer negou veementemente as alegações”, trouxe o veículo.

O FT lembra que Temer e sua coalizão de centro-direita chegaram ao poder em agosto passado, após o impeachment por violações orçamentárias de sua antecessora de esquerda, Dilma Rousseff.

“Se as acusações levarem ao impeachment de Temer, seria a primeira vez desde pelo menos o início do período democrático moderno do Brasil, há mais de 30 anos, que dois presidentes seriam removidos em rápida sucessão.”

O Financial Times cita que o jornal O Globo informou que Joesley e Wesley Batista, respectivamente presidente e diretor-executivo da JBS, maior empresa de carnes do Brasil, apresentaram uma gravação secreta de Temer aprovando subornos a Eduardo Cunha, o ex-presidente da Câmara, às autoridades.

Assim como já havia publicado ontem, o periódico comenta que o episódio ocorre quando o establishment político e corporativo do País começa a se recuperar de investigações de corrupção política na estatal Petrobras em um escândalo conhecido como Operação Lava Jato, que também envolveu Temer e oito de seus ministros, além de grande parte do Congresso.

“Analistas disseram que, a menos que Temer possa rapidamente provar que as alegações eram falsas, seu programa de reforma provavelmente estará morto, deixando a economia brasileira em grave risco de um déficit fiscal insustentável”, trouxe a publicação.

“A maior economia da América Latina está apenas começando a sair da pior recessão da história, quando o Produto Interno Bruto (PIB) contraiu mais de 7% ao longo de dois anos.”

Mais uma vez citando O Globo, o FT relata que Temer ouviu de Joesley Batista que a JBS estava pagando a Cunha, que está cumprindo 15 anos de prisão em função da Lava Jato, para ficar em silêncio. O presidente teria respondido: “Você tem que manter isso, OK?”.

A denúncia não especificou o que Cunha, que foi crucial no processo de impeachment de Dilma, sabia para ser solicitado para ficar em silêncio. Confirmando a reunião com Joesley na residência oficial de Temer, o gabinete do presidente disse que “não havia nada no diálogo que comprometa a conduta do presidente”.

Também foi divulgado que Temer “nunca pediu pagamentos para obter o silêncio do ex-deputado Eduardo Cunha”. A JBS não quis comentar. Cunha, que está preso, não pode ser contatado para comentar.

Manifestantes se reuniram na noite de quarta-feira, na frente do palácio presidencial de Brasília e na principal avenida de São Paulo, tocando buzinas e gritando: “Fora, Temer!”.

O presidente, “que já sofre com um índice de aprovação de apenas 9%, está lutando para introduzir mudanças profundamente impopulares no sistema previdenciário excessivamente generoso do Brasil”, descreve o jornal.

O FT também cita que, se as denúncias forem provadas, o presidente poderá ser removido do cargo de quatro maneiras: julgado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por obstrução à Justiça ou dentro de um caso de supostas irregularidades na eleição de 2014, quando ele era vice-presidente; ele também pode sofrer impeachment ou simplesmente renunciar.

“O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, um importante aliado que também está sendo investigado por corrupção, seria obrigado a realizar uma eleição indireta dentro de 30 dias, quando legisladores escolheriam um presidente interino para servir até as eleições programadas para o próximo ano.”

O STF e o Congresso também estão considerando modificações que permitiriam que as eleições gerais fossem realizadas imediatamente em tais casos, mas ainda não foram aprovadas.

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