Novo marco do saneamento pode gerar onda de privatizações de empresas que valem R$ 140 bilhões
O novo marco regulatório do saneamento tem como maior objetivo ampliar o acesso da população aos serviços de água e esgoto, e a lei dá o caminho para que haja uma onda de privatizações de empresas estatais. Juntas, as 22 estatais valem, hoje, R$ 140 bilhões, segundo o Ministério da Economia.
O texto-base foi aprovado nesta quarta-feira, 11, pelo plenário da Câmara e deve seguir para o Senado assim que for concluída a votação dos chamados destaques (sugestões de alterações).
Para o governo, a meta de universalização desses serviços básicos até 2033 não será cumprida sem participação privada – hoje, presente em apenas 6% das cidades brasileiras.
Atualmente, pouco mais de um terço dos brasileiros vive em domicílios sem coleta de esgoto e 15% da população não é atendida com abastecimento de água. A estimativa é que a universalização demande investimentos de R$ 600 bilhões a R$ 700 bilhões.
O novo marco também é uma tentativa de organizar um setor que tem regulação fragmentada. A titularidade dos serviços de saneamento é dos municípios. A maioria das empresas públicas que atuam na área pertence aos governos estaduais. Há pelo menos 52 entidades reguladoras que cobrem os serviços de saneamento em cerca de três mil cidades, mas 48% dos municípios não possuem nenhum tipo de regulação.
Já o financiamento dos investimentos é federal, dominado pelos bancos públicos Caixa e BNDES, com prazos de até 34 anos e garantias asseguradas pelos próprios ativos ou recebíveis.
Com o novo marco regulatório, os Estados poderão privatizar suas estatais de forma facilitada. A legislação atual impõe uma série de barreiras para que essas companhias passem por um processo de desestatização, e a principal delas é a extinção automática dos contratos de prestação de serviço vigentes quando há perda do controle acionário.
O novo marco possibilita que os contratos em vigor continuem a valer – o que eleva o valor de mercado das companhias. Hoje, apenas três empresas têm capital aberto na bolsa – Copasa (MG), Sanepar (PR) e Sabesp (SP). Em todos os casos, para não perder os contratos, os governos venderam fatias, mas mantiveram o controle das empresas. Pela nova lei, se quiserem, os Estados poderão vender 100% de suas ações.
Em crise, os Estados têm tido dificuldades para pagar o funcionalismo público, o que têm reduzido o volume de investimentos necessários para ampliar a cobertura dos serviços de saneamento. E as ineficiências do setor público têm prevalecido. Em 2017, por exemplo, mais da metade (51,2%) da receita dessas empresas foi utilizada para pagar salários, enquanto os investimentos foram apenas 16,6% do total.
Com o novo marco, quando decidirem “delegar” o serviço de saneamento ou quando o contrato com uma estatal estadual vencer, o município deverá, obrigatoriamente, realizar uma licitação para contratar uma empresa para fornecer o serviço de água e esgoto. Pela legislação atual, a maioria (70%) fecha contratos diretamente com as estatais estaduais, sem licitação.
Com a concorrência pública, poderão se candidatar para prestar o serviço em um município ou em um conjunto deles, além da estatal estadual, empresas privadas que já atuam no setor e novas companhias que se interessarem em entrar no mercado. A presença de grandes empresas como a BRK Ambiental, Aegea e GS Inima no País é prova disso. Hoje, o setor privado já atua nos poucos municípios que fizeram licitações.
Diversos aspectos favorecem a entrada do setor privado no saneamento básico. Além da obrigação dos municípios de realizar licitação, o momento econômico que o País vive, com queda da taxa básica de juros em 4,5% ao ano, favorece a entrada do setor privado nesse tipo de investimento. A taxa interna de retorno do saneamento é de 9,5% ao ano, o que desmonta alegações de que o setor é economicamente inviável e demanda a presença de empresas públicas.
Tarifas
O texto também institui a Agência Nacional de Águas (ANA) como órgão formulador de diretrizes regulatórias para o setor, inclusive com a metodologia para definição das tarifas pagas pelos consumidores. A ideia é centralizar na ANA a edição de “normas de referência” para serem adotadas pelas agências reguladoras estaduais, municipais e empresas do setor.
No Congresso, a discussão sobre privatizações sempre é polêmica, principalmente devido à resistência política de governadores e ao temor de aumento das tarifas para consumidores. A preocupação, no entanto, não encontra respaldo em indicadores. As tarifas das empresas privadas são também muito semelhantes às cobradas pelas estatais, segundo a associação do setor, a Abcon - R$ 3,75 por metro cúbico nas privadas e R$ 3,64 por metro cúbico nas estatais.
Outro estudo do Ministério da Economia divulgado mostrou que, entre 2010 e 2017, 15 das 25 empresas estaduais de saneamento aumentaram as tarifas acima da inflação, mas realizaram investimentos médios de R$ 7,4 bilhões por ano - abaixo dos R$ 20 bilhões anuais mínimos estipulados pelo Plano Nacional de Saneamento Básico.
Copom corta Selic de 5% para 4,5%
O Comitê de Política Monetária (Copom) cortou nesta quarta-feira a taxa básica de juros de 5% ao ano para 4,5%, em linha com a expectativa dos economistas de mercado. Foi a quarta queda consecutiva, levando a Selic para nova mínima histórica. No comunicado que anunciou a decisão, divulgado hoje, o Banco Central (BC) destaca que os “dados de atividade econômica a partir do segundo trimestre indicam que o processo de recuperação da economia brasileira ganhou tração, em relação ao observado até o primeiro trimestre de 2019. O cenário do Copom supõe que essa recuperação seguirá em ritmo gradual”, diz o comunicado.
“O Comitê avalia que diversas medidas de inflação subjacente encontram-se em níveis confortáveis, inclusive os componentes mais sensíveis ao ciclo econômico e à política monetária”, diz o comunicado. Na reunião anterior, o Copom havia cortado a Selic de 5,5% para 5%. A taxa básica vem testando mínimas históricas desde o fim de 2017, quando atingiu 7%. Até então, o menor patamar desde o início do regime de metas de inflação, implantado em 1999, havia sido atingido em 2012 e 2013, quando a Selic ficou em 7,25%.
Na semana passada, entre 75 instituições consultadas pelo Valor, 72 calculavam corte de 0,5 ponto percentual da Selic, para 4,5% ao ano. Outras três casas esperavam corte de 0,25 ponto. O colegiado volta a se reunir nos dias 4 e 5 de fevereiro de 2020.
Cautela O Copom afirmou que “o atual estágio do ciclo econômico recomenda cautela na condução da política monetária”. O colegiado também destaca que “seus próximos passos continuarão dependendo da evolução da atividade econômica, do balanço de riscos e das projeções e expectativas de inflação”.
No comunicado, o Copom afirma que decidiu por unanimidade cortar a taxa básica de juros para 4,5%. “O Comitê entende que essa decisão reflete seu cenário básico e balanço de riscos para a inflação prospectiva e é compatível com a convergência da inflação para a meta no horizonte relevante para a condução da política monetária, que inclui o ano-calendário de 2020 e, em grau menor, o de 2021”, diz.
Além disso, reforça que a conjuntura econômica prescreve política monetária estimulativa. O colegiado também afirma que o processo de reformas e ajustes na economia brasileira tem avançado. No entanto, enfatiza “que perseverar nesse processo é essencial para permitir a consolidação da queda da taxa de juros estrutural e para a recuperação sustentável da economia”.
“O comitê ressalta ainda que a percepção de continuidade da agenda de reformas afeta as expectativas e projeções macroeconômicas correntes”, diz. Retomada Os dados da atividade econômica indicam que a economia ganhou força a partir do segundo trimestre, na avaliação do Copom. “Dados de atividade econômica a partir do segundo trimestre indicam que o processo de recuperação da economia brasileira ganhou tração, em relação ao observado até o primeiro trimestre de 2019”, diz o colegiado.
Na avaliação do Copom a “recuperação seguirá em ritmo gradual”. Em relação ao setor externo, o Copom afirma que o ambiente é “relativamente favorável”. “No cenário externo, a provisão de estímulos monetários nas principais economias, em contexto de desaceleração econômica e de inflação abaixo das metas, tem sido capaz de produzir ambiente para economias emergentes”, diz. Por fim, afirma que em diversas medidas de inflação subjacente, “os componentes mais sensíveis ao ciclo econômico e à política monetária”, estão em níveis “confortáveis”.
Economistas divergem sobre novos cortes de juro
Como é típico nos períodos de fim de ciclo de política monetária, economistas do mercado financeiro já mostram uma clara divisão a respeito de quais devem ser os próximos passos do Banco Central. As projeções para a inflação, abaixo da meta para o próximo ano, dão argumento para estimativas de mais um ou dois cortes do juro, que poderia chegar a 4% nas estimativas mais ousadas.
Mas, diante de uma visão mais positiva sobre a recuperação da atividade, expressada pelo comunicado, já há quem considere que a temporada de queda de juros, iniciada em outubro de 2016, foi encerrada na reunião desta quarta. “As projeções numéricas sugerem espaço para mais cortes, mas a narrativa do Copom, com destaque para a indicação de recuperação da economia, mostra cautela”, resume o economista-chefe da gestora Blue Line, Fabio Akira.
Ele mantém seu cenário de mais um corte da Selic na reunião de fevereiro, de 0,25 ponto. No comunicado, a projeção para o IPCA em 2020, o horizonte relevante para a política monetária, está em 3,70% no cenário híbrido e em 3,50% no cenário de mercado. “Isso, mesmo com a aceleração da inflação corrente, que preocupou o mercado, e o câmbio mais alto”, diz Akira. “As expectativas ancoradas e a ociosidade da economia sugerem espaço para corte de juros.”
Ao mesmo tempo, alerta o economista, o Banco Central demonstrou confiança na recuperação da economia que, segundo o comunicado, “ganhou tração”. Além disso, diz que o risco de uma recessão global caiu. Esses elementos devem fazer com que o BC aja com mais cautela na condução da política monetária e reduza o ritmo de corte de juros em fevereiro, diz.
O economista-chefe da Porto Seguro Investimentos, José Pena, destaca que, além de reforçar a ideia de que a economia tem ganhado tração, o comunicado deixa de mencionar que a inflação tem andado abaixo da meta — o que gera uma “inércia benigna” para o ano seguinte — e reforça suas incertezas sobre o canais de transmissão da política monetária num ambiente já estimulativo.
Por outro, o texto retira, do parágrafo que trata do balanço de riscos, as incertezas relacionadas à agenda de reformas. Ao mesmo tempo, mostra que as projeções para a inflação tanto no cenário Focus quanto no híbrido ainda estão rodando abaixo da meta de 4% para 2020.
“A minha impressão é que esse comunicado não mudou a cabeça de ninguém. Quem achava que essa era a última redução do ciclo vai manter sua posição. Do outro lado, quem vê espaço para cortes adicionais, também terá argumento”, diz Pena, que mantém a expectativa de que o Copom irá promover um corte adicional de 0,25 ponto antes de encerrar o ciclo, em fevereiro.
Para o economista-chefe da ACE Capital Ricardo Denadai, as projeções de inflação dão força à expectativa de novos cortes de juros. O especialista já trabalhava com um cenário de mais dois cortes de 0,25 ponto percentual da Selic, o que levaria o juro para 4%. “E ficamos mais animados com essa projeção depois do comunicado”, afirma.
A expectativa da ACE é que, após esses novos cortes, a Selic deve permanecer inalterada ao longo de todo o ano de 2020. “Toda a alta de inflação foi tratada como choques temporários, que não vão contaminar a inflação futura”, explica. “Pode até ter sido positivo que esses choques tenham ocorrido agora, quando há espaço.”
Para Denadai, há dois elementos importantes que sustentam as expectativas de inflação ancoradas. Uma é a grande ociosidade da economia que, para ele, está corretamente refletida nos modelos do BC. Outra é o ambiente de expectativas fiscais ancoradas. “Estamos aprendendo como a ancoragem fiscal é muito relevante para que se tenha um juro neutro muito mais baixo”, explica.
Já o economista sênior do banco MUFG no Brasil, Carlos Pedroso, enxerga na ausência de menções a possíveis novos ajustes sinais de que o ciclo de cortes da Selic pode ter se encerrado nesta reunião. Para o profissional, isso acontece mesmo que o texto tenha ressaltado aspectos que indicam uma inflação ainda controlada, como nas projeções rodando abaixo da meta e o cenário externo benigno para emergentes.
O economista ressalta que essa decisão será feita com base nos dados que sairão até fevereiro e isso explica a divisão do mercado entre os que achavam que há espaço para novos cortes e os que entendem que o final do ciclo já chegou deve se manter nesse curto prazo. O MUFG se mantém no segundo grupo, continua, por ter uma perspectiva mais otimista que a média do mercado para a retomada do crescimento.
O banco acredita que o PIB crescerá 2,8% em 2020. Por causa das pressões inflacionárias de curto prazo e sinais “inequívocos” de que a atividade econômica está acelerando, o Citi alterou seu cenário para a Selic e agora trabalha com estabilidade do juro em 4,5%. Antes, a instituição esperava um corte de 0,5 ponto.
Em relatório, o banco americano diz que o comitê deixou a porta aberta para novos cortes ao não indicar explicitamente uma pausa, bem como condicionar as próximas decisões ao andamento dos dados econômicos. O fato de que as projeções de inflação continuam rodando abaixo da meta em todos os cenários apresentados, inclusive, “pode explicar por que o Copom optou por não explicitar uma pausa daqui para frente”, diz o texto.
‘Não chegamos no fim do ciclo’, diz Kawall
Um dos principais economistas do país, Carlos Kawall estava disposto a revisar suas estimativas para a queda da Selic em 2020 até que foi surpreendido pelas novas projeções do Banco Central para a inflação. O risco, na sua avaliação, era de que a autoridade monetária elevasse suas estimativas para o IPCA, adotando uma postura ainda mais conservadora que a do mercado.
No entanto, a autoridade se alinhou à visão dos analistas e manteve a leitura de que a inflação seguirá com alguma distância da meta, de 4% no próximo ano. “Esse quadro sugere que tem espaço para a Selic cair mais, inclusive abaixo de 4,25%, que é o consenso no mercado”, afirma Kawall, que acaba de assumir o cargo de diretor de pesquisa econômica do ASA Bank, novo banco de Alberto Safra.
Ex-secretário do Tesouro, Kawall afirma que o salto nos preços de carnes e o avanço do dólar são choques transitórios na inflação. Dessa forma, o quadro ainda é benigno, inclusive do ponto de vista do cenário internacional, o que afasta o risco de uma alta de juros em 2020. Novas projeções de inflação sugerem que tem espaço para a Selic cair mais, inclusive abaixo de 4,25%”
“O juro deve ficar num nível um pouco mais baixo e a normalização só vai ocorrer em 2021. Vai chegar um momento em que essa vai ser a grande pergunta [o timing de normalização], mas não chegamos no fim do ciclo. As pessoas estão se precipitando em colocar uma alta já no ano que vem. Ainda está cedo”, afirma.
Valor: Qual foi a grande novidade do comunicado do Copom?
Carlos Kawall: A grande surpresa foram as projeções de inflação, que vieram muito baixas. Mesmo com o dólar a R$ 4,20 e a Selic caindo para 4,25% durante boa parte do ano, o cenário híbrido manteve a projeção em 3,7%. Já no cenário de mercado, foi para 3,5%. A gente, por exemplo, imaginava que o cenário de mercado traria estimativa de 3,8% e o híbrido teria projeção de 4%. Muita gente estava falando de 3,9% e 4% em 2020, mas veio com um número muito baixo, tendo em vista que a meta de inflação é de 4% para o ano que vem.
Valor: O que as novas projeções sugerem para o rumo da Selic?
Kawall: Esse quadro sugere que tem espaço para a Selic cair mais, inclusive abaixo de 4,25%, que é o consenso no mercado. Eu já tinha a expectativa de que cairia para 4% em 2020, mas tenderia a mudar para 4,25% caso as expectativas para as projeções de inflação nos modelos do Banco Central tivessem sido confirmadas. Todo esse quadro sugere que, mantidas as condições atuais, a Selic cai para 4,25% em fevereiro e pode ir para 4% em seguida. Essa expectativa sai fortalecida. Faz sentido reduzir o ritmo e dar passos menores visto que a taxa está muito baixa. Eu faria a mesma coisa.
Valor: O que pode ter jogado as projeções para baixo?
Kawall: Tem uma hipótese de que a mudança está concentrada em preços de administrados. Muita gente está trabalhando com número de energia elétrica muito baixo, próximo de zero, no ano que vem. Se o Copom tinha um número alto e revisou nessa direção, faz muita diferença. Isso só saberemos na semana que vem, com a divulgação da ata da reunião. Mas vale dizer que, apesar da surpresa, as projeções do Banco Central agora estão muito próximas das estimativas no mercado. A Focus tem 3,6% de inflação no ano que vem. Ninguém tinha elevado estimativa para 2020 mesmo com o choque nos preços de carnes e o dólar alto. O Banco Central surpreende, mas a projeção agora está mais alinhada.
Valor: Mas o Copom também reiterou que o momento atual exige cautela...
Kawall: O Copom manteve a cautela e retirou o risco de a inércia da inflação de curto prazo jogar a inflação ainda mais para baixo. Isso parece inteiramente justificado pela pressão nos preços das carnes, que acaba afetando os índices de inflação de novembro e dezembro. Não faz sentido falar de inércia baixista de inflação no curto prazo. Além disso, retirou o trecho que fala de novos ajustes e fala só de cautela. Essa leitura pura e simples poderia induzir uma leitura mais ‘hawk’ [favorável a juro alto], mas não dá para dizer isso com projeções de inflação tão baixas. Cautela existe porque o patamar do juro está muito mais baixo e a expectativa de retomada da economia está sendo confirmada, mas os núcleos de inflação estão confortáveis a ponto de projetar inflação de 3,7% em 2020.
Valor: Com os ajustes no comunicado, o Copom deixa qual mensagem sobre os próximos passos?
Kawall: É um Banco Central confortável com o quadro de inflação, o cenário externo, e seguro com a condução da política monetária. Agora, vai esperar até fevereiro para decidir se faz ajustes adicionais de 0,25 ponto percentual na Selic. Inclusive, a decisão no Brasil coincidiu com a reunião do Federal Reserve [o banco central americano], que não projetou altas de juros em 2020 e está pronto a agir se riscos se materializarem. É um ambiente benigno nesse contexto lá de fora. Quanto à inflação, houve choques de preço da carne - e como diz o próprio nome são apenas choques - e uma pressão no câmbio, em boa medida causada por um elemento até esdrúxulo, que foi o erro nos dados de exportação. Mas os núcleos de inflação estão muito confortáveis.
Valor: Qual a sua perspectiva para uma normalização da política monetária?
Kawall: O juro deve ficar num nível um pouco mais baixo e a normalização só vai ocorrer em 2021. Vai chegar um momento que essa vai ser a grande pergunta, mas não chegamos no fim do ciclo. As pessoas estão se precipitando em colocar uma alta já no ano que vem. Ainda está cedo. Para mim, a alta ocorre em 2021 e não necessariamente de forma rápida. O hiato [diferença entre nível do PIB e seu potencial] está muito aberto. Estamos sendo surpreendidos com a dinâmica de inflação. Para se ter uma ideia, no fim de 2018, havia expectativa de que a Selic terminaria o ano em 7%. Estamos com juro de 4,5%.
Valor: Mas os dados de atividade, pelo menos na margem, estão mostrando uma melhora. O hiato não está fechando?
Kawall: Estamos crescendo acima do potencial e o hiato está fechando, mas ele ainda é muito grande. Tem uma nova realidade de mercado de trabalho mais flexível. Ainda tem bastante ociosidade. Não acredito que uma economia que caiu 7% e agora está crescendo 2% vai ter pressão inflacionária. Isso é bem mais para frente.
Valor: Quais as similaridades entre o momento atual e o fim do ciclo de afrouxamento em 2018 na gestão de Ilan Goldfajn?
Kawall: A situação agora é muito mais confortável. Na época, o Ilan enfrentava a incerteza com a eleição e a reforma da Previdência. Hoje, passou eleição, a reforma foi aprovada e tem um cenário político mais estabilizado com menos incerteza. Ali, a política monetária foi até onde a situação permitia. Agora é um momento muito melhor.
Copom prevê inflação maior este ano, mas cenário comportado em 20/21
O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central indicou hoje que projeta inflação mais alta em 2019, mas ainda bem comportada em 2020 e 2021. A instituição atualizou suas estimativas para os anos de 2019, 2020 e 2021, mantendoas aquém dos alvos de 4,25%, 4% e 3,75% respectivamente.
De acordo com o comunicado divulgado com o anúncio da decisão de cortar em 0,5 ponto porcentual a Selic, para 4,5% ao ano, as projeções de inflação no cenário com câmbio e juros da Pesquisa Focus saíram de 3,4% para 4% em 2019, mas caíram de 3,6% para 3,5% em 2020.
A instituição ajustou a estimativa de inflação em 2021 de 3,5% para 3,4%. Esse cenário supõe trajetória de juros que encerra 2019 em 4,50% ao ano, reduz-se para 4,25% no início de 2020, encerra o ano em 4,50% e se eleva até 6,25% em 2021. Também supõe trajetória para a taxa de câmbio que termina 2019 em R$ 4,15 por dólar, 2020 em R$ 4,10 e 2021 em R$ 4,00. O comunicado divulgou ainda um cenário híbrido, em que é feita a projeção utilizando o câmbio constante de R$ 4,20 e a trajetória de juros da Focus. Neste caso, o IPCA projetado saiu de 3,4% para 4% em 2019 e foi mantida em 3,7% para 2020. Para 2021, saiu de 3,6% para 3,7%.
Riscos inflacionários O Copom excluiu do seu balanço de riscos a possibilidade de propagação da inflação corrente muito baixa e passou a mencionar que transformações na intermediação financeira adicionam incerteza sobre a transmissão da política monetária.
O colegiado reafirma, em comunicado, que o cenário básico para a inflação tem riscos nas duas direções, que podem fazer tanto os índices de preços superarem as projeções do Copom como ficarem abaixo delas.
Entre os riscos baixistas para a inflação, o Copom cita que “o nível de ociosidade elevado pode continuar produzindo trajetória prospectiva abaixo do esperado” Até o encontro passado, de outubro, mencionava também “a potencial propagação a da inflação corrente, por mecanismos inerciais”, poderia contribuir para trajetória prospectiva abaixo do esperado.
Do lado dos riscos negativos, que podem produzir uma inflação mais alta do que a projetada, o Copom voltou a citar três fatores: incertezas sobre a transmissão da política monetária, eventual deterioração do cenário externo e eventual frustração na aprovação das reformas econômicas.
“O atual grau de estímulo monetário, que atua com defasagens sobre a economia, em um contexto de transformações na intermediação financeira, aumenta a incerteza sobre os canais de transmissão e pode elevar a trajetória da inflação no horizonte relevante para a política monetária”, diz o comunicado. Esse trecho é quase igual ao comunicado anterior, de outubro.
A novidade foi mencionar “um contexto de transformações na intermediação financeira”. Em outubro, essas transformações haviam sido mencionadas apenas por alguns membros do colegiado, que apontaram transformações do mercado de crédito, com menos participação do crédito direcionado e maior protagonismo do mercado de capitais.
O Copom voltou a afirmar que o risco da transmissão da política monetária se intensifica no caso de “deterioração do cenário externo para economias emergentes ou eventual frustração em relação à continuidade das reformas e à perseverança nos ajustes necessários na economia brasileira”.
Economistas contestam cálculo de “PIB do governo” feito pela SPE
Alguns economistas estão contestando a análise divulgada pelo governo de que o Brasil entrou definitivamente em um modelo no qual o Produto Interno Bruto (PIB) é puxado pelo setor privado, e não pelo governo. A equipe econômica está usando dados do PIB pelo lado da demanda, basicamente os números do consumo do governo e uma decomposição do investimento para corroborar sua tese, mas o método foi alvo de críticas inclusive de quem é ideologicamente próximo do atual time, como o professor da UnB Roberto Ellery.
Segundo ele, o PIB pelo lado da demanda, que inclui o consumo do governo, expressa para onde a produção está indo, não o que efetivamente está sendo produzido. Uma análise mais correta, para ele, seria o governo dissecar as contas nacionais pela ótica da produção, antes de fazer tal análise. “Está se fazendo um carnaval que não diz nada, uma propaganda vazia. Não tem nada de anormal em uma contração do consumo do governo”, disse ao Valor.
“Ainda é muito cedo para dizer que o modelo mudou. É muita euforia para um número deslocado”, acrescentou, embora reconheça que esteja havendo esforço de contração fiscal. Em postagem no seu blog, o economista, que chegou a colaborar com o time econômico da campanha bolsonarista, disse estar incomodado com o argumento utilizado. “De saída o argumento implica que é a demanda que puxa o PIB, uma tese mais próxima da abordagem keynesiana do que da abordagem de Chicago, em que é a oferta que puxa a demanda”, apontou.
“Um segundo problema é a confusão entre consumo do governo e tamanho do governo. Nem todo gasto do governo é consumo do governo. Por exemplo, o PIB é calculado como a soma do valor agregado e os impostos (entram apenas os impostos não incluídos no valor da produção e são excluídos os subsídios). Neste ano, o valor agregado, que corresponde a cerca de 86% do PIB, aumentou 0,9% e os impostos aumentaram 1,3%”.
Ele disse não ser novidade que o crescimento do consumo do governo seja menor que o das famílias, fato que ocorreu em 15 dos últimos 23 anos. “O atual governo tem feito um esforço considerável para implementar uma agenda de reformas que aumente o papel do setor privado na produção e no investimento. Os frutos desse esforço ainda vão demorar um bocado para aparecer. Entendo que exista uma tentação para mostrar resultados, mas é preciso tomar cuidado”, disse.
“O que os números das contas nacionais mostram, quando muito, é que o governo está consumindo uma fatia menor do bolo”, afirmou. O professor da Universidade Federal do ABC e pesquisador da FGV, Guilherme Magacho, avalia que é preciso considerar que, dentro dos dados do setor privado, há elementos públicos, como no consumo das famílias, no qual parte é feita com dinheiro de transferências (como o Bolsa Família), ou no investimento, em que concessões são feitas com dinheiro privado, mas por demanda pública.
Ele aponta ainda que a análise do governo também desconsidera as interações entre o tipo de gasto público e o desenvolvimento privado. Segundo o economista, os investimentos governamentais, por exemplo, têm impacto positivo sobre as empresas. “Se o investimento público vai para baixo e é insuficiente para compensar a depreciação dos ativos, isso eleva custos logísticos, energéticos e outros que afetam negativamente o setor privado”, comenta.
Um outro economista, que pediu anonimato, avalia que há uma postura excessivamente ideológica no estudo da Secretaria de Política Econômica. “A queda do consumo do governo significa basicamente que está havendo menor prestação de serviço em saúde e educação. Não é exatamente quanto o governo gasta, que gasta com outras coisas, como Previdência, que afeta o consumo das famílias. O governo está fazendo uma discussão ideológica e, nesses termos, inútil”, segundo ele.
O subsecretário de Política Macroeconômica do Ministério da Economia, Vladimir Teles, rebate as críticas. Ele destaca que a conta do governo é uma maneira simplificada de traduzir algo que está acontecendo a partir de uma série de medidas do governo, como a redução do gasto federal em 0,5% ao ano, e redução de crédito direcionado. “Isso significa retração do setor público”, aponta, lembrando que o PIB do lado da demanda é igual ao PIB do lado da oferta.
Segundo Teles, mais importante que a queda do “PIB do governo” seria a constatação de que houve uma “quebra estrutural” da relação entre o setor público e privado. O economista do governo destaca que, até este ano, a série apontava uma forte correlação entre o PIB público e o privado. Agora, ressalta, há uma queda no PIB do governo acompanhada de alta do setor privado.
Teles acrescenta que um aumento do consumo é esperado também quando há choques de oferta, em decorrência do aumento da renda das pessoas. “Se houvesse um choque de demanda, estaríamos vendo alta da inflação”, diz ele, acrescentando que até as expectativas inflacionárias de dez anos estão em queda.
S&P coloca rating do Brasil em perspectiva positiva
A agência de classificação de risco S&P Global mudou a perspectiva para a nota de crédito do Brasil de neutra para positiva citando avanços na área fiscal. A S&P reafirmou o rating de longo prazo do país em “BB-“ e o de curto prazo em “B”.
Segundo a agência, o governo brasileiro continua implementando medidas de consolidação fiscal visando reduzir o déficit fiscal. “Isso, juntamente com taxas de juros mais baixas e implementação gradual da agenda de reformas, deve contribuir para um crescimento e fortalecimento mais fortes das perspectivas de investimento nos próximos três anos, bem como uma gradual melhora nos resultados fiscais”, informa a agência no comunicado.
A S&P destaca que a perspectiva positiva reflete a possibilidade de atualização do rating nos próximos dois anos se houver mais progresso na agenda fiscal e de crescimento que permita uma redução mais rápida do déficit fiscal e da estabilização da dinâmica da dívida. “Também poderíamos melhorar a avaliação do Brasil se a dinâmica real de crescimento do PIB começar a ficar comparativamente mais favorável em relação aos pares com um nível semelhante de desenvolvimento econômico”, informa a agência.
Finalmente, a agência afirma que poderá elevar os ratings, mesmo contra suas expectativas, se o país fortalecer ainda mais seu perfil externo, apesar da volatilidade global, particularmente se “mantiver uma posição líquida de credor ainda mais favorável nos próximos dois anos”. “Alternativamente, desenvolvimentos políticos ou econômicos que reduzam a possibilidade de implementar reformas corretivas adicionais nos próximos dois anos, prejudicando as perspectivas de diminuição dos déficits do governo e da estabilização das perspectivas para a dívida, como também limitem as perspectivas de crescimento a médio prazo, nos levaria a revisar a perspectiva para estável”, afirma a S&P.
Acompanhando a Selic, bancos anunciam cortes de juros em linhas de crédito
Os grandes bancos anunciaram reduções de juros de algumas de suas principais linhas de crédito, logo depois da decisão do Banco Central de cortar a taxa básica de juros, a Selic, em 0,50 ponto percentual, de 5% para 4,50% ao ano.
O Banco do Brasil reduzirá a partir de segunda-feira, 16, por exemplo, os juros nas linhas de Crédito Automático e Renovação passam a ter taxa mínima de 2,87%, e o crediário de 3,11% ao mês. A linha de home equity terá redução de 1,34% ao mês para 1,30% ao mês, na mínima, e de 1,72% para 1,68%, na máxima. Na linha de financiamento de veículos, as taxas mensais passam a ser de 0,60% ao mês, para carros novos.
Para as empresas, a linha de desconto de títulos passa a ter juros mínimos de 1,04% ao mês, ante 1,08% anteriormente. No desconto de cheque, os juros passam de 1,27% para 1,23% ao mês. Isso nos prazos de 45 dias. O BB ainda fez alguns ajustes em suas linhas de capital de giro desde a reunião anterior do Copom, e para prazo de 720 dias, as taxas mínimas caíram de 1,47% para 1,22% ao mês. Por fim, no agronegócio, o BB afirma que conta com taxas melhores para financiar o custeio pecuário, inclusive para veículos utilitários, com juros de 0,62% ao mês.
O Itaú Unibanco repassou integralmente o corte da Selic para suas taxas de empréstimo pessoal, para pessoas físicas, e capital de giro, para empresas. Segundo o banco, os custos finais variam de acordo com o perfil do cliente, e os novos valores valem a partir da próxima terça-feira, 17.
Já o Bradesco anunciou que reduzirá os juros de suas principais linhas a partir de segunda-feira, sem especificar linhas e taxas.
A era dos juros reais perto de zero
POR MÍRIAM LEITÃO
O Banco Central reduziu os juros para 4,5%, que não é apenas a taxa mais baixa da história, é um nível nunca imaginado. Isso significa que o país está agora com uma taxa real de juros menor que 1%. A inflação tem recebido o impacto do dólar, dos combustíveis e da disparada da carne, mas apesar disso os economistas não veem risco com essa Selic tão baixa porque o IPCA ainda está abaixo do centro da meta.
O mercado já esperava a queda dos juros e estava de olho nos sinais que o BC daria para os próximos movimentos. Há quem no mercado considere que os juros ainda poderão cair no ano que vem para 4,25% ou até 4%. O professor Luiz Roberto Cunha, da PUC-RJ, acha que o melhor agora é parar e esperar. Mas ele concorda que a decisão de ontem, de reduzir para 4,5%, fazia sentido. Era o BC usando uma “janela de oportunidade”. No comunicado pós-reunião, o BC argumentou que a economia ganhou tração, mas que daqui para frente é preciso “cautela”. No mercado, houve quem achasse que a Selic pode cair mais 0,25% e quem enxergasse o fim do ciclo de cortes.
A pressão de preços neste fim de ano aumentou, mas ela está concentrada em alguns produtos apenas. O IPCA em novembro foi o maior para o mês em quatro anos, 0,51%. O grande vilão foi a carne que subiu 8%. No atacado, o IGP-M chegou a 7% de alta acumulada em 12 meses. Isso pode afetar aluguéis, ou alguns contratos, mas tudo vai depender do ritmo da atividade. Ainda há muita ociosidade na economia, dificultando o repasse. O mercado de aluguéis está deprimido, induzindo mais à negociação em torno do reajuste.
Nas últimas quatro semanas, o Boletim Focus sempre revisou para pior as projeções de inflação deste ano. Elas saíram de 3,35% para 3,86%. Mas o centro da meta é 4,25% e tudo indica que as expectativas estão “ancoradas”, como se diz. Ou seja, ninguém está esperando uma disparada dos preços como houve em 2015/2016.
Essa queda de juros para patamares nunca antes vistos tem um enorme impacto na economia. Primeiro, o custo da dívida pública cai bastante. Tem caído desde o governo Temer. Nos últimos três anos saiu de 14,25% para o nível anunciado agora, o que significa uma queda de quase 10 pontos percentuais. Isso economiza uma enormidade de juros. Segundo, tem havido uma maior oferta de crédito e em alguns segmentos, como o da pessoa física, tem aumentado muito. A ponto de ser necessário que o BC monitore para evitar a formação de bolhas. Elas são dificultadas pelo fato de que, mesmo com a Selic no nível atual, os juros bancários ainda são muito altos. Terceiro, a queda detonou um movimento de mudança de portfólio de investimento, das famílias, das empresas, dos fundos.
A queda abaixo do nível atual é que é discutível. Com esse corte, os juros reais, descontada a inflação, caem para 0,89%. Qualquer elevação de inflação, ou expectativa de alta, reduzirá esse nível e pode-se chegar a juros negativos.
O governo está precisando de uma injeção de ânimo na economia e o Copom tem providenciado o estímulo monetário, já que não dá para ter impulso fiscal com o país em déficit. Isso só dá certo se o Copom não quiser ajudar o governo a estimular o crescimento. Recentemente, perguntei ao presidente do BC, Roberto Campos Neto, o que ele considerava que era o mandato dele. Ele respondeu que era a meta da inflação e a estabilidade financeira. Se o BC achar que faz parte da equipe econômica, e se juntar ao grupo para incentivar o crescimento, vai errar na dose e não saberá usar corretamente os instrumentos de política monetária.
O economista Luiz Roberto Cunha acha arriscado reduzir mais:
— Já são juros reais abaixo de 1%. Isso tem que ser levado em consideração. A indústria financeira terá que fazer um ajuste muito grande. Seguradoras e planos de previdência, que têm reservas altas, sofrem com juros reais baixos — disse.
O Fed manteve os juros inalterados na reunião de ontem, depois de três reduções consecutivas. A política e a economia americanas são fontes de incerteza. Cunha acha que em função das eleições o presidente Donald Trump deverá atenuar a hostilidade comercial com a China, porque setores produtivos americanos têm sofrido os efeitos desse confronto. Isso pode permitir um dólar mais favorável. Ainda há muita incerteza. De certo, apenas que o Brasil, com a redução sustentada dos juros iniciada no governo Temer e mantida no atual governo, está entrando em uma nova era no mercado de crédito e poupança.
Representar e promover o desenvolvimento da construção civil do Rio Grande do Norte com sustentabilidade e responsabilidade sócio-ambiental
O SINDUSCON/RN tem o compromisso com a satisfação do cliente - a comunidade da construção civil do Rio Grande do Norte - representada por seus associados - priorizando a transparência na sua relação com a sociedade, atendimento aos requisitos, a responsabilidade socioeconômica, a preservação do meio ambiente e a melhoria contínua.