Sexta-feira

VALOR

Economia caminha para ritmo fraco de crescimento em 2021

A atividade econômica brasileira deve ter uma recuperação cíclica no próximo ano, depois do tombo de 2020, mas enquanto as projeções oscilam num grande intervalo, entre 2,1% e 4,5%, parece certo que o crescimento do Produto Interno (PIB) atribuído a 2021 deverá ser muito pequeno. As indefinições fiscais, o aumento do desemprego e a queda na renda das famílias vão pesar. As notícias recentes sobre a eficiência das vacinas contra a covid-19 amenizam um pouco o balanço de riscos, mas as incertezas permanecem relevantes.

Depois de um terceiro trimestre com crescimento entre 7% e 8% sobre o segundo, analistas têm estimado que o PIB do quarto trimestre deve crescer entre 1% e 2%. O carregamento estatístico deixado para 2021 seria positivo entre 2,5% a 3%. Isso significa que, se o PIB encerrar o ano que vem no mesmo nível do fim de 2020, o crescimento em 2021 será de 2,5% a 3%.

Assim, sem a chamada herança estatística, a atividade “gerada” em 2021 ficaria entre próxima a zero e crescimento de 1,5%. “A projeção de crescimento em 2021 está absolutamente influenciada pela questão estatística”, afirma Roberto Padovani, economista-chefe do Banco BV, que estima expansão de 4% no próximo ano. “Teremos impulso externo dado por câmbio e preços de commodities, e impulso interno, com o juro baixo, mas não é um cenário exuberante”, afirma ele.

O BV estima queda de 5% no PIB deste ano, com altas de 8,3% no terceiro trimestre e 2,2% no quarto, na série com ajuste sazonal. “Isso gera um carregamento estatístico próximo de 3%.” Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados, diz que num período tão atípico como o atual, o “carry over” (o carregamento estatístico) não diz muito, mas que 2021 deve ser um ano de fraco crescimento. Sua estimativa é de queda de 3,8% no PIB de 2020 e expansão de apenas 2,2% em 2021.

“O ‘carry over’ dá a impressão de que o país vai conseguir entregar aquele resultado, o que muitas vezes não ocorre. Evito olhar esse dado, mas no fim a leitura é essa, de um ano estagnado”, diz.

No primeiro trimestre de 2021, o país ainda estará às voltas com a pandemia, com alguma regra de isolamento em curso por causa do repique recente de casos. As vacinas, embora promissoras, não devem chegar tão logo à maior parte da população. Sem falar na retirada das transferências de renda às famílias.

“Devemos ter um primeiro trimestre muito fraco. Se o governo desse uma sinalização mínima positiva na parte fiscal entregaria o ano um pouco mais tranquilo”, afirma Vale, para quem essa possibilidade parece distante. “Já há algum tempo não acreditamos que o governo terá capacidade de entregar o que é necessário [reformas]. Não foi nos últimos dois anos, não vai ser agora.”

Padovani, do BV, diz que exportações e juros baixos são fatores que devem dar condições de o país crescer mais do que zero a cada trimestre. Além disso, ao longo do próximo ano, o impacto do fim do auxílio emergencial pode ser suavizado pela poupança das famílias acumulada ao longo deste ano e a regularização gradual do setor de serviços. “A renda do trabalho não volta imediatamente, então a poupança é um dado central nesse ponto”, afirma.

A estimativa do BV, conservadora, diz Padovani, é que a massa ampliada de renda ainda caia 1,3% em 2021, depois de recuar 3,8% neste ano. Massa ampliada inclui, além dos salários, transferências como o Bolsa Família e aposentadorias e pensões. Vale, da MB, observa que, no lado da demanda, 85% do PIB é consumo e investimento, duas linhas para as quais as perspectivas não são boas.

No lado da oferta, o economista vê o setor de serviços voltando enfraquecido. De uma forma geral, diz as empresas entraram no segundo momento da pandemia, de flexibilização, fragilizadas e com as medidas de apoio do governo já no fim. “A chance de ver um forte aumento nas falências recuperações judiciais é muito grande, o que pode significar mais desemprego”, diz.

Um outro ponto negativo é a pressão de custos provocada pelo aumento da inflação recente. Sem poder repassar o aumento, a variável de ajuste pode ser o emprego. “Deve ter aumento da informalidade. Não vejo consumidor voltando forte em 2021”.

No investimento, a grande capacidade ociosa combinada ao aumento mais recente da curva de juros de longo prazo diante das incertezas fiscais não autoriza grandes expectativas. Vale ainda acredita que a pressão sobre as políticas ambientais brasileiras com a vitória de Joe Biden nos Estados Unidos pode se traduzir em redução de investimentos no país. O Congresso deve continuar empenhado em reformas, mas a janela para aprová-las está se fechando, diz Padovani.

“O que nos deixa preocupados é que o debate em torno da eleição para a presidência da Câmara e do Senado pode retardar toda a agenda, que é muito apertada”, diz. Além da aprovação da LDO, o Congresso deve se debruçar sobre algum tipo de reforço do Bolsa Família ou sobre um novo programa de transferências, as PECs Emergencial e do Pacto Federativo.

O economista diz que, a despeito das indefinições, considera que é de 90% a chance de que o país continue sendo responsável na gestão econômica. “Não estamos super otimistas com o Congresso, mas não estamos pessimistas com possibilidade de retrocesso. Não vemos abandono da regra do teto.”

Nesse cenário, as várias notícias positivas sobre a vacina contra a covid-19 são um alento, mas ainda têm que se traduzir em imunização da população, o que leva tempo. Para a LCA Consultores, a vacina torna o balanço de riscos mais equilibrado, mas a recuperação econômica “continuará a enfrentar vários ventos contrários” - o fim do auxílio, o aumento da inflação e o repique de casos de coronavírus, que pode provocar uma recuperação ainda mais irregular dos serviços.

 

‘Excesso de liquidez produz bolhas e é insuficiente para resgatar economia’, diz El Erian

Uma segunda onda de covid-19 nas economias desenvolvidas tende a engatilhar novos programas de estímulos e agravar distorções nas economias e nos preços dos ativos. Segundo Mohamed El-Erian, presidente do Queen’s College, assessor econômico da Allianz e ex-CEO da Pimco, o excesso de liquidez e taxas de juros artificialmente baixas não resolvem questões associadas à pandemia nem são suficientes para recuperar empregos. E o efeito colateral é a criação de bolhas.

“Quanto mais os bancos centrais comprarem [ativos] de forma aparentemente previsível, maior será o incentivo para que os investidores privados aumentem o risco, sob a garantia de que um grande comprador não comercial sempre estará lá com eles”, disse El-Erian ao responder algumas perguntas do Valor por e-mail. “Esse condicionamento transborda para mais e mais mercados à medida que os investidores perseguem os retornos.”

Para o economista, é compreensível que investidores de todos os portes façam um movimento maciço para os mercados de ações, mas ele adverte que estão assumindo muito risco ao comprar ativos que podem estar descolados de seus fundamentos. El-Erian participará nesta sexta-feira de painel do Congresso Brasileiro de Mercado de Capitais, promovido em conjunto pela Anbima e pela B3.

Valor: Num momento em que os Estados Unidos e vários países europeus dão sinais de uma segunda onda de covid-19, bancos centrais como o Federal Reserve devem aprofundar os estímulos monetários? Quais os efeitos disso para as economias e os mercados?

Mohamed El-Erian: Eles não deveriam, na minha opinião... mas vão. Nesse processo, vão agravar o que é um conjunto crescente de distorções resultantes de muitos anos em que, por razões tão compreensíveis quanto lamentáveis, os bancos centrais assumiram muitas responsabilidades econômicas e financeiras usando ferramentas, inadvertidamente contundentes, que são inadequadas para a tarefa em questão. Existem várias razões pelas quais a resposta aos desafios de saúde, econômicos e sociais enfrentados pela Europa e pelos Estados Unidos não é mais injeção de liquidez do banco central, tanto diretamente por meio da compras de ativos e outras expansões de balanços quanto indiretamente via taxas de juros ainda mais artificialmente reprimidas. Em primeiro lugar, a liquidez não resolve nenhum dos problemas que enfrentam. Não diminui as infecções de covid e a hospitalização. Não restaura empregos. E, para adaptar a terminologia do banco central, não supera o problema fundamental do ‘risco de contraparte da saúde’ que mina tanto a vida quanto os meios de subsistência. Segundo, os mercados de capitais estão se comportando bem. Os volumes são saudáveis, com fontes amplas e baratas disponíveis para a maioria das empresas acessarem. Em terceiro lugar, a precificação dos ativos financeiros já está massivamente desconectada dos fundamentos econômicos e corporativos. Uma nova ampliação dessa dissociação [entre preços de ativos e fundamentos] aumenta o risco de instabilidade financeira futura, com repercussões negativas para a economia.

Valor: O excesso de liquidez já existente no mundo tem estimulado a criação de bolhas de ativos? Em que mercados isso seria mais preocupante?

El-Erian: Sim, com certeza. Na verdade, é difícil apontar para qualquer grande mercado financeiro que não tenha sido impactado dessa forma. E por uma boa razão. Os ativos comprados diretamente pelos bancos centrais subiram de preço. Quanto mais os bancos centrais comprarem de forma aparentemente previsível, maior será o incentivo para que os investidores privados aumentem o risco, sob a garantia de que um grande comprador não comercial sempre estará lá com eles. Esse condicionamento transborda para mais e mais mercados à medida que os investidores perseguem o retorno.

Valor: Pequenos investidores e investidores profissionais estão sendo negligentes com o risco ao fazer um movimento em massa para o mercado de ações? Os valuations têm base em fundamentos do que as companhias vão entregar de resultados à frente?

El-Erian: Por enquanto, ambos estão reagindo de forma compreensível diante da garantia de um sólido e contínuo apoio do banco central aos mercados. Mas ao fazê-lo, muitos acabam assumindo muito risco individual; e o risco coletivo tomado acaba gerando uma descolamento importante entre valuations e fundamentos subjacentes. Quanto mais tempo persistir esse paradigma operacional, maior o condicionamento autorreforçado e a co-dependência de investidores e bancos centrais. Uma vez nesse paradigma, e a menos que seja validado por uma rápida melhoria dos fundamentos econômicos e corporativos, os investidores precisam de um grande choque para alterar seu comportamento. Isso pode vir na forma de um erro de política, um acidente no mercado financeiro devido ao risco excessivo, ou uma série de falências corporativas. Caso isso aconteça, a volatilidade financeira resultante pode representar um desafio para o bem-estar da economia global.

Valor: Qual o papel das novas tecnologias e da participação das novas gerações (os millennials, por exemplo) na valorização contínua dos preços das ações?

El-Erian: Eles desempenharam um papel, especialmente por meio de sua rede de interação mútua. Novas tecnologias reduziram as barreiras de entrada no mercado para os millennials. São iniciativas que proveram interfaces mais engajadas, alocações automatizadas de ativos e outros usos de inteligência artificial, big data e mobilidade. O resultado foi uma expansão na base de investidores de varejo nos Estados Unidos em um momento de valuations de mercado relativamente altos.

Valor: Uma onda de calotes do setor corporativo segue no radar? Quais as consequências disso para o mercado de capitais e para a economia real? Os bancos podem voltar a apresentar problemas como no pós-2008?

El-Erian: É um risco. Muito vai depender da rapidez com que vamos emergir das disrupções relacionadas à covid, de quanta flexibilidade política ainda resta e da extensão dos sustos econômicos. Quanto maior esse risco, maior a ameaça aos empregos e à estabilidade financeira. Lembre-se, os bancos centrais podem segurar e garantir os mercados contra muitas coisas, não obstante a incapacidade de precificar e subscrever adequadamente esse seguro. Mas isso não se estende aos prejuízos de capital e danos no longo prazo que resultam de uma onda de falências corporativas.

Valor: A vitória de Joe Biden à presidência dos Estados Unidos é uma boa notícia para os países emergentes? Investidores globais vão voltar para esses mercados, incluindo o Brasil? Ou esse é um risco a ser evitado?

El-Erian: Embora ainda haja muita incerteza, há uma boa razão para esperar que o governo Biden seja mais receptivo à colaboração multilateral e a reduzir o seu arsenal de tarifas e sanções a investimento. Dito isto, não devemos esperar uma grande desaceleração das tensões China-EUA, nem pensar que os Estados Unidos se tornarão rapidamente a poderosa locomotiva de crescimento para o resto do mundo. Na verdade, levará tempo para que os mercados emergentes vejam os ventos contrários internacionais atuais se transformando nos tão esperados ventos de cauda de maior demanda por suas exportações, maiores influxos de remessas de trabalhadores, a restauração das receitas de turismo e a retomada do alto investimento estrangeiro direto. Tudo isso para dizer que os mercados emergentes não devem esperar que um ambiente externo mais favorável funcione como uma panaceia. O que eles fazem internamente em termos de política é fundamental.

 

ESTADÃO

‘Sem uma política fiscal que reduza o endividamento, é melhor desistir de combater a inflação’

A conjuntura econômica da recessão global causada pela covid-19 dá um tempo, de uns dois anos, para o Brasil buscar uma “construção política” para atingir o equilíbrio das contas públicas, diz Samuel Pessôa, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV). Se não fizer uma “arrumação fiscal” nesse período, quando a economia brasileira se recuperar do tombo com a pandemia, a inflação voltará a subir.

Não será uma crise com “hiperinflação” – no último dia 9, o ministro da Economia, Paulo Guedes, disse que o Brasil pode “ir para uma hiperinflação muito rápido” se não rolar a dívida pública satisfatoriamente –, mas uma pressão que aumenta aos poucos, numa “degradação permanente”, diz Pessôa. A saída para evitar o pior, segundo o pesquisador, é manter o teto dos gastos públicos (regra que limita o aumento das despesas à inflação do ano anterior), aprovar a proposta de emenda constitucional (PEC) que cria os gatilhos de corte de despesas, permitindo o cumprimento do teto, e aprovar uma reforma administrativa abrangente.

● O aumento de gastos do governo para enfrentar a pandemia de covid-19 chegou ao limite?

O limite é dado pelo tamanho da dívida (pública), pelo que se considera ser o custo dessa dívida a médio prazo e pelo que achamos que é capacidade de crescimento da economia. Esses três parâmetros vão determinar qual o superávit que o Estado precisa para manter a dívida estável e até diminuí-la. Com uma dívida de 100% do PIB (Produto Interno Bruto) e um custo de capital (juros) de 4% (ao ano), se a economia cresce 2%, essencialmente, o superávit primário tem de ser 2% do PIB para estabilizar a dívida. Só que um país emergente com uma dívida de 100% do PIB precisa fazer essa dívida diminuir. Um superávit de 2% está no limite, é arriscado. Na verdade, em algum momento o superávit vai ter de ser mais próximo de 3%. Isso dá uma ideia do esforço fiscal.

● As projeções para os próximos anos mostram que um superávit ainda está longe, não?

Podemos dizer que temos alguma folga, porque o desemprego está muito elevado. Por isso, a taxa de juros está bem mais baixa e o crescimento da economia, durante alguns anos, vai ser mais alto. Há um horizonte de dois anos pela frente em que a conta (da estabilização da dívida pública) não será desse jeito que eu fiz. Vamos ter um custo médio da dívida menor do que o crescimento econômico. Isso dá um fôlego. Agora, se não quisermos fazer uma política fiscal conservadora, contracionista, para produzir esse superávit e colocar a dívida em trajetória de queda, é melhor desistir de combater a inflação.

● O desequilíbrio das contas públicas levará a mais inflação?

Se a dívida é muito alta, e o governo não está fazendo uma política fiscal para estabilizar a dívida, quando começa a ter inflação, o Banco Central (BC) tem de subir juros. A subida de juros contém a demanda (e, assim, arrefece a inflação, já que os preços sobem quando há mais demanda do que oferta de bens e serviços). Mas tem um elemento da subida de juros que não contém a demanda. O juro é renda para alguém, para os detentores da dívida pública. Quando sobem os juros, a renda dos detentores da dívida pública aumenta. Esse efeito, em geral, é pequenininho, quando a dívida pública não é muito grande, porque, em geral, os governos lançam títulos em que os juros estão pré-fixados. Assim, quando o BC sobe o juro para combater a inflação, o título já emitido tem a mesma taxa. Só nos novos títulos emitidos no período em que os juros ficarem mais altos (para combater a inflação) é que vai incidir uma taxa maior. Se no período em que os juros estiverem mais altos a quantidade de títulos que o governo precisar emitir for pequenininha, não tem nenhum efeito. Agora, suponha um país que emite uma parte grande de seus papéis pós-fixados (quando juro do título da dívida pública é igual à taxa básica, seja ela qual for). É o nosso caso.

● O que acontece?

Quando sobem os juros, imediatamente, a renda do cara que tem papel (e não só de quem compra títulos novos) aumenta. Suponha, além disso, que o prazo médio de vencimento da dívida pública é curto. Em um ano, o governo tem de refinanciar 30% da dívida. Se ficarmos um ano combatendo a inflação com juros mais altos, uma parte grande da dívida vai ser renovada com juro mais alto e, depois de um ano, já estamos gastando um dinheirão para remunerar aquela dívida. Se além de tudo a dívida é grande, esse efeito de aumentar a renda do setor privado (investidores da dívida pública) quando sobe a taxa básica de juros passa a ser muito importante. Aí, a política monetária perde a capacidade de ser a reguladora da demanda agregada. Nessa hora, o BC aceita a inflação, não tem mais como combater. Nessa hora, estamos naquilo que chamamos de “dominância fiscal”.

● O Brasil está prestes a entrar em “dominância fiscal”?

A dominância fiscal depende do tamanho da dívida, do prazo médio de vencimento e da proporção de títulos pós-fixados, mas depende também da política fiscal. Temos algum refresco pela conjuntura econômica, que nos dá um tempo, mas se, nesse intervalo de tempo, não houver uma construção política que arrume a política fiscal, que construa, de forma estrutural, uma posição superavitária das contas públicas, vamos estar, em dois anos, em dominância fiscal. Quando a economia se recuperar, o desemprego cair e a inflação começar a subir, estaremos em dominância fiscal.

● Isso levará a uma nova crise?

Não gera uma crise. Gera uma degradação permanente da conjuntura econômica. A inflação começa a subir, o BC não pode combater essa inflação, e ela vai subindo. Explode como hiperinflação? Acho que não, não explode. O processo de reinflação de uma economia é suave, é persistente, pode ser até meio rápido, mas não é descontínuo (com ruptura), principalmente para uma economia que tem tantas reservas como a brasileira. As reservas amortecem os choques.

● Então não é um quadro de hiperinflação como o mencionado pelo ministro da Economia, Paulo Guedes?

Não é. O quadro que o ministro descreveu seria válido para a situação que tínhamos em 1998, quando uma parte grande da dívida era denominada em dólar. Ou em 2002, um quadro de aceleração inflacionária mais rápida. Para haver descontinuidade, o país tem de ter muitos passivos denominados em dólar.

● A pressão recente da inflação, ainda que dentro da meta, é um sinal de alerta?

Uma parte significativa desse choque inflacionário de alimentos tem como origem a desvalorização do câmbio (alta do dólar) este ano. O câmbio está desvalorizando desde janeiro de 2018 e não teve pressão inflacionária, não teve repasse cambial. Por que agora está tendo? O que importa para saber se vai ter repasse cambial, além do desemprego, já que numa economia com muito desemprego o repasse é sempre menor, é a natureza do choque cambial. Esse fator, para o Brasil, é até mais importante do que o mercado de trabalho. Há dois tipos de choque cambial. O Brasil é um grande exportador de commodities (matérias-primas com cotação internacional). Vamos supor que, em três meses, as commodities têm um aumento de 30%. Numa economia com câmbio flutuante, naturalmente, há uma compensação: se as commodities ficaram mais caras em 30%, o câmbio vai se valorizar (o dólar vai cair) em 30%. E vice-versa. As commodities perdem valor, o câmbio desvaloriza (o dólar sobe). Esse mecanismo acontece quase automaticamente, pela operação do mercado financeiro. É uma das maravilhas do câmbio flutuante, porque protege a inflação brasileira das oscilações das commodities no mercado internacional. Nesse caso, não tem repasse cambial, porque quando desvaloriza o câmbio (o dólar sobe), aquela desvalorização está compensando um monte de commodities que ficaram mais baratas. Por isso, muitas vezes, o câmbio anda muito e não tem nenhum repasse.

● Qual o outro tipo de choque cambial?

O que está gerando agora a desvalorização do câmbio foi a covid, o choque externo, que atinge todas as outras moedas de países emergentes. Só que a nossa moeda se desvalorizou mais. Tem uma componente da desvalorização brasileira que é um problema doméstico, de natureza política, associado à dificuldade de resolver o nosso problema fiscal. Isso bate no câmbio. Nos últimos dois trimestres, era para o câmbio ter se valorizado (o dólar ter caído), porque as commodities ficaram mais caras no mercado internacional. Pelo mecanismo de compensação, o câmbio deveria ter se valorizado para compensar, mas não só ele não valorizou como a percepção de risco aumentou e ele se desvalorizou. Temos uma pressão inflacionária por dois motivos: o câmbio está mais desvalorizado e as commodities estão mais caras.

● Isso é um prenúncio do que aconteceria na “dominância fiscal”?

Exatamente. Não haveria compensação (da variação das cotações de commodities) e a gente ficaria importando inflação. (O movimento) Está pequeno porque há outros fatores que jogam na direção contrária. A inflação depende da resultante dessas quatro forças. Uma é a inércia, o passado. Outra é a expectativa, o futuro. A terceira é o câmbio. A quarta é o grau de ociosidade vigente na economia. O que acontece na dominância fiscal? O câmbio começa a andar (o dólar começa a subir). Como não tem o mecanismo de compensação, começa a ter repasse cambial. Uma hora esse repasse fica mais continuado e afeta as expectativas. As pessoas começam a projetar uma inflação mais alta. Como estamos começando com uma inflação muito baixa, a inércia joga na direção de manter a inflação baixa. E a ociosidade, o desemprego, vai na direção de manter a inflação baixa. Agora, se o mecanismo criar uma dinâmica própria, a força do câmbio e das expectativas vencem a ociosidade e a inércia, e entramos numa trajetória de reinflação. O começo é lento. As expectativas (de inflação) já estão subindo. Quando a inflação começar a subir um pouquinho, começará a acelerar a inércia. Daqui a pouco, o desemprego começa a diminuir. Aí, bem-vindos ao mundo da inflação.

● Não há hiperinflação por causa dessas quatro forças?

É, o câmbio não vai a R$ 10. Com muitas reservas, tem um limitador. O câmbio vai se desvalorizando aos pouquinhos. Com muita dívida em dólar, o processo se retroalimenta. Com ativos (reservas internacionais) em dólar, o processo não se retroalimenta, porque, conforme se valoriza o dólar, a sua dívida (pública) cai. E isso ameniza o problema.

● Essa aceleração da inflação se dá em que ritmo?

É 5,0% no próximo ano, 7,5% no ano seguinte, 10,0% no próximo, e assim sucessivamente.

● Vários países gastaram mais com a pandemia. Por que o problema é maior no Brasil?

Estamos fazendo o que todos os países fizeram. O problema é que fizemos mais do que os outros e o nosso ponto de partida era pior do que os outros. Evidentemente, as pessoas (investidores) estão menos preocupadas com o endividamento em todo mundo, porque todos entendem que a natureza do choque é externa. Agora, o Brasil é dos que estão na pior situação. Fomos provavelmente o emergente que mais gastou por conta da pandemia e nosso ponto de partida era um dos piores.

● O teto de gastos tem sido eficaz para conter o desequilíbrio fiscal?

Se tirar o teto, o câmbio vai para R$ 7,00 ou R$ 7,50. O teto está funcionando, muito. Está funcionando na sua função de economia positiva, que é dar uma âncora para a restrição orçamentária do setor público. É a garantia de alguma solvência para o setor público. Isso ajuda a manter os riscos mais baixos. Agora, o teto tem também uma função de economia política. É auxiliar a sociedade a resolver o conflito distributivo. Isso está funcionando. Aprovamos a reforma da Previdência. Se o governo não fosse tão inepto na liderança, já teríamos aprovado mais coisas. Agora, nada impede que se troque o teto por outro teto, outra regra fiscal, mas, antes de mexer no teto, temos de construir outra âncora. Antes de fazer um novo teto para gastar mais, temos de aprovar no Congresso novos impostos. Pode até ter um ano de defasagem para os novos impostos entrarem, mas tem de aumentar a capacidade arrecadatória. O problema fiscal é termos regras que obriguem o gasto público a subir mais do que o PIB sistematicamente. O teto só impõe uma trava nesse processo, de uma maneira muito grosseira, porque trava tudo, mas tem de ser grosseiro mesmo, exatamente para gerar uma economia política favorável à mudança.

● Por que é difícil equilibrar as contas com um plano mais amplo?

Porque a economia política do País é complicada. O País é heterogêneo, muito desigual, os interesses são divergentes. A nossa economia política, em geral, nos leva a inflação. Não temos inflação porque o Espírito Santo quis ou porque tem um anjo maligno que quer nos fazer sofrer. Temos pressão inflacionária porque o conflito distributivo na sociedade brasileira é muito estrito. Temos muita expectativa de direitos de servidor público, com paridade, integralidade e aposentadoria precoce. Temos de mexer nesses direitos adquiridos, mas as corporações não querem. Temos uma isenção tributária brutal no regime tributário especial do Simples (para empresas de menor porte), mas o Congresso não quer mudar. Tem a contribuição que vai para o Sistema S, uma construção dos anos 1940, quando não havia educação pública nem escola técnica. Hoje, universalizamos a escola fundamental, temos escola técnica, e continuamos tendo o Sistema S. Esse dinheiro tinha de financiar as escolas técnicas. Não é que tem dinheiro sendo jogado na rua. São programas cuja eficácia é menor do que custam. Se parar esses programas, o Estado fica mais rico. Aos pouquinhos, vamos resolvendo, porque a sociedade vai aprendendo, mas há um custo político muito grande. Envolve a percepção da sociedade e a capacidade da sociedade como um todo de se proteger de grupos de pressão.

● No curto prazo, o que deveria ser feito?

Aprovar a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) emergencial do deputado Pedro Paulo (DEM-RJ), que está no Congresso desde o quarto trimestre de 2018 (e cria gatilhos para fazer o teto de gastos ser cumprido).Talvez valha introduzir alguns gatilhos mais poderosos do que os que têm lá. E aprovar essa PEC aplicada à União e aos entes subnacionais, Estados e municípios. Também passar aquela emenda (constitucional) que corta os supersalários. E uma reforma administrativa que dê mais racionalidade para a estrutura de carreiras, acabe com a progressão automática, a incorporação de prêmios.

● A reforma administrativa não é mais focada na eficiência do que no corte de gastos?

O foco da reforma administrativa deveria ser a eficiência, mas, no Brasil, hoje, o objetivo de aumentar a eficiência vai junto do objetivo de conter o crescimento do gasto.

● É possível reequilibrar as contas sem tirar dos pobres para dar para os paupérrimos?

Falamos aqui do Simples, do Sistema S, da reforma administrativa, dos gatilhos. Tudo isso não é tirar dos pobres para dar para os paupérrimos. Então, dá.

● A reforma tributária ajuda o equilíbrio fiscal?

A reforma tributária prioritária é a dos impostos indiretos. Gosto muito da PEC 45, do deputado Baleia Rossi (MDB-SP). Aquilo lá é para gerar crescimento econômico, eficiência, porque vai diminuir muito os custos de transação na economia brasileira, mas acho que não está associado ao problema fiscal. A reforma é neutra do ponto de vista fiscal.

● Aumentar impostos para os mais ricos, com uma reforma tributária, não é saída para o desequilíbrio fiscal?

É uma terceira agenda, que é aumentar a progressividade dos impostos de renda no Brasil. É aumentar as faixas do Imposto de Renda da Pessoa Física, cobrar mais de 27,5% a partir de determinada renda, aumentar talvez o Imposto Territorial Rural (ITR), aumentar o IPTU. A questão fiscal tem que ser tratada, primeiro, pela ótica do gasto público. Depois, pode até fazer mudanças na receita, mas tem de começar pelo gasto. O desequilíbrio está no gasto. Do jeito como as contas públicas estão definidas hoje, o gasto público tem de crescer mais do que o PIB sistematicamente. Não faz sentido uma sociedade em que, faça chuva ou faça sol, o gasto público vai crescer mais do que a base econômica que sustenta aquela sociedade. Tudo isso por causa de uma série de regras, de programas sociais, aposentadorias dos servidores públicos, que obrigam que o gasto público cresça mais do que a receita e do que a economia.

 

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