Sexta-feira

O GLOBO

Novo programa habitacional avança no Congresso, mas Minha Casa Minha Vida tem 100 mil moradias inacabadas

A tentativa do governo de Jair Bolsonaro de criar uma marca própria para sua política de habitação popular avançou na quinta-feira com a aprovação na Câmara da medida provisória que institui o programa Casa Verde e Amarela.

A iniciativa substitui o Minha Casa Minha Vida, vitrine dos governos Lula e Dilma, mas sem resolver o problema de quase 100 mil unidades para famílias de baixa renda cujas obras estão paralisadas em todo o país, segundo dados do Ministério do Desenvolvimento Regional.

A MP não acaba com o Minha Casa Minha Vida. Ele será extinto à medida em que as obras forem concluídas.

Na quinta-feira, ao comentar a aprovação da MP do Casa Verde e Amarela na Câmara, o ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, admitiu que ainda estão paradas obras relacionadas a 100 mil moradias do Minha Casa Minha Vida.

No entanto, ele afirmou que pretende retomar a construção de 40 mil unidades até o fim deste ano.

Marinho disse que o Minha Casa Minha Vida tem méritos, mas também muitos problemas. Entre eles, construção de conjuntos habitacionais distantes das cidades, sem infraestrutura urbana.

Com a ausência do poder público nessas áreas precárias, cerca de 500 mil unidades foram tomadas pelo tráfico e milícias, estimou o ministro.

— Existem problemas insolúveis no curto prazo, ligados a questão jurídica, desapropriação de terra, inadequação de projetos, falta de infraestrutura urbana. Esse é o grande problema do programa Minha Casa Minha Vida — afirmou Marinho, ao participar de evento da Câmara Brasileira da Indústria da Construção Civil (Cbic).

A MP que cria o Casa Verde e Amarela ainda precisa ser aprovada pelo Senado. Como foi editada editada em agosto, ela perderá a validade em fevereiro. Por isso, o governo tem pressa.

Além da mudança de nome, a nova política habitacional do presidente Jair Bolsonaro acaba com a faixa de beneficiários com renda mais baixa, de até R$ 1,8 mil. No Minha Casa Minha Vida, a casa é praticamente doada nessa faixa, com prestações simbólicas.

O novo programa terá como foco famílias com capacidade de assumir financiamento (com renda entre R$ 2 mil e R$ 7 mil). Além disso, passará a atuar em duas novas frentes: regularização de terrenos em parcerias com estados e prefeituras e reformas de casas.

Marinho afirmou que a aprovação da MP vai permitir ao governo federal entregar 100 mil casas a cada ano devido ao corte nos juros para as famílias e na taxa de remuneração da Caixa Econômica Federal, agente operador do programa:

— Essa votação é extraordinária porque vai nos dar a consolidação de um novo marco legal que permitirá, ao longo dos próximos anos, que nós possamos acrescer ao mercado 25% a mais de unidades habitacionais, atacando esse déficit crônico.

O Casa Verde e Amarela busca ampliar o acesso à moradia no Norte e no Nordeste com condições mais facilitadas de financiamento nessas regiões.

A meta do presidente Jair Bolsonaro é entregar mais 350 mil residências, atingindo 1,6 milhão em quatro anos, considerando obras em andamento do Minha Casa Minha Vida. Também faz parte do plano regularizar dois milhões de moradias, fora de áreas de risco, e reformar 400 mil casas.

O Casa Verde e Amarela prevê três grupos com condições variadas (juros, subsídios, acesso à regularização fundiária e reforma do imóvel), de acordo com a renda familiar. O grupo 1 (faixa de renda até R$ 2,6 mil nas regiões Norte e Nordeste e R$ 2 mil nas outras regiões); o grupo 2 (até R$ 4 mil) e o grupo 3 (até R$ 7 mil).

O texto aprovado pela Câmara permite ao Executivo alterar por decreto o valor máximo do imóvel financiado e as faixas de renda das famílias beneficiadas. Hoje, é preciso alterar leis no Congresso para fazer essas mudanças.

O relator, deputado Isnaldo Bulhões (MDB-AL), estendeu a redução tributária atualmente vigente para as empresas no novo programa e incluiu a criação de um fundo para concessão de registros eletrônicos de imóveis. Foram apresentadas mais de 500 emendas à MP, quase todas rejeitadas pelo relator. A votação durou 9 horas e meia, mas o governo venceu a obstrução da oposição.

VALOR

PIB do Brasil tem 24º maior crescimento entre grandes economias globais no 3º tri

O avanço de 7,7% do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil no terceiro trimestre em relação aos três meses imediatamente anteriores colocou o desempenho do país no meio da tabela entre as grandes economias globais: 24º maior crescimento entre 47 países que já divulgaram seu resultado de julho a setembro. O desempenho no ranking é parecido com o do segundo trimestre, quando a economia brasileira teve retração de 9,6%. Naquela ocasião, o resultado foi pior que o de 22 países.

Um exemplo dessa recuperação insuficiente é o Peru, país que registrou maior expansão de julho a setembro. A alta de 29,9% agora não compensou a queda de 26,8% do segundo trimestre — também o pior resultado do período O cenário da economia global mostra que o PIB de todos os 47 países cresceu no terceiro trimestre, porém, em sua imensa maioria, de modo insuficiente para recuperar as perdas dos três meses anteriores, quando houve forte retração devido às medidas para tentar conter a pandemia de covid-19.

Entre os países que tiveram desempenho similar ao brasileiro no segundo trimestre, Turquia, Canadá e Áustria foram melhores que o país nos três meses seguintes. A Turquia passou de queda de 10,8% para alta de 15,6%, o Canadá foi de retração de 11,3% para expansão de 8,9% e a Áustria avançou 12% após contração de 11,6%. Os países europeus, que registraram expressivas contrações entre abril e junho, agora tiveram algumas das maiores altas do terceiro trimestre. Foram os casos, por exemplo, de França (18,7%), Espanha (16,7%), Itália (15,9%), Reino Unido (15,5%) e Portugal (13,3%).

 

Análise: PIB tem crescimento recorde no 3º trimestre, mas cenário para 2021 permanece nebuloso

A economia brasileira cresceu com força no terceiro trimestre, indicando que a recessão ficou para trás, ao registrar uma alta de 7,7% em relação ao trimestre anterior, feito o ajuste sazonal. Foi a maior expansão da série iniciada em 1996 nessa base de comparação, mas que ocorreu depois do tombo de quase 10% no segundo trimestre, quando o impacto da pandemia da covid-19 acertou em cheio a atividade.

Além disso, os estímulos fiscais generosos, em especial o auxílio emergencial, contribuíram de modo decisivo para o crescimento. Pelo lado da demanda, o consumo das famílias e o investimento foram os destaques; pelo lado da oferta, a indústria teve a alta mais forte, seguida pelos serviços.

O número divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) ficou consideravelmente abaixo das projeções dos analistas — a mediana das estimativas das consultorias e instituições financeiras ouvidas pelo Valor Data apontava para uma expansão de 8,8% para o Produto Interno Bruto (PIB) contra o segundo trimestre.

Houve, porém, várias revisões dos números anteriores, como ocorre nas divulgações das contas nacionais do terceiro trimestre. O PIB de 2019, por exemplo, teve seu crescimento elevado de 1,1% para 1,4%. O resultado do primeiro trimestre foi revisado consideravelmente para cima – a queda de 2,5% em relação ao trimestre anterior passou para um recuo de 1,5%.

O número do segundo trimestre nessa base de comparação ficou quase idêntico – a retração de 9,7% deu lugar a um tombo de 9,6%. Desse modo, a base de comparação é um pouco mais alta do que antes da revisão. Pelo lado da demanda, o investimento cresceu 11%, mas a formação bruta de capital fixo (FBCF, medida do que se investe em máquinas e equipamentos, construção civil e inovação) ainda está 27,8% abaixo do pico atingido no terceiro trimestre de 2013.

O consumo das famílias, por sua vez, cresceu 7,6%, embalado pelo impulso do auxílio emergencial, que atendeu mais de 67 milhões de pessoas. O consumo do governo avançou 3,5%. O setor externo teve contribuição positiva para o PIB, uma vez que as exportações tiveram um desempenho melhor que as importações. Enquanto as vendas externas caíram 2,1% em relação ao trimestre anterior, as compras recuaram 9,6%.

Nos cálculos do diretor de pesquisa para a América Latina do Goldman Sachs, Alberto Ramos, o setor externo contribuiu com 0,97 ponto percentual para o crescimento do PIB de 7,7% no terceiro trimestre.

A demanda doméstica final, formada pelo consumo das famílias, o consumo do governo e o investimento, excluindo a variação de estoques, cresceu 7,5% no terceiro trimestre em relação ao trimestre anterior, segundo Ramos.

No segundo trimestre, o indicador havia recuado 11,6%. Pelo lado da oferta, a indústria teve crescimento forte, de 14,8%, depois de ter encolhido 13% no trimestre anterior. A indústria de transformação puxou o setor, com alta de 23,7%, uma avanço expressivo, mas que ocorreu após o tombo de 19,1% nos três meses anteriores. A construção civil também foi bem, com alta de 5,6%.

Os serviços, por sua vez, subiram 6,3% no terceiro trimestre, depois de terem caído 9,4% no trimestre anterior. Setor que responde por mais de 70% do PIB pelo lado da oferta, os serviços têm demorado mais para se recuperar do que a indústria e o varejo, porque muitos segmentos dependem de maior interação social. Embora as medidas de isolamento tenham sido relaxadas nos últimos meses, não houve uma normalização – e o risco é de novas restrições, por causa do recrudescimento da covid-19.

São Paulo, por exemplo, já impôs medidas um pouco mais restritivas para o comércio, restaurantes e bares, por exemplo. Já a agropecuária registrou recuou de 0,5% em relação ao trimestre anterior. Para 2021, há vários fatores de incerteza. O maior deles é a indefinição sobre o cenário para as contas públicas.

O teto de gastos será respeitado? O governo vai estender o auxílio emergencial por alguns meses no começo do ano que vem ou ele vai chegar ao fim em dezembro e nenhum outro programa vai entrar no lugar? O Renda Cidadã, um Bolsa Família ampliado, será lançado em 2021? Com quantos beneficiários e com que valor? Todas essas dúvidas afetam os preços de ativos brasileiros, deixando as condições financeiras mais apertadas do que seria desejável para uma retomada mais forte.

A retirada abrupta dos estímulos fiscais também pode dar um tranco na economia. Além disso, há o risco de uma piora mais forte da covid-19, que já mostra crescimento no número de casos e mortes. Ainda que não se esperem medidas de restrição tão rigorosas quanto as impostas no começo da pandemia no Brasil, é possível que haja redução no horário de funcionamento de estabelecimentos comerciais, por exemplo.

Pelo lado positivo, a expectativa em relação às vacinas contra a covid-19 pode dar alento maior à atividade em 2021, especialmente no exterior. Por aqui, no entanto, ainda há muitas dúvidas sobre como vai funcionar a vacinação. Desse modo, a perspectiva de crescimento para 2021 é uma incógnita.

Se para 2020 a expectativa é de um tombo na casa de 4%, para o ano que vem o quadro ainda é muito incerto. Se as dúvidas em relação ao quadro fiscal diminuírem, uma expansão na casa de 3,5% ou um pouco mais parece factível, até pela herança estatística que 2020 deixará para 2021. Se o cenário para as contas públicas permanecer nebuloso, porém, isso pode pressionar o câmbio e tornar mais duradouras as pressões inflacionárias, levando o Banco Central (BC) a ter que elevar os juros antes do esperado, jogando para baixo o crescimento do ano que vem.

 

Analistas alertam para recuperação desigual da economia brasileira

Os resultados do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro no terceiro trimestre ficaram abaixo do esperado por boa parte dos analistas financeiros. Embora a alta de 7,7% em relação aos três meses anteriores tenha sido um recorde de variação, já era previsto um salto assim após o tombo de 9,6% verificado no segundo trimestre.

Com os números, e ponderações sobre os possíveis impactos dos desdobramentos da pandemia sobre a atividade econômica, alguns dos especialistas revisaram suas projeções para o ano e boa parte alertou para a desigualdade no ritmo de recuperação conforme o setor de atuação.

Confira algumas das avaliações de analistas consultados pelo Valor:

Itaú - O PIB do terceiro trimestre confirmou a recuperação desigual entre os setores, com produção industrial e comércio numa retomada em “V” e serviços ainda em ritmo lento, afirma Luka Barbosa, economista do Itaú Unibanco. A instituição manteve a expectativa para o PIB de 2020, de queda de 4,1%, e para o quarto trimestre, quando deve mostrar avanço de 2,9% ante os três meses anteriores.

Para 2021, Barbosa estima que a recuperação da economia global, os juros baixos e a normalização dos serviços após a vacinação contra o novo coronavírus jogam a favor da recuperação da atividade. Do lado negativo, podem pesam o recrudescimento da pandemia, com aumento do contágio e mortes por covid-19, e o risco de problemas fiscais, que levariam a uma piora das condições financeiras.

“Nesse sentido, tem discurso recente do governo sinalizando a intenção de retirar os auxílios emergenciais e voltar para o teto de gastos. Se isso for confirmado, reduz esse risco negativo fiscal”, disse.

Guide - O crescimento limitado pelo desempenho do setor de serviços demonstra que uma recuperação em forma de “K”, e não de “V”, parece estar em andamento, “aumentando os temores de que uma recuperação desigual também possa ter um impacto desigual no setor privado e na distribuição de renda daqui para frente”, afirma a gestora em relatório. A atividade de serviços foi mais fraca do que o esperado pelos analistas, o que “levanta preocupações sobre os impactos duradouros das pandemias no setor.”

A continuação de uma recuperação “tão desigual”, diz a Guide, pode ter implicações nas “políticas voltadas para os que ficaram para trás ao longo da recuperação”, abrindo espaço para o fortalecimento dessas medidas e potencial impacto fiscal. A Guide projeta queda de 5,1% para o PIB neste ano.

Credit Suisse - Diferente de outros pares, o banco melhorou ligeiramente sua expectativa para o PIB de 2020 – de uma queda de 4,6% para baixa de 4,3% -, embora o resultado do trimestre tenha ficado abaixo de suas projeções. “O resultado de hoje mostrou uma recuperação da economia no terceiro trimestre que foi menos forte do que o esperado, mas as revisões feitas na série mais do que compensaram a surpresa negativa”, escrevem Solange Srour e Lucas Vilela em relatório.

O PIB de 2019 passou de 1,1% para 1,4%, e o tombo do segundo trimestre deste ano também foi menor na comparação interanual, revisto de -11,4% para -10,9%. Na mesma base de comparação, o PIB do terceiro trimestre melhorou expressivamente (-3,9%), “devido à flexibilização das medidas de distanciamento social e políticas monetárias e fiscais robustas”, afirmam os economistas.

 “Além disso, o aumento da poupança, de 15,7% do PIB no segundo trimestre para 17,3% do PIB do terceiro trimestre, reforça um cenário mais favorável para o consumo no próximo ano, com possibilidade de término de ajuda governamental e de recuperação gradual do mercado de trabalho”, dizem.

Citi – Os analistas do banco também frisaram a retomada mais fraca que o esperado dos serviços e apontaram que o crescimento de 11% nos investimentos e de 7,6% no consumo das famílias foram os principais responsáveis pelo resultado do terceiro trimestre".

"No curto prazo, a crescente evidência de uma segunda onda de covid-19 no Brasil deve desacelerar significativamente o crescimento no quarto trimestre de 2020 e primeiro trimestre de 2021, enquanto o início da inoculação da vacina (provavelmente no segundo trimestre de 2021) deve aliviar gradativamente o choque de oferta, abrindo espaço para uma aceleração do crescimento depois disso", dizem os economistas Leonardo Porto e Paulo Lopes. O Citi estima uma queda de 5,1% no PIB de 2020, com crescimento de 3% no próximo ano.

MB – A consultoria piorou sua projeção de queda do PIB de 2020 de 3,8% para 4,3%. Sergio Vale, economista-chefe da MB, diz que se esperava uma evolução melhor da agropecuária dentro do PIB do terceiro trimestre, que cresceu 0,4% de julho a setembro em relação a igual período do ano passado. Também houve frustração com o setor de construção.

A MB, porém, elevou a estimativa de crescimento de 2,2% para 2,6% em 2021, em razão de redução mais expressiva de bases de comparação em relação a 2020. “Ou seja, é uma economia que se recupera em razão da base baixa, mas não é uma recuperação que vai além da base.”

Barclays - As projeções do Barclays para 2020 e 2021, de queda de 4,4% e alta de 3,5% do PIB, respectivamente, foram mantidas. Roberto Secemski, economista-chefe do Barclays para o Brasil, foi mais um a frisar que a retomada foi desigual entre os setores: a atividade do comércio, que compõe o PIB dos serviços, foi a única a recuperar o patamar pré-pandemia, impulsionada pelo auxílio emergencial.

“Na nossa visão, as diferentes velocidades de recuperação estão provavelmente relacionadas às elevadas transferências fiscais para famílias, o que levanta dúvidas sobre a sustentabilidade do crescimento assim que os estímulos forem retirados”, alerta o economista. Outra ameaça ao processo de retomada viria de uma nova e significativa aceleração de casos de covid-19, que poderia impor restrições adicionais à atividade, acrescentou.

Goldman Sachs - O complexo quadro da covid-19 no país e a eliminação das medidas de apoio fiscal vão “suavizar o ritmo de retomada da atividade”, afirma Alberto Ramos, diretor de pesquisa para América Latina do Goldman Sachs.

Esse ritmo moderado, escreve o economista em relatório a clientes, deve prevalecer “até que a implantação de programas de vacinação em massa permitam maior mobilidade e atividade, particularmente no setor de serviços”.

Segundo o banco, apesar do crescimento significativo do terceiro trimestre, o PIB ainda está 4,1% abaixo do quarto trimestre de 2019 e 7,3% abaixo de seu melhor momento, no segundo trimestre de 2014. Ramos espera queda de 4,5% no PIB deste ano. Para 2021, a estimativa é de crescimento de 3,5%.

Safra - O desempenho da construção civil foi a principal surpresa negativa no PIB do terceiro trimestre. Com base na forte produção de insumos típicos da construção civil e no aumento das vendas de materiais, o banco esperava crescimento de 7,7% no segmento sobre o mesmo período do ano passado. O IBGE informou queda de 7,9%.

“Apesar do resultado bastante negativo e surpreendente, estimamos que este setor, extremamente sensível à taxa de juros, deve impulsionar o crescimento econômico nos próximos trimestres”, escrevem economistas do banco. O Safra manteve a expectativa de queda de 4,1% no PIB deste ano. Para 2021, a estimativa é de crescimento de 4,5%.

Haitong – O banco projeta retração de 4,5% em 2020 e pontua a incerteza sobre a magnitude do crescimento de 2021 por causa do recrudescimento da pandemia. “Podemos ter um fim de ano pior e um primeiro trimestre próximo de zero a negativo”, afirma Flávio Serrano, economista-chefe do banco, para quem o crescimento do PIB do próximo pode ser menor que o 3,4% estimado.

A vacinação, diz, ainda deve levar certo tempo. ABC Brasil - O consumo das famílias e a formação bruta de capital fixo cresceram menos que o esperado no PIB do terceiro trimestre. Para o banco, o resultado deixa a projeção para o PIB deste ano mais próxima de queda de 5,8%. Antes da divulgação do dado do terceiro trimestre, o banco estimava queda de 4,8%.

 

Projeções para Selic em 2021 evidenciam contrastes no mercado

Com a sensação de que 2020 já ficou no retrovisor, o mercado financeiro é unânime em relação à próxima decisão de política monetária do Banco Central e, agora, concentra todas as suas atenções nos rumos da Selic em 2021.

Em pesquisa conduzida pelo Valor com 82 instituições financeiras, a leitura consensual é de que a taxa básica de juros será mantida em 2% pelo Comitê de Política Monetária (Copom) no anúncio de semana que vem.

No entanto, as surpresas inflacionárias dos últimos meses e a indefinição fiscal no país geram grande divergência nas expectativas para 2021, com projeções que vão desde a queda da Selic a 1% até uma alta para 5%.

Diante de um cenário tão incerto para a economia brasileira em 2021, tanto a mediana quanto a moda das estimativas apontam para a Selic em 3% em dezembro de 2021, em linha com o observado no Boletim Focus do início da semana. Essa projeção é defendida por 22 das 82 casas consultadas.

O levantamento mostra, ainda, que 25 instituições veem uma taxa menor que 3% no fim de 2021. Dentre elas, 15 veem a manutenção da Selic no nível atual de 2%. Por outro lado, 35 profissionais acreditam que o juro básico ficará acima da mediana de 3%. O cenário “mudou totalmente” em relação ao observado antes da reunião de outubro do Copom, principalmente em relação à inflação, avalia o economista-chefe da Occam, Paulo Val, cuja projeção para a Selic no fim do próximo ano passou de 2% para 5% nos últimos dois meses.

“A perspectiva para a inflação sofreu uma mudança bastante relevante. É inegável que, além dos preços de alimentos, há algo mais estrutural e disseminado, e isso se reflete nos números mais fortes de núcleos também”, afirma o economista.

Para ele, a demanda mais aquecida de bens acaba por afetar a inflação e, junto a isso, há diversas evidências setoriais de falta de insumo. Val cita, ainda, os preços de energia elétrica, com a demanda voltando ao normal e operando em níveis acima dos vistos no ano passado. Antes de a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) fixar a bandeira vermelha 2 para dezembro, a Occam projetava IPCA de 3,8% no fim de 2021.

Após a alteração, a gestora elevou a estimativa para a inflação neste ano de 3,8% para 4,2% e reduziu a projeção para o IPCA de 2021 para 3,4%. Apesar de ter revisado para baixo a inflação do ano que vem, pressões estruturais devem levar o BC a antecipar o início da normalização da política monetária para maio - o que tende a contribuir para manter a inflação controlada.

Ele argumenta que o processo de recuperação econômica ainda se dará em duas velocidades ao longo do próximo ano, com uma dificuldade maior no setor de serviços, enquanto a indústria tende a se beneficiar um pouco mais, mesmo com o fim dos estímulos fiscais. “Não vai adiantar manter a taxa de juros muito baixa porque ela vai estimular principalmente o setor que já está bastante aquecido”, diz Val.

Do lado oposto da tabela está o economista-chefe da Macro Capital, Thiago Pereira, cuja visão aponta para a manutenção da Selic nos atuais 2% ao menos até o fim de 2021. “O governo deve reduzir as transferências de renda e a recuperação do mercado de trabalho ainda se mostra bem lenta. A dinâmica sobre o que vai acontecer com o emprego é fundamental e, no nosso cenário-base, a taxa de desemprego deve ficar acima de 13%, 14% até o fim do ano que vem, o que é uma condição para que a inflação se mantenha abaixo da meta e feche 2021 em 3,2%”, diz.

Pereira afirma ter dificuldade para enxergar a necessidade de juros acima de 2% em um cenário de continuidade do regime fiscal atual diante do tamanho da ociosidade no mercado de trabalho. “Reconheço que a questão fiscal pode ser um problema, até porque a pressão política para se fazer mais devido à pandemia pode pesar no cenário. No entanto, se não houver uma barbeiragem fiscal, o hiato do produto deve impedir uma aceleração da inflação em 2021.”

Em seu cenário básico, que contempla a Selic em 3% no fim do próximo ano, o economista-chefe do Itaú Unibanco, Mario Mesquita, supõe a manutenção do teto de gastos. “Se ele for rompido e seus gatilhos acionados, não deveria haver perda substancial de credibilidade quanto a essa âncora fiscal desde que um plano para voltar a níveis abaixo do teto seja traçado. Na ausência de um plano claro, o Copom pode interpretar que os riscos de flexibilização do teto aumentaram, o que muito provavelmente levaria o comitê a extinguir o ‘forward guidance’”, afirma.

O Itaú Unibanco projeta que o IPCA terminará 2021 em 3,1%, abaixo do centro da meta de 3,75%. Mesquita, inclusive, afirma que choques inflacionários de curto prazo são relevantes para a política monetária “apenas na medida em que, pelo canal de inércia, tenham impacto sobre projeções e expectativas de inflação no horizonte relevante para a política monetária”.

Para ele, a elevação recente das expectativas de inflação no Boletim Focus “ainda não indica o não cumprimento da meta inflacionária e continua em níveis que compensam, a nosso ver, a assimetria no balanço de riscos decorrente das incertezas fiscais e da preocupação com questões de natureza prudencial”.

Para o anúncio da próxima quarta-feira, a expectativa é que o Copom mantenha a taxa básica de juros inalterada nos atuais 2% e, mesmo sem grandes alterações, calibre a comunicação em relação às pressões inflacionárias no curto prazo e às expectativas para 2021.

“Acreditamos que o BC possa, em alguma medida, adaptar sua comunicação ao comportamento da inflação e à alta nas expectativas para 2021 [na Focus], incorporando esses elementos à sua descrição sobre o cenário macroeconômico”, afirma a economista-chefe da Canvas Capital, Camila Faria Lima, que vê inflação de 3,4% no fim de 2021 e Selic de 4,75% no mesmo período.

Porém, ela afirma que, “até o momento, o BC tem mantido em sua comunicação oficial o diagnóstico de que tais pressões tendem a ser localizadas ou temporárias, o que significaria a manutenção das sinalizações a respeito da postura da política monetária”.

Dessa forma, para boa parte do mercado, as diretrizes do “forward guidance” devem ser mantidas na comunicação do BC neste fim de ano. Ou seja, a autoridade monetária deve seguir com a indicação de que não pretende reduzir o grau de estímulo monetário desde que determinadas condições sejam satisfeitas, como a manutenção do regime fiscal e a ancoragem das expectativas de inflação.

“A inflação mais alta no curto prazo, amplamente movida por choques transitórios, e as expectativas de inflação levemente mais elevadas para 2021, em um contexto de elevados riscos fiscais, o que fomenta assimetria altista no balanço de riscos, podem levar o BC a abandonar a parte de mais curto prazo do forward guidance, em que a autoridade indica possibilidade de corte (pequeno) no juro básico”, avalia Mauricio Oreng, superintendente de Pesquisas Econômicas do Santander Brasil. Já o plano de voo com juros estáveis no médio prazo deve ser mantido na comunicação do Copom, na visão do Santander, que vê Selic estável em 2% até o fim de 2021.

Oreng alerta, porém, que a estabilidade de juros depende da âncora fiscal. “Em um cenário alternativo, simulado há dois meses, uma hipotética decisão de elevar gastos sociais por fora do teto geraria um cenário de condições financeiras e expectativas econômicas em que a autoridade monetária seria levada a subir o juro para 6% ao fim de 2021 e 9% ao fim de 2022.”

 

FOLHA

Guedes diz que economia volta em V e equipe espera avanço do PIB sem auxílio emergencial em 2021

O ministro da Economia, Paulo Guedes, afirmou nesta quinta-feira (3) que a atividade brasileira está se recuperando e voltando em V. Para ele, o avanço abaixo do esperado do PIB (Produto Interno Bruto) no terceiro trimestre foi influenciado por revisões que puxaram resultados anteriores para cima.

"É a economia voltando, voltando em V como dissemos antes. Houve revisões em trimestres anteriores, com crescimento um pouco para cima, então veio um pouquinho abaixo do esperado. Mas o fato é que a economia está voltando em V, realmente está voltando", disse em frente ao Ministério da Economia.

Ele comentou ainda o relatório publicado pelo FMI (Fundo Monetário Internacional) nesta semana, que afirma que as autoridades devem estar preparadas para fornecer apoio adicional na área fiscal.

Na visão de Guedes, o FMI está defendendo a retirada gradual dos programas. "O FMI está sugerindo o que estamos fazendo, que a retirada dos estímulos seja gradual", afirmou, citando em seguida o auxílio emergencial de R$ 600, que passou para R$ 300 e está marcado para acabar no fim do ano.

"Então a retirada está sendo gradual, exatamente como eles estão recomendando. Tanto que saiu uma apreciação deles elogiando o programa brasileiro", afirmou. "O Brasil foi uma das economias que voltaram com mais velocidade", afirmou.

A economia brasileira registrou crescimento recorde de 7,7% no terceiro trimestre de 2020 na comparação com os três meses anteriores, segundo dados divulgados nesta quinta-feira (3) pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). O número veio abaixo das projeções do governo e do mercado.

Apesar do crescimento recorde do PIB, a economia brasileira ainda não voltou ao nível pré-crise. Ainda está 4,1% abaixo do último trimestre de 2019. O resultado também se encontra 7,3% abaixo do pico registrado no início de 2014.

Em relação ao mesmo período de 2019, houve queda de 3,9%. O PIB recuou 5% no acumulado do ano e 3,4% em 12 meses.

A SPE (Secretaria de Política Econômica), do Ministério da Economia, publicou nota técnica nesta quinta sobre o PIB do trimestre. O texto afirma que houve forte recuperação da atividade, do emprego formal e do crédito, aliadas ao aumento da taxa de poupança.

Segundo a pasta, esses fatores "pavimentam o caminho para que a economia brasileira continue avançando no primeiro semestre de 2021 sem a necessidade de auxílios governamentais".

"É importante frisar que a retomada da atividade e do emprego, que ocorreu nos últimos meses, compensará a redução dos auxílios", diz a SPE.

Outro fator positivo na visão da pasta será a melhora das condições financeiras, que devem continuar impulsionando a atividade, principalmente com a retomada da agenda de reformas, e o aumento da poupança.

"O escudo de políticas sociais criado para amenizar o sofrimento econômico e social causados pela pandemia deve ser desarmado, dando espaço para a agenda de reforma estruturais e consolidação fiscal –único meio para que a recuperação se mantenha pujante", afirma a SPE.

Outros integrantes do governo comentaram o PIB nesta quinta. O ministro-chefe da Casa Civil, Walter Braga Netto, afirmou que a política econômica está dando resultados.

"Saiu hoje o resultado do terceiro trimestre. Ele foi 7,7% maior que o segundo trimestre. O melhor resultado desde 1996. Então a política econômica que o governo vem traçando, buscando minimizar os efeitos da pandemia, mostra que vem obtendo resultados", afirmou.

O vice-presidente, Hamilton Mourão, afirmou que a queda do PIB em 2020 não será tão significativa quanto as previsões. "O grande ponto é que as principais instituições davam que o Brasil teria uma queda grande e não será tão significativa", afirmou.

Mesmo assim, ele lamentou a retração a ser observada neste ano. "Vai ser uma queda, ter resultado negativo no PIB é muito ruim para o nosso país", disse Mourão.

 

ESTADÃO

'Recorde do PIB não significa o fim dos problemas', diz economista

O processo gradual de reabertura da economia no terceiro trimestre e os efeitos no consumo do auxílio emergencial dado aos brasileiros mais afetados pela crise da covid-19 fizeram o Produto Interno Bruto (PIB) subir 7,7% no período, em comparação com o segundo trimestre.

Para Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro do Instituto Brasileiro de Economia, da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV), no entanto, a alta recorde não significa o fim dos problemas causados pela pandemia e o desempenho fraco da economia no fim do ano deve levar a uma estagnação no começo do ano que vem. "A gente sabia que alguns setores estariam bem atrás, e muito estão bem distantes do patamar do terceiro trimestre do ano passado."  

O recorde do PIB no terceiro trimestre vem de uma base fraca, apesar de ser recorde. É um desempenho bom ou ruim?

Olhando só para o resultado do terceiro trimestre, acho que em termos de composição, veio até um pouco melhor do que eu imaginava - mas isso não quer dizer que eu esteja otimista. A gente sabia que alguns setores estariam bem atrás, e muito estão bem distantes do patamar do terceiro trimestre do ano passado, mas caso eu não estivesse olhando para o desempenho fraco do quarto trimestre, os dados do terceiro trimestre até poderiam me empolgar.

Ou seja, o presente e o futuro da economia ainda assustam?

O recorde do PIB não significa o fim dos problemas. O quarto trimestre tem sido desafiador e devemos ter um começo do ano que vem ainda muito difícil. A gente está prevendo um crescimento de 1,3% no quarto trimestre deste ano e 4,7% de queda do PIB para este ano. E só no segundo semestre do ano que vem o País deve conseguir acelerar o crescimento.

O desempenho do setor de serviços ainda preocupa?

Está difícil olhar com segurança para os dados de serviços, temos poucas informações. A visão que eu tinha era a de que esses segmentos, que pesam muito no PIB, deveriam frustrar as expectativas. Mas como a gente teve uma revisão um pouco menor do terceiro trimestre de 2019, o que veio agora pode até ser lido como uma notícia boa (o setor cresceu 6,3% em relação ao segundo trimestre). Os resultados mostram um pouco mais a normalização da economia, ainda que muito distante do ideal.

Chegou-se a falar de uma recuperação rápida, mas o quarto trimestre está sendo difícil. Houve otimismo demais?

É preciso ter cuidado ao se vender expectativas, a frustração é muito ruim, ainda mais em um contexto como este, não só de incertezas domésticas, mas mundiais também. O mercado sobe quando vem a vacina, mas tem um purgatório antes do paraíso. É preciso ter uma agenda mais clara para atravessar esse nevoeiro e os riscos hoje são mais negativos do que positivos, tem mais pressão por gastos por parte do governo, que podem ser ruins na dinâmica de inflação e juros.

Mas a frustração é que havia um otimismo exagerado com o terceiro trimestre e que tudo passaria rapidamente. Pandemia é uma coisa demorada. A gente vai começar 2021 mal e podemos nos sair bem, caso o País se mantenha no trilho fiscal. Só que ainda não sabemos o que vai sair desse debate intenso entre as demandas da sociedade e a falta de espaço no Orçamento. Mesmo que o governo consiga uma redução com as despesas, não vai poder dar nenhum auxílio aos mais pobres similar ao que se teve em 2020.

As incertezas sobre a vacinação, por parte do governo, podem postergar a recuperação da economia no ano que vem?

Sim, o que resolve o problema não é a vacina, mas a vacinação. A Europa vai mostrar logo a importância do planejamento - mesmo sendo países menores e de menor população. Eles devem se recuperar rapidamente no ano que vem e isso vai mostrar que quanto mais cedo houver a vacinação, melhor. Algumas vacinas são mais caras e difíceis de transportar do que outras, mas os governos que estão mais organizados devem conseguir fazer isso mais facilmente. É um desafio logístico muito grande e o Brasil não saber quando vai começar a vacinar é preocupante. Não sabemos se essa nova onda vai demorar a passar e precisamos ver se ela será controlada.

Isso pode aumentar a insegurança?

Algo que me preocupa é se o setor privado começa a vacinar antes do setor público. Isso daria uma sensação muito ruim. A gente não saber se vai conseguir fazer uma vacinação em massa também não é uma coisa fácil. Por isso, planejamento e liderança são tão importantes, mas falta um horizonte e uma segurança para a população, tanto do ponto de vista da saúde quanto da economia. Vamos pensar no fim do auxílio emergencial, previsto para dezembro: como o País vai enfrentar essa questão no ano que vem? A gente tem o Bolsa Família, um programa bem desenhado, outro de incentivo aos negócios, mas nada desenhado para a informalidade. É muito decepcionante: a pandemia expôs muitas desigualdades do mercado de trabalho, que sempre estiveram ali, mas não eram notadas.

 

‘Perdemos a capacidade de planejamento.  É urgente ter um plano fiscal’

Diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente  (IFI) do Senado, o economista Felipe Salto sugere a criação de um teto de gastos 2.0 combinado com medidas de aumento de receitas. Décimo e último entrevistado da série do Estadão Saídas para a Crise Fiscal, Salto diz que o governo precisa botar na mesa medidas para a volta ao azul, com superávits primários nas suas contas.

O economista defende uma ponte de transição na regra para financiar os gastos adicionais que devem surgir com uma eventual necessidade de prorrogação do auxílio emergencial em 2021 e o pagamento das vacinas para acabar com a pandemia da covid-19. “O teto não é um Fla-Flu. A regra foi positiva e teve o seu valor, mas para que ela não seja abandonada terá de ser adaptada. Apenas corrigir pela inflação não vai funcionar”, diz.

Para ele, é possível ser feito um regime temporário, mantendo o teto e abrindo espaço para os gastos que vão ser necessários. A palavra chave, diz, é transparência. “Por isso, a meta de resultado primário das contas públicas passa a ter uma importância muito grande”, avalia.

● O sr. já disse que o teto de gastos não é a Santa Sé. O que significa isso?

Estamos vivendo no Brasil um momento de muita polarização. Quando ela está fundamentada em questões técnicas e avaliações, até pode ajudar a explicitar o que as pessoas pensam e seus diferentes pontos de vista. Mas essa polarização danosa que estamos vendo acaba apenas turvando o debate e prejudicando a discussão das questões fundamentais, como é o caso das regras fiscais e do teto de gastos (regra que impede que as despesas cresçam em ritmo superior à inflação), particularmente.

● Como assim?

Tem o grupo dos que são a favor do teto e não abrem mão e tem aqueles que dizem que se deve abandonar o teto, pois seria muito ruim. Na verdade, o que precisamos é encontrar o caminho do meio. Quando eu disse que o teto não é a Santa Sé, quis dizer que aprimorar as regras fiscais é positivo. Se for possível regulamentar os gatilhos (medidas de contenção de gastos, focadas principalmente nas despesas com servidores públicos) ou pensar numa combinação de resultado primário (receitas menos despesas sem levar em conta o pagamento dos juros da dívida) que envolva o lado das receitas, isso seria salutar. Não adianta dizer que é a favor do teto, como o governo tem feito, se os números não fecham. Quem faz um mínimo de contas e planilhas vê que no próximo projeto de Orçamento tem uma despesa discricionária (aquelas que não são obrigatórias e incluem, por exemplo, investimentos) de R$ 108,4 bilhões. Destes, R$ 16,3 bilhões são emendas parlamentares (indicações feitas por deputados e senadores de onde os recursos federais são aplicados). Se tirar essa parte, sobra algo como R$ 92,1 bilhões, que é um nível extremamente baixo. O governo precisa mostrar que esse nível é suficiente para não parar a máquina pública e paralisar as políticas que estão lá. E, mais do que isso: como vai incorporar os gastos quase certos, como algum auxílio para as pessoas mais pobres e compra de vacinas.

● Esses gastos adicionais já são certos?

Vão ter de acontecer. E qual o espaço orçamentário? Não existe.

● Vai faltar dinheiro no orçamento para pagar vacina?

Não há necessidade, se houver planejamento. Tem alguns caminhos. Se ele não colocar no Orçamento agora, pode fazer crédito extraordinário no ano que vem. Vai ficar um orçamento paralelo.

● Mas a necessidade de vacinas era previsível desde sempre. Se encaixa em crédito extraordinário para despesas imprevisíveis e urgentes?

Como não é uma despesa imprevisível, o ideal seria contemplar no Orçamento. Para resolver, o governo deveria abrir espaço orçamentário este ano, seja pelo lado da receita, seja pelo da despesa.

● Como sair do impasse que é vivido há meses?

No grosso das despesas obrigatórias tem pouco espaço para cortar. Teria os subsídios creditícios, que têm previsão de R$ 14 bilhões em 2021. Mas aí também tem programas tradicionalmente importantes, no agronegócio, por exemplo. Não tem saída fácil. A primeira coisa que o governo precisa fazer é calcular quais são as despesas extras. Nós, da IFI, fizemos uma simulação e calculamos que, se o auxílio de R$ 300 for estendido por quatro meses para um contingente de 25 milhões, o gasto seria de R$ 15,3 bilhões. Seria um pecado mortal compensar com aumento de arrecadação? Não seria. Precisa é comunicar direito.

● O Congresso precisaria aprovar uma PEC?

Eu fico um pouco pessimista porque é um assunto um pouco complexo para ser resolvido em poucos dias. A saída é claramente o governo dar uma interpretação para o acionamento dos gatilhos ou avançar na PEC emergencial (proposta em que estão previstas as medidas de contenção de gastos). Isso construiria uma ponte para ganhar tempo para discutir a questão do indexador do teto. O governo deveria dar uma solução, ainda que fosse temporária, para que, ao longo do próximo ano, pudesse discutir a mudança do indexador do teto (hoje, o teto é corrigido pela inflação inflação acumulada em 12 meses até junho do ano anterior ao da vigência). Isso seria um caminho. Pelo visto, o governo não vai fazer isso.

● Nesse caso, o que pode acontecer?

O projeto de Orçamento está completamente descolado da realidade. Vai chegar janeiro e será preciso necessariamente fazer o auxílio. Vai ser uma espécie de gestão de risco. Quando chegar 31 de dezembro e não tiver mais auxílio para janeiro, decide-se fazer mais um mês. Qual a saída? Crédito extraordinário e, aí, precisa combinar com os russos. Precisa ver como o TCU vai encarar essa realização de crédito extraordinário, sendo que há alguns meses já se sabe que possivelmente esse gasto seria necessário e o governo vai argumentar que não, que estava esperando ter mais certeza sobre essa necessidade.

● A discussão de regras orçamentárias não está se sobrepondo à realidade do País?

Perdemos a capacidade de planejamento.  É urgente ter um plano fiscal.

● O que é um plano fiscal na sua avaliação?

Não importa se é receita ou despesa. É preciso recuperar os resultados primários. É uma questão de expectativas. Precisa mostrar um plano de aumento de receita e corte de gastos. Por isso, a meta de resultado primário das contas públicas passa a ter uma importância muito grande. Esse plano deveria comportar uma conta de cálculo da sustentabilidade da dívida, que é o que mais importa, anunciando as medidas do lado das receitas e despesas, que num conjunto possa produzir um superávit (quando as receitas superam as receitas). É fácil? Não é, mas, sem abandonar esse teto, modernizando, caminhar para um teto 2.0 e combinar isso com medida do lado das receitas.

● O que é um teto 2.0?

Olhar para as regras fiscais, como o FMI manda fazer, e observar que uma regra que não tem válvula de escape e regras que não permitem certa flexibilidade em períodos de exceção não são as melhores. Precisamos sofisticar. O teto não é um Fla-Flu.  A regra foi positiva e teve o seu valor, mas, para que não seja abandonada, terá de ser adaptada. Apenas corrigir pela inflação não vai funcionar. Essa modernização poderia envolver a questão do indexador. Existem outras propostas como a do Fabio Giambiagi e do Guilherme Tinoco (economistas) de discutir a questão dos investimentos (para criar uma espécie de "subteto" para os investimentos). Não cabe à IFI dar recomendação. Mas, quando calculamos os números, fica muito claro que está impossível cumprir o teto por muito mais tempo. Talvez o  governo consiga cortar a despesa discricionária por mais tempo. Eu lembro que em 2019 o contingenciamento gerou reação importante de algumas áreas, como bolsas do CNPq,  e começa a pegar no calcanhar de setores que são importantes. Não dá para imaginar que, nesse contexto pandêmico, o Brasil não possa desviar um milímetro do que foi pensado em 2016.

●  O que deveria ser feito?

Criar uma transição. Estou chamando de ponte. Comprar tempo, alterar as regras, temporariamente, para que a gente possa discutir um aprimoramento do teto.

● Uma pinguela?

Eu li recentemente um artigo do Gustavo Loyola (ex-presidente do BC) que disse que já está meio precificado que o teto não será cumprido no ano que vem. Resta saber o que vai ser o contorno que vão fazer na regra.

● É preciso esse contorno?

Entra a questão da economia política. Não podemos dar um cavalo de pau. De repente, o teto, que era uma âncora, agora vai ser jogado fora. Não. Tem de ter cuidado. O momento é delicado. É possível ser feito um regime temporário, mantendo o teto e abrindo espaço para os gastos que vão ser necessários. A palavra chave é transparência.

● O FMI fala da retirada gradual dos estímulos.

Sim. Não é razoável fazer R$ 600 bilhões (a estimativa de gastos para o combate à pandemia neste ano) e no ano seguinte, zero. Até porque vai ter muita gente à margem do mercado de trabalho. Alguma ajuda terá de ser feita.

● Como fica o dinheiro para o pagamento das vacinas?

O governo terá de dizer se vai colocar dinheiro na vacina ou deixar tudo na mão dos Estados, como também o auxílio. Como financiar essa ajuda? Falta essa diretriz. Estamos a ver navios. Não tem uma proposta. Estamos em dezembro. Não adianta mandar propostas complexas e falar que a bola está com o Congresso. Tem de sentar, negociar. Política é isso.

● A disputa da eleição para a presidência das duas Casas parou as votações das propostas.

O Congresso está fazendo até demais. Aprovou projeto de autonomia do BC, depósitos voluntários (que permite às instituições recolher recursos no BC em troca de remuneração),  Lei de Falência...

● Por que a votação das diretrizes do Orçamento não avança?

Não acho que seja por causa da disputa da mesa (eleições para a presidência). É porque o TCU fez um questionamento claríssimo a respeito da meta flutuante (o governo não fixou uma meta para o rombo nas contas públicas em 2021, mas uma "meta flexível", que seria um resultado das despesas, limitadas pelo teto, e das receitas, que podem variar conforme a intensidade da recuperação da economia). Não existe meta flutuante.

● A meta fiscal pode ser flexível como foi proposto pelo governo?

A LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal) é claríssima. Meta tem de ser calculada e fixada como um compromisso a ser perseguido, a partir do esforço combinado do lado da receita e da despesa. Não pode “flutuar”, como foi proposto em abril. Era fava contada que o TCU questionaria. E está correto. Ou tem meta ou não tem.

● Já está em curso uma transição de política econômica?

Não vejo isso. O governo, na verdade, está perdido. O Paulo Guedes é um economista que tem formação, que deve ser respeitado. Mas o que  vemos, por exemplo, quando é questionado de reforma, ele volta a falar de CPMF (o ministro defende um novo tributo sobre todas as transações que é comprado ao antigo imposto sobre o cheque), desoneração (redução dos encargos que as empresas pagam sobre o salários dos funcionários), coisas fora da pauta. Esse é o plano? Como vai ser feito? O Congresso já aceitou? Do lado dos gastos, ele falou em unificar os programas sociais, e até agora nada.

● Como a IFI enxerga o resultado do PIB do terceiro trimestre?

O PIB indica uma recuperação, mas ela é inferior à apontada pelo índice de atividade do Banco Central. Houve certa frustração, se observarmos a média das expectativas de mercado. Destaca-se que, na margem, a indústria avança acima de 14% e serviços crescem acima de 6%. Mas, em relação ao mesmo trimestre do ano anterior, a recessão é ainda expressiva. Na verdade, o PIB só voltará ao nível pré-crise em 2022. Além dos riscos da segunda onda da covid e da incerteza sobre esse tema, há confusão e pouca transparência nas ações de compra de vacinas e combate em geral. O Brasil perdeu tração no motor do crescimento. Para recuperar, só com aumento da produtividade, o que está ligado ao bom investimento em educação e em infraestrutura. Está ligado, ainda, à maior inserção das empresas brasileiras nas cadeias globais de valor.

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