VALOR
Para analistas, IPCA teve leve aceleração em julho
O aumento das contas de luz e a aceleração modesta dos alimentos elevaram a inflação em julho, avaliam economistas, para quem o ambiente inflacionário segue tranquilo e sem grandes pressões. Segundo a estimativa mediana de 34 consultorias e instituições financeiras ouvidas pelo Valor Data, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) avançou de 0,01% em junho para 0,25% julho.
As projeções para o indicador oficial de inflação, a ser divulgado hoje pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), variam de alta de 0,16% a 0,30%. Em 12 meses, o IPCA deve ter desacelerado de 3,37% para 3,28% na passagem mensal. O maior impacto individual sobre a inflação em julho foi a mudança da bandeira tarifária verde para a amarela nas contas de luz, afirma Breno Martins, economista da Mongeral Aegon Investimentos.
Em seus cálculos, o IPCA subiu 0,24%, e 0,11 ponto é explicado pela mudança. Em junho, vigorou a bandeira verde, que deixa a tarifa de eletricidade residencial livre de cobranças adicionais. No mês seguinte, foi acionada a bandeira amarela, que onera a as contas de energia elétrica em R$ 1,50 a cada 100 quilowatts-hora consumidos. As contas de luz também ficaram mais caras em São Paulo, onde a distribuidora Enel reajustou em 6,41% as tarifas de consumidores residenciais.
Assim, estima Martins, a tarifa de eletricidade residencial aumentou 3,9% no mês, enquanto o grupo habitação acelerou de 0,07% na medição anterior para 1,01%. "A alta de habitação é explicada quase que totalmente por energia", diz o economista. A parte de alimentação e bebidas, por sua vez, permaneceu em deflação, mas mais fraca, avalia Martins, de 0,06%. Em junho, o grupo recuou 0,25%.
Para a equipe econômica da SulAmérica Investimentos, o IPCA de julho, que ficou em 0,29%, "deverá confirmar a tranquilidade do atual quadro inflacionário". "A elevação do índice no mês refletirá, principalmente, aumento da pressão dos alimentos conjugado à alta das contas de luz, decorrente do acionamento da bandeira amarela em julho", observam os economistas Newton Rosa e Rafael Yamano.
Segundo a LCA Consultores, mais dois grupos registraram taxas maiores no mês: artigos de residência e despesas pessoais. O primeiro passou de 0,02% para 0,21%, calcula a consultoria, devido à aceleração de mobiliário e utensílios, ao passo que os itens TV, som e informática caíram menos.
Para a parte de despesas pessoais, a expectativa é de avanço de 0,15% para 0,40%, como reflexo das altas de empregada doméstica e preços de recreação. Na contramão, observa Martins, da Mongeral Aegon, o grupo transportes deve ter aprofundado sua deflação, que foi de 0,31% no mês passado, em razão dos combustíveis, que estão caindo devido à redução do barril de petróleo no mercado externo e também à apreciação do real na comparação com o dólar na média do ano.
Varejo decepciona, mas não força revisão do PIB
O resultado do varejo em junho esbarrou na contenção de gastos das famílias e decepcionou analistas, mas, por enquanto, as projeções para o Produto Interno Bruto (PIB) do segundo trimestre devem ser mantidas. Para a segunda metade do ano, há expectativa de melhora, considerando gradual recuperação do emprego e injeção recursos na economia, como das contas do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS).
Em junho, as vendas do varejo avançaram apenas 0,1% ante maio, com ajuste sazonal. O varejo ampliado - que inclui veículos e material de construção - ficou estável, interrompendo três meses de ligeiras altas. Os dados foram divulgados ontem pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
A mediana das estimativas de 24 consultorias e instituições financeiras consultadas pelo Valor Data apontava para um crescimento de 0,5% em junho no varejo restrito e de 0,6% no ampliado. Responsável por metade das vendas do varejo nacional, o setor de supermercados ficou estagnado no mês. Combustíveis recuaram 1,4%, e a comercialização de móveis e eletrodomésticos caiu 1%.
O varejo perde fôlego pela combinação de desemprego alto, baixo ritmo de atividade econômica e aumento do endividamento das famílias, diz Isabella Nunes, gerente da Pesquisa Mensal do Comércio (PMC). "As famílias estão mais endividadas. O resultado do Banco Central é o mais elevado desde abril de 2016, ano crítico para o varejo."
Reportagem publicada pelo Valor na segunda-feira mostra que, em maio, a taxa de endividamento em relação à renda acumulada em 12 meses subiu para 44,04%. A economista da Tendências Consultoria, Isabela Tavares, destaca que, em comparações mais longas, o varejo ampliado vem apresentando resultados melhores.
As vendas aceleraram de 0,5% no primeiro trimestre para 1,2% no segundo, por exemplo, enquanto no varejo restrito passaram de estabilidade para queda de 0,3%. Essa melhora, no entanto, está relacionada mais ao acesso dos consumidores a crédito do que à capacidade direta de compra. Cálculos de Vitor Vidal, da LCA Consultores, apontam que o "varejo associado à renda" (como alimentos e combustíveis) caiu 1,1% no segundo trimestre, ante o primeiro.
Já o varejo atrelado ao crédito subiu 2,1%, puxado por veículos. Segundo o IBGE, a comercialização de automotores cresceu 5,3% no segundo trimestre. "As condições de crédito estão mais atrativas do que em outras modalidades", diz Vidal.
O reflexo da recuperação do segmento de veículos na atividade pode ser limitado porque as maiores vendas ainda são para clientes corporativos, como locadoras, e o quadro doméstico não necessariamente chega à produção, prejudicada pelas perdas no mercado argentino, pondera Fernando Montero, economista-chefe da corretora Tullett Prebon.
Analistas aguardam a divulgação, nesta sexta-feira, dos dados do setor de serviços, cuja previsão em geral é de queda, para avaliar se há necessidade de mexer nas projeções de PIB do segundo trimestre. Olhando para frente, as perspectivas para as vendas no varejo são moderadamente positivas, avalia Alberto Ramos, diretor de pesquisa para a América Latina do Goldman Sachs.
Ele considera que o setor será apoiado por uma inflação baixa - o que sustenta o rendimento real dos salários -, crescimento do emprego, fluxo de crédito mais firme e taxas de empréstimos em declínio. Mas o nível de desemprego ainda elevado e a confiança fraca do consumidor podem "limitar o dinamismo" do comércio, afirma.
"Não tem como esperar uma evolução muito rápida do setor, porque não há perspectiva de que a taxa de desemprego caia tão rapidamente", diz Rodolpho Tobler, coordenador da Sondagem do Comércio do Ibre (Instituto Brasileiro de Economia) da Fundação Getulio Vargas (FGV). A liberação dos saques do FGTS, apesar do potencial baixo de impacto na atividade, deve trazer algum alívio para a situação financeira das famílias e "abrir espaço para o consumo", afirma Tavares.
Mas, como os pagamento só começam em setembro e o valor é limitado (R$ 500 por conta), Tobler diz não ser possível imaginar um grande consumo. "Deve ficar mais para bens de valor mais baixo ou serviços."
Expansão do crédito imobiliário depende de mercado de capitais
A expansão do crédito imobiliário nos próximos anos está condicionada à capacidade do setor de atrair recursos do mercado de capitais. As fontes que bancaram os projetos até aqui - poupança e FGTS - não vão se esgotar tão cedo, mas serão insuficientes para atender a demanda.
O governo sabe que tem um desafio pela frente e, por meio do Ministério da Economia e do Banco Central (BC), planeja uma série de ações com o intuito de tornar o mercado de títulos imobiliários mais atrativo para investidores. As medidas, em diferentes estágios de estudo, vão da liberação do uso do IPCA para indexar contratos no Sistema Financeiro da Habitação (SFH) à criação do registro de recebíveis das incorporadoras.
A discussão sobre o funding ganha relevância por duas razões. Uma é que o governo espera aumentar a participação do crédito imobiliário no PIB - no Brasil, essa relação está em torno de 9%, metade do que se vê, por exemplo, no Chile, e muito inferior aos 68% vistos nos Estados Unidos. A outra questão é que a queda na taxa Selic pressiona as duas fontes principais de recursos para o setor.
No caso do FGTS, fontes importantes de receita - sobretudo, investimentos em títulos públicos - estão sob ameaça. Há também a mudança na forma de saques das contas do fundo. A medida foi desenhada pelo governo para neutralizar o impacto, mas o modelo ainda não foi testado na prática e preocupa as construtoras.
Na poupança, há uma tendência de migração dos investidores para outras classes de ativos. A caderneta acumula resgate líquido de R$ 16,1 bilhões neste ano até julho. "O setor está começando a dar sinais de retomada, e é só o começo da arrancada. O crédito imobiliário vai crescer 30% neste ano e a poupança, não", afirma Gilberto Abreu, presidente da Abecip, associação de instituições financeiras que atuam no segmento. Para ele, o saldo da poupança vai crescer entre 6% e 10% "num ano bom".
A Abecip prevê alta de 13% no volume de financiamentos imobiliários concedidos neste ano, para R$ 132 bilhões. O crédito com recursos da poupança (SBPE) deve crescer 31%, para R$ 75 bilhões, enquanto as operações com funding do FGTS - basicamente, Minha Casa, Minha Vida (MCMV) - devem recuar 4%, para R$ 57 bilhões.
"Na estrutura atual, há uma transferência de renda de quem poupa para quem toma o crédito imobiliário. É lógico que o funding secou e vai secar", afirma o presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), José Carlos Martins.
Estimativa da Habitat Capital Partners, gestora de fundos imobiliários, aponta que falta funding para cerca de 300 mil imóveis por ano se consideradas as necessidades habitacionais para os próximos dez anos e o número médio anual de unidades financiadas com poupança e FGTS na última década. É, inicialmente, esse o espaço que terá de ser preenchido pelo mercado de capitais.
Somente para preencher essa lacuna, o volume representado por instrumentos como Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRI), Letras Imobiliárias Garantidas (LIG) e Letras de Crédito Imobiliário (LCI), que hoje soma R$ 230 bilhões, teria de crescer quase 50%, segundo cálculo feito pelo Valor.
"O crédito imobiliário no Brasil está muito concentrado nos bancos por causa da poupança e do monopólio da Caixa no FGTS. Tem que destravar essas amarras para o mercado crescer", diz o presidente da Brasil Brokers, Claudio Hermolin. O país tem um déficit habitacional de 7,7 milhões de residências e uma demanda de 9 milhões de novos domicílios até 2027, segundo estudo elaborado pela FGV para a Associação Brasileira das Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc).
"FGTS e poupança foram e continuarão importantes, mas o setor não pode ficar preso a dois bolsões de funding", afirma Luiz França, presidente da associação. A boa notícia é que o mercado brasileiro começa a reunir as condições para se desenvolver. A taxa básica de juros desceu a 6% ao ano, com viés de baixa, e o marco regulatório está adequado após a solução para os distratos.
Cada queda de 1 ponto percentual na Selic tem o potencial de colocar no mercado imobiliário mais 200 mil famílias, calcula o Bradesco. Para França, o que falta agora é uma melhora da confiança, o que passa pela recuperação do emprego. A expectativa é que, com juro baixo, papéis como LIG e CRI ganhem relevância e representem bem mais que a fatia atual de 18% que têm do total do funding.
No entanto, o governo desenha algumas mudanças nesses instrumentos para torná-los mais atrativos. Uma das grandes mudanças previstas é a liberação do uso de índices de preço, como o IPCA, para indexar contratos de financiamento imobiliário. Desde o ano passado, isso já é possível nas operações feitas no Sistema Financeiro Imobiliário (SFI), mas o efeito foi pequeno porque essas linhas atendem principalmente imóveis mais caros. Por isso, nas próximas semanas o BC deverá estender a permissão ao SFH, modalidade em que os bancos seguem regras mais rígidas e o comprador pode usar recursos de sua conta do FGTS para comprar residências avaliadas em até R$ 1,5 milhão.
A medida precisa ser aprovada pelo Conselho Monetário Nacional. A Caixa aposta nesse caminho e aguarda a liberação dos reguladores para lançar linhas atreladas à inflação, que vão variar entre IPCA mais algo em torno de 3% a 5%, dependendo do relacionamento que o cliente tiver com o banco. O plano do presidente da instituição, Pedro Guimarães, é "empacotar" esses créditos, securitizá-los e vendê-los - e então abrir espaço no balanço para novas operações.
A intenção da Caixa é distribuir parte dos CRI entre seus próprios clientes, em operações que poderiam ter taxas da ordem de IPCA mais 2% para os investidores. A indexação dos contratos por índice de preços é considerada vital para a securitização. Hoje, praticamente não existe CRI de empreendimentos residenciais porque estes são necessariamente atrelados à Taxa Referencial (TR) - que os investidores consideram arbitrária e difícil de travar com mecanismos de "hedge".
"Os bancos vão ter apetite pelo IPCA até para manter em carteira. São créditos mais fáceis de negociar", diz Marco Túlio Guimarães, vice-presidente do Banco Inter. Para Martins, da CBIC, a indexação pelo IPCA vai gerar concorrência aos bancos na oferta de crédito imobiliário ao facilitar a venda desses ativos. "Uma pequena companhia hipotecária não consegue carregar uma operação de 30 anos no balanço", pondera.
Apesar de expor o tomador do crédito e os bancos à oscilação inflacionária, a indexação pelo IPCA não representa grandes riscos, na visão do BC. Segundo apurou o Valor, o regulador entende que os modelos de crédito das instituições financeiras vão definir o produto correto para cada cliente.
Mas o Banco Central vai observar e poderá aumentar as exigências de capital se detectar problemas, diz fonte próxima à questão. Também há quem defenda que as taxas para sejam repactuadas de tempos em tempos, como em outros países. As linhas baseadas no IPCA poderão usar funding tanto da poupança ou quanto de captações no mercado, como a LIG para financiar imóveis voltados às classes média e alta. Caso a taxa Selic continue em trajetória de queda, é possível que os contratos indexados pela inflação cheguem às faixas mais altas da habitação social, financiada pelo FGTS.
Esse, no entanto, é um processo longo. "O funding terá de vir cada vez menos de direcionamento e mais de mercado", afirma Eduardo Malheiros, presidente da Habitat. Com essa expectativa, a gestora lançou seu segundo fundo imobiliário, de R$ 240 milhões, cujas cotas começaram a ser negociadas nesta semana.
O objetivo é investir em CRI de empreendimentos espalhados pelo interior do país e chegar a R$ 1 bilhão captados. A solução que se desenha para o Brasil prevê a coexistência da securitização, comum no mercado americano, e de títulos bancários garantidos por carteiras imobiliárias, modelo europeu.
Por isso, o governo também pretende mudar a legislação da LIG. Inspirado nos "covered bonds" europeus, esse papel tem dupla garantia: do banco emissor e de um conjunto de ativos imobiliários. O Ministério da Economia estuda alterar a legislação que criou as letras imobiliárias garantidas para permitir que os títulos sejam emitidos também no exterior e mantenham a isenção tributária para investidores. Com isso, seria possível acessar um bolso muito mais profundo, especialmente na Europa.
Ao mesmo tempo, a Comissão de Valores Mobiliários deve regulamentar dois pontos relacionados à LIG: a criação de um mercado secundário e a possibilidade ofertas simplificadas, como as das emissões de Certificados de Operações Estruturadas (COE). É cedo para saber qual modelo vai prevalecer, mas por ora os bancos privados preferem a LIG à securitização, até porque no mercado local não há grande tradição de venda de carteiras de crédito ativas.
"A LIG vai ser o carro-chefe, vai ter o grande papel na expansão do crédito imobiliário. Tem liquidez mais adequada e oferece prazos longos", diz José Rocha Neto, diretor-executivo do Bradesco. Esses títulos começaram a ser emitidos no fim de 2018 e o executivo prevê que o mercado alcance estoque de R$ 15 bilhões até dezembro.
A tendência é que, com o tempo, esses papéis substituam a LCI, cujo lastro está atrelado ao direcionamento da poupança. O BC trabalha ainda em outras frentes. Uma delas prevê a criação de mecanismos de registro de recebíveis das incorporadoras, da mesma forma que foi feito com cartões de crédito.
Assim, essas empresas poderiam usar esses ativos como garantia para se financiar não apenas nos bancos, mas também com outros investidores. Outra iniciativa no radar do BC é permitir que cooperativas de crédito passem a captar poupança para o setor imobiliário, e não só rural, como fazem hoje. Com isso, entrariam mais competidores. A medida faz parte da Agenda BC#, mas não tem prazo para ser adotada.
Queda global de juros anima aposta em Selic mais baixa
As apostas na queda da Selic ao longo de 2019 ganharam fôlego adicional ontem com a nova rodada de queda de juros pelo mundo e os sinais de fragilidade da economia brasileira. Na B3, as taxas futuras caíram do começo ao fim do pregão e agora projetam flexibilização próxima de 0,75 ponto percentual da Selic até o fim do ano. Todo esse movimento foi capitaneado por temores de uma recessão global, trazidos por dados fracos de atividade e pela persistente disputa comercial entre EUA e China, o que eleva a expectativa por novas medidas de estímulo.
Ontem, a taxa do contrato de DI para janeiro de 2020 recuou de 5,53% para 5,515%, enquanto a do DI para janeiro de 2021 caiu de 5,49% para 5,43%, a despeito da alta do dólar e da instabilidade do Ibovespa durante boa parte do pregão. O contraste com o desempenho negativo de outros ativos locais deixa a queda dos juros ainda mais notória e denota uma postura bastante cautelosa com o risco de recessão global.
O investidor aposta em novos estímulos monetários, mas mostra receio em aumentar de maneira significativa a exposição em ativos de risco, como ações e divisas emergentes. Com a queda dos juros futuros, o mercado precifica agora que a Selic chegará ao fim do ano bem próximo de 5,25%, ante o nível atual de 6%. De acordo com analistas, as apostas numa flexibilização adicional em 2019 ainda podem ganhar tração nos próximos meses conforme o cenário de aprovação de reformas, inflação baixa e atividade fraca em todo o mundo vai se confirmando.
Lá fora, já existem dúvidas sobre quais alternativas os bancos centrais das economias desenvolvidas - muitos dos quais já apresentam juro negativo - ainda têm para sustentar o atual ciclo econômico. Já a resposta esperada no Brasil é, de fato, novas quedas da taxa básica de juros. "O ciclo de flexibilização deve ser mesmo entre 1,25 ponto e 1,50 ponto. A diferença é que os juros podem ficar neste nível baixo por um longo período. Por exemplo, o BC pode não ter que subir os juros ano que vem", diz Marcos Mollica, gestor do Opportunity.
Esse quadro, entretanto, estaria condicionado tanto ao cenário externo quanto ao local de inflação e atividade. Por aqui, os novos sinais de fraqueza econômica no Brasil vieram com a frustração com as vendas no varejo, que subiram bem menos que o esperado em junho. Já o clamor no mercado global por mais estímulos pelo mundo foi reforçado pelos dados piores que o esperado da indústria na Alemanha e pelo receio persistente com a disputa comercial entre EUA e China. O juro do título americano de dez anos caiu de 1,73% para 1,71%, enquanto o papel alemão de mesmo vencimento ficou ainda mais negativo, em -0,573%.
Diante deste quadro, os emergentes continuam se movimentando para conter a fraqueza econômica que abala o mundo. Ontem, os bancos centrais de Nova Zelândia, Índia e Tailândia reduziram suas taxas básicas. Ainda assim, os desdobramentos da guerra comercial exigem cautela. Marcos de Callis, estrategista de investimento da asset do Banco Votorantim, afirma que a alta do dólar contra emergentes é um ponto de atenção, que pode até deixar o processo de flexibilização monetária do Brasil mais lento. "Se estivermos com uma taxa de câmbio de R$ 4 por dólar na próxima reunião do Copom, não sei se haveria espaço para indicar ciclo de queda de 1,50 ponto da Selic."
Retorno de títulos soberanos desaba e prenuncia recessão
Os rendimentos dos bônus soberanos enfatizaram repetidamente um recado sombrio ontem, após três bancos centrais afrouxarem a política monetária para além das expectativas do mercado e os dados de produção industrial da Alemanha sugerirem que a maior economia da Europa se encaminha para uma recessão. Os rendimentos dos bônus soberanos conseguiram registrar novas baixas recorde para 2019.
Os papéis referenciais de 10 anos de Alemanha e Reino Unido registraram patamares de baixa recordes, enquanto no Japão o título de 10 anos do país ficou no nível mais baixo da faixa de -0,2% a 0,2% fixada pelo Banco do Japão. Uma tendência tão forte extrapola forças seculares de expectativas de populações em processo de envelhecimento e de declínio de inflação devido ao progresso tecnológico que há muito influenciam os rendimentos soberanos.
O medo de um enfraquecimento da economia mundial que se transforma em movimento recessivo por meio de um prolongado choque de comércio exterior está desafiando a ideia de que o Federal Reserve (BC dos EUA) esteja pronto simplesmente para "apenas um ajuste da política [monetária] de meados de ciclo". Muitos ainda acham que uma recessão continua sendo um risco remoto e minimizam a influência de impactos induzidos pelo comércio exterior sobre o grau de confiança e de investimentos.
Mas o trio de ontem de reduções de taxas dos BCs de Nova Zelândia, Tailândia e Índia nos diz que alguns, sem dúvida, estão preocupados e que é por isso que os rendimentos dos bônus soberanos vivem um modo de ataque-surpresa.
O maior choque vindo de uma autoridade foi desfechado pelo Reserve Bank da Nova Zelândia, que promoveu um corte de 50 pontos-base, para 1%, em vez dos 25 pontos-base previstos. O BC da Índia reduziu sua taxa de um só dia em 35 pontos-base, e não nos 25 pontos-base previstos, para 5,4% (o nível mais baixo de quase uma década), enquanto os formuladores de política monetária da Tailândia cortaram os juros em 25 pontos-base, para 1,5%, quando poucos previam a medida.
O dólar dos EUA ficou mais firme no câmbio global com seus principais concorrentes (exceto com os refúgios seguros de sempre, do iene japonês do franco suíço), enquanto uma série de moedas de mercados emergentes enfrentaram pressões. A sorte das moedas emergentes depende, e muito, da trajetória do yuan. Isso torna a fixação da taxa da moeda pelo Banco do Povo da China, nesta quinta-feira, um acontecimento altamente preocupante para mercados cada vez mais avessos ao risco.
A mais recente medida de banco central desempenhará também papel fundamental na expansão do universo de dívidas com rendimento negativo, uma vez que decisões de investimento exigem que os gestores comprem bônus do governo. Com a queda dos rendimentos, os gestores compram mais títulos a fim de permanecerem equilibrados em relação a suas respectivas referências em renda fixa. Isso apenas reforça a maré de títulos de rendimento negativo e exerce pressão declinante sobre outros títulos soberanos mundiais com rendimentos positivos, como os de Austrália, Canadá e EUA.
Na verdade, o que impressionou ontem foram as grandes quedas dos bônus de 30 anos, que, em muitos casos, ainda pagam um rendimento positivo, embora um rendimento em processo de retração. Apenas os EUA e a Itália oferecem mais que 2% entre as economias do G-10, enquanto o bônus de longo prazo do Tesouro dos EUA encara sua maior baixa de todos os tempos de 2,09% desde julho de 2016.
Por outro lado, o retorno do bônus de 30 anos da França era de cerca de 0,5%, o do Reino Unido, de 1,1%, enquanto o do Canadá, de 1,40%. A compra de papéis de prazo dilatado sugere que os investidores queriam mais lastro para contrabalançar carteiras que contêm exposição a crédito e a ações, para o caso de as condições ficarem muito mais difíceis. E esses gestores não estavam, evidentemente, nada preocupados com a possibilidade de o afrouxamento monetário gerar um surto de inflação que prejudicaria o desempenho de bônus prefixados de longo prazo.
O que contribuiu para essa tendência de aversão ao risco foi também o ouro, que rompeu a barreira dos US$ 1.500 a onça ontem pela primeira vez desde março de 2013. A escolha do ouro, mais uma vez, não é preocupação com a inflação, e sim uma transação movida pelo medo. A busca por refúgios seguros também despertou a volatilidade no mercado de ações.
Por boa parte do ano, os investidores em ações sorriem ao constatar o quanto as referências de 10 anos impulsionaram a atratividade das ações. A queda dos rendimentos dos bônus foi um fator impulsionador significativo dos múltiplos das ações. Mas, em algum momento, a queda dos rendimentos deverá assustar os detentores de ativos de risco como ações e renda fixa. Com os rendimentos dos bônus embutindo a possibilidade de recessão, isso acarretará adversidades no mundo corporativo e queda dos lucros. Se isso acontecer, os ativos de risco começarão a parecer muito menos atraentes. Esse é o problema dos ataques-surpresa - seu poder destrutivo.
Mercados preocupados com o risco crescente de uma crise
Se uma crise está logo ali é difícil dizer, até porque os indicadores econômicos americanos continuam robustos, mas os mercados estão enviando um forte sinal aos bancos centrais de que estão muito preocupados. A corrida ontem pelos títulos soberanos e ouro, principalmente, fala claramente sobre isso. Mas também há demanda por ienes e francos suíços - todos tradicionais ativos de segurança.
Foi sintomático na sessão de ontem o movimento de redução de juros por três BCs. A escalada da guerra comercial, causando crescentes preocupações com o crescimento global, dá impulso à outra inquietação: o risco de uma guerra cambial, que tomou corpo após a atuação do BC chinês no mercado.
As expectativas de cortes acentuados pelo Federal Reserve (Fed) pressionam os bancos centrais, particularmente os dos mercados emergentes, a reduzir os juros para evitar que as moedas locais se valorizassem muito. O banco central da Nova Zelândia surpreendeu os mercados ao reduzir sua taxa de juros em 0,50 ponto percentual, para 1%.
Na Ásia emergente, o BC da Índia entregou um corte de taxa ligeiramente maior que o esperado, de 0,35 ponto. Nos dois casos, a preocupação com a desaceleração global foi citada como argumento para afrouxar a política. Na Tailândia a queda do juro de 1,75% para 1,50% foi surpreendente e motivada também por preocupações sobre a força da moeda local (o baht). Também não será surpresa se os bancos centrais de Suíça e Japão voltarem a intervir no câmbio a qualquer momento.
Outros eventos também chamaram atenção. Na terça-feira, o BC da Austrália manteve a taxa em 1%, mas apontou claramente para um corte na próxima reunião. No Japão, um documento divulgado ontem com as opiniões dos membros do BoJ na ocasião da última decisão de política monetária, na semana passada, revelou que vários participantes estavam preocupados com os riscos negativos para a atividade econômica e muitos argumentaram que a autoridade não deveria hesitar em aliviar a política, se necessário.
Soma-se a esse ambiente a indicação do Banco Central Europeu de que partirá em breve para novos estímulos - pode-se dizer que o movimento de flexibilização tem caráter global. Em resposta, os preços dos Treasuries dispararam, bem como os dos títulos da Alemanha, França e Reino Unido, derrubando os rendimentos fortemente.
Nos Estados Unidos, o juro da nota de dez anos bateu 1,595% - menor patamar desde setembro de 2016, quando os bônus dos países desenvolvidos foram amplamente demandados por causa da vitória do Brexit.
A diferença entre os rendimentos de dois e dez anos chegou à mínima desde 2007, a oito pontos apenas, quase invertendo a curva. O spread entre os papéis de curtíssimo prazo (três meses) e o de longo (10 anos) já está invertido há um bom tempo e ontem chegou a 33 pontos. Normalmente, quando os rendimentos curtos ficam maiores que os longos sinalizam o risco de uma recessão econômica.
No Reino Unido (0,432%) e na Alemanha (-0,605%), os yields de mesmo prazo chegaram a mínimas históricas. Além disso, quase todos os países da zona do euro têm agora títulos soberanos com vencimento de dois anos no campo negativo. A piora do sentimento fez o mercado de Fed Funds futuros chegar a precificar 110 pontos-base de redução dos juros nos EUA até o fim de 2020, levando-a para pouco acima de 1,0%.
Governo vai rever perfil de investimentos do FGTS
Pilar do financiamento à habitação social no Brasil, o FGTS terá seu perfil de investimentos rediscutido pelo governo nos próximos meses. O desafio é manter a rentabilidade das cotas em um ambiente de juros mais baixos. As medidas em estudo incluem ampla revisão de receitas e despesas, além da busca por novos ativos em áreas como infraestrutura, saneamento e mobilidade urbana, diz o diretor do Departamento do FGTS no Ministério da Economia, Igor Vilas Boas.
Também se cogita revisão da gestão do fundo, hoje monopólio da Caixa. “O fundo precisa encontrar uma solução para o desafio dos juros menores, que qualquer gestor enfrenta”, diz. O nó do FGTS existe independentemente das novas regras para o saque dos recursos pelos trabalhadores.
O grande dilema é que o crédito à habitação responde por 60% dos ativos do fundo, por determinação legal, mas gera retorno inferior aos 3% mais TR pagos aos cotistas. A rentabilidade dos outros 40%, portanto, precisa compensar essa defasagem. Não é de hoje que isso é assim, mas a fórmula que assegurou essa compensação nos últimos anos está em xeque.
Boa parte da receita do FGTS vem da aplicação de quase R$ 100 bilhões em títulos públicos, mas o rendimento desses papéis recua junto com a Selic. A taxa básica de juros da economia foi cortada em julho para 6% ao ano e a expectativa é que caia ainda mais. Segundo Vilas Boas, o caminho para o FGTS passa por encontrar novos ativos para investir. Isso inclui projetos “maduros” de infraestrutura. “Mas é preciso que haja um processo para a seleção de bons projetos, já que o FIFGTS teve várias furadas”, afirma. As despesas também estão sob revisão.
O governo considera elevados os gastos operacionais — que totalizaram R$ 20,5 bilhões entre janeiro e setembro de 2018, informação mais recente disponível. O contrato de R$ 5 bilhões com a Caixa, que faz a gestão dos recursos, é um dos pontos que podem ser revistos. Mas ainda não há clareza sobre o modelo a ser seguido.
Por enquanto, segundo Vilas Boas, o que há de mais concreto é um programa de digitalização de processos. A expectativa é que, com isso, as despesas caiam e a geração de receitas melhore (por exemplo, em áreas como cobrança judicial de contribuintes inadimplentes com o fundo). As discussões ocorrem num momento em que o governo amplia as possibilidades de resgate dos recursos do fundo, com a criação do saqueaniversário.
Adolfo Sachsida, secretário de Política Econômica do Ministério da Economia, afirma que as medidas foram calibradas de forma que as retiradas com a nova modalidade sejam equivalentes às do modelo atual, por demissão. De acordo com Sachsida, o governo prevê até um efeito positivo para o fundo, já que a expectativa é que as medidas ajudem a aumentar a formalização da economia. A estimativa do ministério é que, em dez anos, haja incremento de R$ 11 bilhões no fundo. “Temos que dar a certeza de que o funding à habitação será inalterado”, afirma.
Poupança deve ser insuficiente para financiar habitação
No Brasil que vive longe dos grandes centros urbanos e das plataformas de investimentos, a boa e velha poupança ainda tem seu apelo. A expectativa de bancos e empresas do setor imobiliário é que os recursos da caderneta continuem crescendo, ainda que de forma “vegetativa”. “O grande poupador vai para rentabilidades maiores, mas o pequeno fica”, afirma Basilio Jafet, presidente do Secovi-SP.
“Nunca houve ameaça, nem nos tempos bicudos.” A Abecip, associação das instituições financeiras que fazem crédito imobiliário com funding da poupança, prevê crescimento de 11% no saldo das cadernetas neste ano, para R$ 686 bilhões. Até julho, entretanto, a poupança teve resgate líquido de R$ 16,1 bilhões. “A captação negativa é mais resultado da economia fraca do que migração para outros investimentos. As plataformas ainda atingem um público restrito”, afirma Luiz França, presidente da Abrainc, associação das incorporadoras.
Apesar disso, é consenso que a poupança será insuficiente para financiar o crescimento que se espera para o crédito imobiliário. “O estoque da poupança era maior do que o crédito imobiliário. Hoje, não mais é suficiente”, diz Gilberto Abreu, presidente da Abecip. No Banco Central (BC), a constatação é que o segmento não vai mudar de patamar apenas com esses recursos, daí a busca por alternativas de mercado, apurou o Valor.
O presidente do órgão regulador, Roberto Campos Neto, tem ressaltado a importância do crédito imobiliário — linha de longo prazo, taxas de juros baixas e com garantia — para a economia. A visão do BC é que os imóveis têm um valor que hoje não é aproveitado para alavancar negócios, como se faz em outros países com o financiamento lastreado em ativos imobiliários (“home equity”).
Para José Rocha Neto, diretor-executivo do Bradesco, a participação do crédito no PIB deve dobrar em dez anos, chegando a 20%. “Aí a poupança não vai ser suficiente. Isso é líquido e certo.”
"Ativos muito caros paralisam os investidores"
A expectativa de um ajuste nos preços dos ativos em bolsa no mundo tem feito o mercado viver em compasso de espera. Essa probabilidade de revisão nos preços gera insegurança e coloca os investidores "entre a cruz e a calderinha", diz o empresário e investidor Abilio Diniz, fundador da Península Participações, veículo de investimentos da família Diniz, com R$ 12 bilhões sob gestão.
"Na condição atual, você está pagando muito pelo que a empresa está disposta a entregar. Nós temos que baixar as expectativas e os múltiplos. Esse é o jogo do ajuste que há hoje", diz. Abilio tem em seu portfólio participações em negócios por meio do braço de private equity, como investidor institucional e na gestão de ativos em sua gestora. Entre os investimentos estão Carrefour, BRF e Ânima. Ao Valor, Abilio comentou, pela primeira vez, os novos rumores a respeito de um eventual interesse do Carrefour em se unir com o Casino, por meio de fusão ou aquisição.
O concorrente é comandado por Jean-Charles Naouri, com quem Abilio travou duras batalhas quando ainda era acionista do Grupo Pão de Açúcar (GPA), fundado por seu pai. O empresário diz que o tema não está em discussão hoje no colegiado do Carrefour e que perdeu a motivação para unir as duas varejistas.
Sobre o GPA, também descartou interesse: "Aquele negócio que meu pai fundou já passou". Analistas internacionais têm feito novos cálculos e avaliações com base em rumores sobre uma associação entre as redes. A declaração em junho do CEO do Carrefour, Alexandre Bompard, de que os varejistas na França viverão uma "consolidação" nos próximos anos fez subir as expectativas em torno de uma negociação.
As redes não confirmam uma aproximação. Na entrevista, Abilio ainda comentou sobre a fase atual vivida pela holding do Casino, a Rallye, em regime de proteção contra credores desde maio. "É uma pena o que está acontecendo. Espero que ele [Naouri] saia disso. Não estou vibrando nem um pouco". Abilio deve passar este segundo semestre no Colorado (EUA), onde dois de seus filhos, Rafaela e Miguel, devem começar a estudar.
"Tenho uma casa lá. Vou tratar dos negócios remotamente. Vou aproveitar para ficar mais perto dos filho, levá-los de carro na escola, algo que nunca fiz antes." A seguir, os principais trechos da entrevista:
Valor: A guerra comercial entre EUA e China pode atrapalhar o processo de retomada do Brasil?
Diniz: Preocupa a nós todos. Hoje no mundo dos negócios há uma incoerência muito grande. Você tem juros baixíssimos. Em países como Suíça e França, você paga para depositar. Você tem juro negativo: deposita R$ 100, vai buscar, tem R$ 99,95. E além disso, todo mundo quer investir, mas tem medo. As grandes bolsas estão muito fragilizadas e voláteis. Há uma ideia debatida nos mercados de que, em determinado momento, pode ter um ajuste dos preços em bolsa. Algo que pode ser igual a 2008 e 2009. Acho que provavelmente não [ocorrerá] algo assim. Mas quando as pessoas ficam esperando por isso, ficam entre "a cruz e a caldeirinha". Você não pode ir para a renda fixa ou "bonds" porque não remunera. E se for para o outro lado [ativos de maior risco], o mercado pode desabar. Aí você pega sexta-feira e ontem [terça-feira], e a bolsa desabou. O que abalou nosso real é a insegurança, porque acham que os múltiplos estão muito altos pelo mundo. Na condição atual, você está pagando muito pelo que a empresa está disposta a entregar. Nós temos que baixar as expectativas e os múltiplos. Esse é o jogo do ajuste que há hoje. E isso acontece porque os investidores estão temerosos, se perguntam se chegou a hora do ajuste. Então, no mundo inteiro há um medo desse ajuste, e se isso é para agora ou no ano que vem. Enquanto isso estiver no ar será complicado. Se isso se acalmar, vamos ter uma entrada muito grande de capital no Brasil. Vemos investidores fazendo muitos estudos e querendo investir, mas ainda estão relutantes por causa desse cenário.
Valor: Qual o efeito para o país?
Diniz: Para o investidor, o Brasil gera muita confiança. [Presidente Jair] Bolsonaro, [ministro da Economia] Paulo Guedes, [secretário da Receita Federal, Marcos] Cintra passam muita segurança de que a reforma da Previdência vai sair. Sai entre hoje e amanhã [foi aprovada ontem, em segunda sessão no Congresso]. No caso da reforma tributária, o governo está firme de que vai fazer e está sendo realista sobre as condições para isso. Outras reformas virão. E há várias outras agendas como desestatização, desburocratização, redução da máquina do Estado e ações para retomada de consumo interno, que devem ir avançando. O investidor só não está investindo mais pelo fator global, por acusa da expectativa do ajuste que mencionei. O Brasil está num bom momento, sempre fui um otimista. Acho que ser otimista é muito melhor. Pessimista vive de mau humor, é um chato. Eu estou vendo o Brasil num bom momento, acho que o país irá deslanchar e virá muito capital de fora. Se não veio ainda é por conta dessa questão global.
Valor: O Sr. acha possível uma retomada econômica em 2020?
Diniz: Aqui as coisas demoraram a acontecer e é natural que demore, passamos por uma mudança. E temos que lembrar das nossas limitações. Nosso sistema tributário é maluco, do demônio. Parece que foi feito pelo demônio. Você não acredita que isso exista. Quem sucateou a indústria brasileira foi o nosso sistema tributário, mais do que o câmbio ou qualquer outra coisa. Como você pode exportar com essa quantidade de imposto que carrega? Os caras lá fora não gostam de comprar imposto.
Valor: Num artigo em 2018 o sr. mencionou que um dos desafios do novo governo era unir os brasileiros. Isso não aconteceu. Essa polarização é um problema para o processo de retomada?
Diniz: Hoje não acredito que isso seja uma dificuldade. Esse país, desde que foi redemocratizado, sempre foi governado pela esquerda. Mesmo com FHC [ex-presidente Fernando Henrique Cardoso], era considerado de esquerda e era mesmo. Nos anos 70, ele era mais à esquerda do que o Lula, que era um operário na época. Nos últimos anos, o legado da esquerda não foi tão bom ao país, causou essa recessão. Agora temos um governo de direita e esta é a postura que ele assumiu. Se isso causa um problema maior de desunião? Pode até ser que cause. Mas o importante é que esse governo tem que ser analisado pela obra que irá fazer. Se conseguir trazer mais empregos, mais qualidade de vida, e se país voltar a crescer firmemente, independentemente de ser direita ou esquerda, ele vai estar cumprindo a sua missão. Na parte econômica, tem que diminuir o tamanho do Estado, vender estatais que não têm o menor sentido estar nas mãos do Estado. O Brasil estava precisando de um choque nesse sentido. E sobre a polarização, nas discussões econômicas não há isso. As pesquisas de opinião mostram que cerca de 60% da população apoia a reforma previdenciária. As pessoas estão mais conscientes e olhando o que é bom ao país e não apenas para si mesmas. Eu gosto muito da linha liberal do Paulo Guedes, mas nunca esquecendo que o pai do liberalismo Milton Friedman disse que o liberalismo é fantástico, mas em tempos de crise, somos todos keynesianos.
Valor: Quase dez anos após as suas primeiras articulações para um acordo entre GPA e Carrefour, o mercado volta a especular sobre uma negociação entre Casino e Carrefour. Como o sr. se sente, com o seu projeto voltando a ser mencionado como uma saída para o rival, cuja holding está em regime de proteção contra credores?
Diniz: Eu estive com o Casino por 13 anos e foram 10 anos maravilhosos, muito bons, e três anos de brigas e dificuldades. Eu esqueço dos momentos ruins e penso só nos bons. É uma pena que isso esteja acontecendo. Não estou vibrando nem um pouco com isso que ele [Naouri, presidente do Casino] está passando. É uma pena, espero que se recupere de um jeito ou de outro. Essa questão de juntar as empresas não é uma questão minha. É algo que se um dia existir pode ser que eu seja ouvido por estar no conselho [de administração do Carrefour].
Valor: O sr. não se motivaria mais por um acordo?
Diniz: Não. Aquele negócio, essa coisa de que foi [algo] que meu pai fundou já passou. Hoje estou olhando o agora, o dia de hoje, a Península é o meu momento de vida atual. O meu momento de vida, aos 82 anos, é outro, de curtir o que faço aqui. E não sei se uma operação grande é o que mais motiva meu time ou se o que motiva é ter várias pequenas operações como estamos fazendo. E isso vale para mim também. Eu não tenho mais motivação para esse tipo de negócio. Eu tenho filhos pequenos, e eu tenho que dar o máximo para eles agora, porque quando estiverem adultos não vou estar mais com eles. E hoje as decisões nesse campo passam pela França.
Valor: Existe hoje uma discussão para um fusão entre as empresas?
Diniz: Que eu saiba não. Essas coisas não foram trazidas ou discutidas no conselho de administração.
Valor: O Carrefour no mundo dá alguns sinais de recuperação, mas há analistas que dizem que os resultados da atual reestruturação tem demorado a aparecer...
Diniz: O último gestor [Georges Plassat, principal executivo até 2017] foi um desastre. A transformação está andando. Mas num país como a França, que não cresce e com sindicatos fortíssimos, é difícil fazer alguma coisa. Temos a Bélgica, mas também é um mercado muito complicado. Na Espanha crescíamos mais, agora já estamos com dificuldade. De qualquer forma, as metas que Alexandre Bompard [CEO global do Carrefour] definiu, de € 2 bilhões de corte de custos até 2022, ele já fez mais da metade disso. O plano está andando bem. O que não se está conseguindo ainda é uma grande performance em vendas por conta dos hipermercados. Então há dificuldades, mas eu acredito firmemente que daremos um salto.
Valor: O sr. vendeu R$ 805 milhões em ações do Carrefour Brasil no fim de 2018. Vê espaço para nova venda? Ela poderia ocorrer por meio de uma oferta subsequente de ações no país ("follow on")?
Diniz: Esquece, posso garantir que não é verdade isso de "follow on". Não estamos sem dinheiro. Sobre venda de minha participação no Carrefour Brasil, no fim do ano completaremos cinco anos de investimento na rede, e somos "private equity" aqui. Na França é diferente, somos investidores institucionais, e com sócios com a gente. É natural que um dia iremos vender um pouco mais aqui, mas não há determinação hoje.
Valor: Mas no fim do ano passado, o mercado estava volátil, com o papel se valorizando, mas ainda barato, não?
Diniz: Havia uma recuperação de preço, concluímos que a saída estava boa para o momento, mas vendemos também um pouquinho.
Valor: Como foi a construção do espaço que reúne suas memórias?
Diniz: Minha mulher Geyze e meus filhos se uniram e construíram um local com minha história, o Espaço Horizontes, na Fazenda da Toca [em Itirapina (SP)]. Foram dois anos de construção. Eu passava por ali, mas não dava muita atenção. Falaram que seria um galinheiro, mas nunca me interessei por obra. Foi uma surpresa enorme quando me mostraram. Fala de minha história nos anos 60,70, 80 até hoje, com visitação gratuita. No local há um espaço aberto para uma área da fazenda, um amplo horizonte, num sinal de quem tenho muito a fazer ainda.
Valor: O sr. visitou a China, junto com a equipe da Península. Tem buscado investimentos naquele país?
Diniz: Fomos para a China no fim de maio, levamos 24 pessoas da Península. Visitamos Alibaba, Fosun, JD, Tencent, para entender essa revolução chinesa. O que temos que copiar deles é a ideia. Sempre fui um bom copiador, não tenho vergonha disso.
Valor: Pensaram em buscar acordos ou sócios?
Diniz: Não, fomos com olhar diferente, de aprendizado.
ESTADÃO
Câmara rejeita mudanças no texto da Previdência
A Câmara dos Deputados concluiu na noite desta quarta-feira, 7, a aprovação da proposta de reforma da Previdência em segundo turno.
Durante a sessão, que se estendeu por dez horas, os deputados rejeitaram oito destaques, propostas que tinham o objetivo de retirar pontos do texto-base, aprovado na última madrugada.
Com a aprovação pela Câmara, a reforma da Previdência será encaminhada para análise do Senado. A expectativa é que o texto já seja enviado nesta quinta-feira. o governo espera terminar a votação no Senado entre 20 e 30 de setembro.
A reforma da Previdência foi enviada ao Congresso em fevereiro deste ano e foi entregue pessoalmente pelo presidente Jair Bolsonaro ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).
A proposta é defendida pelo governo como uma das principais formas de recuperar as contas públicas.
O texto aprovado institui idade mínima para os trabalhadores se aposentarem: 65 anos para homens e 62 anos para mulheres. Também fixa como tempo mínimo de contribuição 15 anos (para mulheres) e 20 anos (para homens) para os trabalhadores do setor privado. Para os homens que já estão no mercado de trabalho, será possível se aposentar com 15 anos de tempo mínimo de contribuição.
No funcionalismo público, o tempo mínimo de contribuição é de 25 anos para homens e mulheres.
Não houve alteração nas regras atuais para a aposentadoria rural: idade mínima de 55 anos para mulheres e 60 anos para homens que trabalham na área rural, com 15 anos de tempo mínimo e contribuição.
As idades mínimas para professores e policiais são diferentes. A reforma fixa em 57 anos para professoras e 60 para professores. E em 55 anos para homens e mulheres policiais federais, legislativos, civis do DF e agentes penitenciários poderem se aposentar.
Hoje é possível se aposentar por idade – aos 60 anos (mulheres) e 65 anos (homens), com contribuição mínima de 15 anos – ou por tempo de contribuição, sem idade mínima, mas com contribuição de pelo menos 30 anos (mulheres) e 35 anos (homens). Com a reforma, a aposentadoria por tempo acaba e todos terão de cumprir alguma idade mínima para migrar à inatividade.
Os novos critérios valerão para quem ingressar no mercado de trabalho após a promulgação das regras previstas na reforma. Quem já trabalha e contribui para o INSS ou o setor público, por sua vez, poderá escolher a que mais lhe beneficiar entre cinco regras de transição disponíveis.
Pelo texto aprovado pela Câmara, as novas regras não valerão para os servidores estaduais e dos municípios com regime próprio de Previdência. Um acordo está sendo costurado para incluir Estados e municípios no Senado, em uma proposta paralela.
Mudanças rejeitadas
Os deputados rejeitaram nesta quarta-feira as oito sugestões de alterações ao texto-base que foi aprovado na madrugada. Somados, os chamados destaques poderiam representar uma desidratação de, pelo menos, R$ 411 bilhões à economia prevista de R$ 933,5 bilhões em dez anos com o endurecimento das regras previdenciárias. Como todos foram rejeitados, a economia esperada permaneceu a mesma.
Veja os pontos que os deputados rejeitaram:
Contribuições abaixo do piso
O PT queria retirar o dispositivo que desconsidera, para contagem do tempo de contribuição para a Previdência, contribuições abaixo do piso mínimo de cada categoria.
Pensão por morte
O PCdoB propôs retirar do texto o dispositivo que prevê que a pensão por morte terá o valor de um salário mínimo quando for a única fonte de renda formal obtida pelo dependente.
BPC
O PT apesentou destaque para retirar o trecho que insere na Constituição a previsão de que somente idosos e pessoas com deficiência em famílias com renda familiar per capita inferior a 1/4 do salário mínimo terão direito ao Benefício de Prestação Continuada (BCP). Esse requisito já existe em lei e pode ser modificado por projeto. Se for inserido na Constituição, será necessária uma PEC para modificá-lo.
Transição
O Novo queria retirar uma das modalidades de transição para quem já está no mercado de trabalho. A regra questionada pelo partido vale para servidores públicos e para trabalhadores da iniciativa privada e estabelece idade mínima de 57 anos para mulheres e para homens; além de tempo de contribuição de 30 anos para mulheres e de 35 anos para homens. Nesta modalidade, o pedágio é de 100%.
Pedágio
O PDT pretendia mexer na regra de transição válida para trabalhadores da iniciativa privada e do serviço público. A intenção do partido era retirar o pedágio (quanto tempo precisa trabalhar a mais) de 100% a ser pago pelos trabalhadores que pretendem se aposentar aos 57 (mulheres) / 60 (homens), com 30 anos de contribuição (mulheres) / 35 anos de contribuição (homens).
Servidores públicos
O PSB queria alterar as regras para a aposentadoria dos servidores públicos que, durante a atividade profissional, ficaram expostos a agentes químicos e biológicos prejudiciais à saúde. Para este grupo, a regra do relator prevê a concessão de aposentadoria quando a soma da idade do contribuinte com seu tempo de contribuição, além do tempo de exposição ao agente nocivo forem 66 pontos e 15 anos de exposição; 76 pontos e 20 anos de exposição; e 86 pontos e 25 anos de exposição.
O PSB pretendia retirar a regra que estabelece que, a partir de 2020, estas pontuações serão ampliadas em um ponto a cada ano, para homens e mulheres, até atingirem 81 pontos, 91 pontos e 96 pontos. Com isso, a pontuação fica estagnada ao longo dos anos.
Abono Salarial
O PSOL propôs realizar mudanças nas regras do abono salarial previstas no texto. O partido queria retirar o ponto que estabelece que empregados de baixa renda (que ganham até R$ 1.364,43) cujas empresas contribuíram para o PIS/Pasep têm direito ao “pagamento anual de abono salarial em valor de até um salário mínimo”. A intenção era manter a redação atual da Constituição, que prevê o pagamento do benefício para trabalhadores que ganham até dois salários mínimos (R$ 1996).
Tempo de contribuição
O PT queria retirar do texto a regra de cálculo do valor do benefício de 60% da média aritmética com acréscimo de 2 pontos porcentuais do tempo de contribuição que exceder o período de 20 anos de contribuição, para aposentados pelos regime geral e próprio de Previdência. Com isso, queria manter a regra atual de cálculo, que considera a média de 80% dos maiores salários.
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O SINDUSCON/RN tem o compromisso com a satisfação do cliente - a comunidade da construção civil do Rio Grande do Norte - representada por seus associados - priorizando a transparência na sua relação com a sociedade, atendimento aos requisitos, a responsabilidade socioeconômica, a preservação do meio ambiente e a melhoria contínua.