VALOR
Brasil evitou abismo, mas não se afastou do risco, diz Akira
O bom humor dos investidores globais, que tem impulsionado os ativos brasileiros nas últimas semanas, pode ter um efeito colateral por aqui. O risco é de que essa animação crie uma complacência com os graves problemas do país e amenize o senso de urgência em resolvê-los. Esta é a avaliação do economista-chefe da BlueLine Asset, Fabio Akira.
Nesta segunda, durante a Live do Valor , ele disse que o Brasil evitou “cair no abismo” no curto prazo, mas não se afastou do risco. “No fim das contas, parece que o governo decidiu não pular no abismo ao não renovar auxílios emergenciais sem endereçar a sustentabilidade deles no médio e no longo prazo. Isso reduziu um pouco o risco fiscal de curtíssimo prazo, mas os problemas de médio e de longo prazo não foram endereçados.”
Akira diz que também faltou abordar o processo de transição para o fim do auxílio emergencial, o que acaba deixando o país em uma situação fiscal bastante complicada na virada do ano. “Não é tão drástico porque tem fluxo de pagamento em janeiro, mas a transição ao longo de janeiro vai ser bastante dura”, afirma.
Para ele, esse é um fator negativo do ponto de vista de crescimento, pressão política e social. Além da própria inabilidade do governo, a dificuldade de coordenação é influenciada pela mudança de comando na Câmara e no Senado, diz.
Para Akira, o foco e a inclinação deste governo em aprovar medidas fiscais estruturais parecem ter diminuído. “Parece que a segunda parte do mandato vai ser bem menos focada nas questões fiscais e estruturais. Portanto, a chance de ter aprovação de reformas de médio e longo prazo, como reforma administrativa, PEC emergencial, PEC dos fundos públicos, de desindexação, diminuiu bastante.”
Essa mudança afeta, ainda, o papel do ministro da Economia, Paulo Guedes, no governo. “Eu ainda acho muito importante o papel do ministro Paulo Guedes, mas parece que, em função de tudo o que está acontecendo no resto do governo, o papel mudou de um ministro mais propositor e que determinava a agenda econômica para um ministro mais na defensiva e que tenta manter risco fiscal minimamente controlado”, explica.
Outra consequência da falta de visibilidade fiscal é o investimento ainda moroso no país, o que afeta o crescimento. Akira projeta expansão de 3% do PIB em 2021 — aquém da expansão de 5% a 5,5% esperada para a economia global. “Não é totalmente desprezível, mas é muito fraco com comparação com o crescimento global.”
Apesar dos problemas locais, o que tem favorecido os ativos brasileiros é o ambiente global. De acordo com Akira, o cenário de liquidez global, retomada cíclica da economia e o menor risco geopolítico – devido ao desfecho das eleições nos EUA – sustentou a busca por ativos emergentes nas últimas semanas. “Ativos que estão mais baratos, não muito congestionados de investidor estrangeiro e que tenham relação com o ciclo global de crescimento são beneficiados.”
Um dos riscos seria um possível erro na política econômica em países desenvolvidos e na China que apontem para uma normalização ou redução de estímulos muito prematura. “Foi o que aconteceu na crise financeira de 2008 e 2009, com ‘taper tantrum’, quando o banco central americano sinalizou que iria comprar menos ativos e o mercado não reagiu bem. Se houver uma redução um pouco mais prematura da liquidez, aí os fundamentos mais alinhados ou menos alinhados farão a diferença dentro dos emergentes.”
Isso seria grave para o Brasil, porque é justamente o ambiente de juros baixos no mundo que ajuda a dar alguma estabilização para a relação dívida/PIB no Brasil. “Se houver erro de política econômica do BC americano, vai ser muito difícil o BC manter juros em nível extremamente baixos por muito tempo. Aí entra a bola de neve da dinâmica da dívida pública, em que não só o resultado primário é largamente negativo, mas também a conta de juros começa a crescer”, afirma.
Em seu cenário básico, o economista acredita que o processo de normalização da política monetária se dará de forma bastante gradual e terá início no ano que vem.
Um processo que deve começar antes, porém, é o de alteração na comunicação do BC, tendo em vista que a janela móvel de 12 meses da inflação vai acelerar. “Podemos chegar a ver o IPCA em 6,5% no segundo trimestre e, nessa hora, o BC fará pequenas modificações na comunicação”, afirma Akira.
Para ele, o “forward guidance” deve ser retirado ou na reunião de março do Copom ou no encontro de maio. “Ao longo do segundo semestre, vamos começar a ver uma política bem gradualista de normalização de taxa de juros. Dá para terminar o ano com a Selic em 3,5%”, diz.
Economia ruma para trimestres de fraqueza, diz Ibre
A atividade econômica brasileira caminha para números fracos nos próximos trimestres por causa do recrudescimento da pandemia, do término das medidas de auxílio e das fortes incertezas que cercam o cenário fiscal, avalia o Boletim Macro do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV), publicação mensal divulgada com exclusividade para o Valor.
A edição de dezembro também chama atenção para o perigo de complacência com a questão fiscal em meio a um cenário externo mais favorável, com aumento do apetite por risco entre os investidores e melhora das condições financeiras.
Depois de crescer 7,7% no terceiro trimestre sobre o segundo, descontados os efeitos sazonais, o PIB do país deverá aumentar apenas 1,3% sobre o período de julho a setembro. Na comparação com o mesmo período do ano passado, a previsão é de queda de 3,6%, um recuo maior que o apontado pela mediana das estimativas do boletim Focus, do Banco Central, de 2,5%.
Ao longo do primeiro semestre de 2021, a atividade deve ter desaceleração significativa e oscilar em torno de zero. Para o ano, a projeção é de um crescimento no PIB de 3,6%, pouco acima dos 3,5% estimados em novembro, uma revisão influenciada pela projeção para 2020, que saiu de queda de 5% para recuo de 4,7%.
Boa parte da projeção do crescimento em 2021 é creditada ao chamado carregamento estatístico. “Estamos num quarto trimestre ainda muito difícil e com um mercado de trabalho ruim”, afirma Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro.
A economista observa que a redução do auxílio emergencial em conjunto com o aumento da inflação tem afetado o consumo de bens neste fim de ano, o que provocou revisões baixistas nas estimativas para a indústria e o comércio no período.
E como ocorreu no segundo trimestre, a pandemia deve reduzir o PIB da saúde pública e privada, segmentos importantes do setor de serviços, que paralisam suas atividades corriqueiras para abrir espaço para o atendimento aos doentes da pandemia. “O que estava se recuperando deve dar um passo atrás. Acredito que caminhamos para PIBs bem fracos”, afirma Matos.
Outro segmento que frustrou previsões no terceiro trimestre e deve voltar a mostrar números baixos é a construção, o que deve afetar os investimentos. A formação bruta de capital fixo, medida do que se investe em máquinas, equipamentos, construção, pesquisa e desenvolvimento, deve cair 2,3% no quarto trimestre ante o terceiro, quando subiu 11% sobre o segundo.
As indicações de desaceleração da atividade também aparecem nas sondagens de confiança, em que os índices, com exceção da indústria, recuaram em outubro, novembro e na prévia de dezembro, reflexo da preocupação com os riscos de uma segunda onda de covid-19 no país e com o fim dos programas emergenciais.
Nas empresas e entre os consumidores o clima é de cautela. Na média, 39% deles estão poupando para se precaver da crise e, entre esses, 73% pretendem continuar poupando no curto prazo. Entre os que pretendem gastar, grupo que está na faixa com maior poder aquisitivo, boa parte pretende utilizar os recursos apenas no segundo semestre.
“Com o aumento no número de casos de covid-19, empresas e consumidores adiam investimentos, contratações e consumo”, diz o boletim. Em meio a uma velocidade de recuperação incerta da atividade, causa especial preocupação o fato de o governo entrar 2021 sem instrumentos para reduzir gastos obrigatórios e viabilizar tanto o cumprimento do teto de gastos quanto o atendimento de demandas da pandemia, diz Silvia.
A PEC Emergencial, assim como a definição do Orçamento, foi adiada para depois da eleição dos presidentes da Câmara e do Senado, em fevereiro. Apenas para manter as despesas sob o teto de gastos seria necessário contingenciar R$ 27 bilhões em 2021, projeta o Ibre.
“Há uma demanda forte em áreas como saúde e não se consegue mudar aqueles gastos obrigatórios, como benefícios e renúncias tributárias, salários de servidores. As PECs dariam instrumentos para isso”, diz.
À dificuldade em cortar despesas obrigatórias para manutenção do teto se soma o risco de complacência com a questão fiscal num momento de melhora na percepção dos investidores em relação aos emergentes por causa da melhora do cenário externo.
O quadro recente de redução de risco, enfraquecimento do dólar, aumento dos preços de commodities, retorno do fluxo estrangeiro, alta da bolsa e queda dos juros longos pode reduzir o senso de urgência das reformas necessárias para a manutenção do teto de gastos e a solvência fiscal, escrevem Silvia e Armando Castelar Pinheiro, coordenador de Economia Aplicada do Ibre.
A simples ausência de qualquer novidade fiscalmente desconfortável acabou sendo vista como uma boa notícia. “É recorrente essa complacência na nossa história em períodos de melhora das condições externas. Mas mesmo melhorando estamos longe de outros emergentes, como Colômbia, México, com moedas bem mais valorizadas”, comenta Silvia.
Caso o quadro externo mude e os investidores resolvam tirar recursos do país, há risco “não trivial” de crise à frente, afirmam os economistas.
‘Problema fiscal e incerteza econômica afetam investimento’
A retomada da economia brasileira em 2021 terá uma parte fácil, acionada pela simples normalização da atividade, mas, depois da recuperação cíclica, o país tende a voltar à toada de crescimento medíocre se não aprovar reformas de “bom conteúdo”, diz Alberto Ramos, diretor de pesquisa econômica para América Latina do Goldman Sachs.
Para ele, o desafio que se impõe no próximo ano é o mesmo enfrentado nas últimas duas décadas: a questão fiscal não deve ser totalmente resolvida, o que atrapalha a vinda do “crescimento difícil”, com origem no investimento.
“O país tem dois problemas centrais: o pandêmico e o endêmico. O problema pandêmico é a covid, que se resolve com o tempo e com uma vacina. O endêmico é o dos últimos 20 anos, um problema estrutural de crescimento baixo, investimento baixo, poupança baixa”, afirmou Ramos em entrevista ao Valor.
Em suas estimativas, o PIB brasileiro terá expansão de cerca de 4% em 2021, o que considera um número “razoável”. Destes, três pontos percentuais devem ser garantidos pelo carregamento estatístico deixado pelo segundo semestre de 2020, quando houve uma retomada em “V” da economia.
Do lado positivo, o Brasil terá a ajuda de um ambiente externo favorável em ao menos parte de 2021, diz Ramos, com dólar fraco, cotações de commodities mais elevadas, política monetária “extraordinariamente acomodativa” dos bancos centrais das economias avançadas e otimismo trazido pela vacina.
Na economia doméstica, segundo ele, o maior impulso virá da normalização de setores bastante afetados pela pandemia, como os serviços, com um segundo semestre mais forte após a imunização em massa da população.
A trajetória das contas públicas, porém, seguirá no centro do debate nos próximos anos, avalia o economista, que vê o Brasil como um dos países com situação fiscal mais preocupante no continente, ao lado de Argentina e Equador. Deve haver alguma melhora do risco fiscal em 2021, porque reformas serão aprovadas, mas o alívio esperado é pequeno, avalia Ramos. “Infelizmente não espero grandes avanços e reformas. Espero que passe alguma coisa, mas com conteúdo relativamente aguado, fraco.” Confira a seguir os principais trechos da entrevista:
Valor: O PIB brasileiro deve ter queda de 4,5% em 2020 pelas suas projeções, mais modesta do que o recuo de 7,2% previsto para o PIB da América Latina, graças à grande dose de estímulos feita pelo governo. Essa “vantagem” do Brasil em relação a seus pares se mantém na retomada em 2021?
Alberto Ramos: A economia brasileira vai contrair menos do que a média da América Latina, mas é uma contração de 4,5%, depois de gastar mais de 8% do PIB. A gente gastou o que pôde e o que não pôde para ter uma contração menor. Outros países vão contrair mais, mas também não se endividaram. Depois vai vir pela frente um ajuste fiscal mais severo do que em outras economias. A gente resolveu dar algum apoio em 2020, mas vai pagar em prestações nos próximos anos. Vai retirar algum potencial de crescimento e diminuir um pouco o crescimento nos anos vindouros para que se faça essa consolidação fiscal que ficou mais urgente e mais difícil. O México vai cair 8,9%, o dobro do Brasil, mas não gastou 8% do PIB; gastou menos de 1% do PIB. É o mesmo que dizer que você foi a um restaurante e o Brasil teve uma refeição melhor que todo mundo, mas pagou o dobro. É uma questão de custo-benefício.
Valor: Que desafios isso coloca para o crescimento do Brasil em 2021?
Ramos: O mesmo dos últimos 20 anos. Há que separar duas coisas. Uma é o crescimento da retomada. Este é fácil. Há muita margem de ociosidade na economia, setores de serviços continuam sendo muito afetados pela pandemia. À medida que a situação da covid-19 for melhorando, e com a eventual aprovação de uma vacina e um programa de vacinação da população em geral no segundo semestre, você pode continuar a remover algumas das restrições que ainda existem à movimentação e à atividade. Isso acaba por libertar a energia contida de alguns setores que estão operando bem abaixo do normal, como turismo e redes culturais e esportivas. Isso será uma função direta da rapidez e competência de lidarmos com a pandemia, e se aplica ao Brasil e a todos os outros países. Quando se esgotar essa energia contida, a gente vai ter que andar pelas próprias pernas. Aí é que vem o crescimento mais difícil, que é o que vem com o investimento, e o Brasil continua com o crescimento potencial bastante limitado, com a questão fiscal não resolvida de todo. As decisões de investimento de médio e longo prazo continuam muito contraídas pela incerteza econômica e pela vulnerabilidade fiscal.
Valor: O que pode ajudar o crescimento no próximo ano?
Ramos: 2020 teve duas metades. A primeira, em que a atividade contraiu a um nível recorde, e depois uma bela de uma recuperação em “V” que veio da combinação da retirada das restrições à mobilidade e de uma dose massiva de estímulos fiscal e monetário. Isso gera um carrego estatístico de quase três pontos do PIB para 2021. Ou seja, mesmo que o PIB não crescesse nada em 2021, já cresceria em média 3% no ano só pelo efeito estatístico. Vamos atravessar um primeiro semestre de crescimento relativamente modesto, que acelera no segundo semestre com efeito benéfico da vacina, e também porque o Brasil vai operar em 2021 num entorno externo relativamente favorável. Mas neste momento o país tem dois problemas centrais: o pandêmico e o endêmico. O problema pandêmico é a covid, que se resolve com o tempo e com uma vacina. O problema endêmico é o dos últimos 20 anos, um problema estrutural de crescimento baixo, investimento baixo, poupança baixa. Esse problema endêmico continua em 2021, 2022, 2023... A não ser que a gente aprove reformas que tornem a economia mais eficiente, mais flexível, que resolvam o problema fiscal. Senão, depois dessa recuperação, voltaremos a essa toada do crescimento medíocre.
Valor: Como será o ambiente para aprovação de reformas em 2021?
Ramos: O Congresso vai para o recesso até fevereiro. Depois há eleição para a liderança da Câmara e do Senado. Vamos ver como fica a governabilidade depois deste processo. Depois se abre uma janela de oito meses para aprovar algumas reformas e seria importante que elas de fato avançassem e fossem robustas, porque não vale a pena aprovar uma reforma se o conteúdo dela for muito frágil, fraco. Este é meu temor, que se aprove uma reforma tributária meia dose, minimalista, que se aprove uma reforma administrativa que faça pouca diferença em termos de ajuste fiscal. Se a gente não avançar nessa agenda, no melhor dos casos, a gente volta ao equilíbrio de crescimento medíocre. No pior dos casos, pode haver uma crise de proporções maiores.
Valor: Se essas reformas forem feitas, podemos sair desse crescimento medíocre já em 2022?
Ramos: As reformas têm um benefício cumulativo e gradual. Não é uma bala de prata que você faz as reformas e tem um festival de crescimento em 2022. Mas ajudaria. Se durante 2021 aprovasse algumas reformas com conteúdo bastante bom, isso melhoraria muito os indicadores de sentimento, as condições financeiras domésticas ficariam mais expansivas, porque o câmbio apreciaria, o spread de crédito cairia, a taxa longa de juros também, e isso poderia levar a uma aceleração do crescimento. Poderia sim dar um belo impulso já em 2022 e para frente.
Valor: Voltando um pouco a 2021, o sr. disse que estima que o carrego estatístico de 2020 para o ano seguinte será de cerca de 3%. Isso significa que o crescimento marginal será muito baixo?
Ramos: Não, é razoável. Estamos estimando crescimento entre 3,8% e 4% para 2021. Vem um primeiro semestre em que não há ainda o efeito da vacina e você vai ter uma contribuição negativa da política fiscal, pelo fato de alguns desses programas terminarem no fim de 2020, ou se continuarem, continuam por mais alguns meses e eventualmente acabam. Então tem um período de crescimento relativamente modesto no primeiro semestre, acelerando no segundo.
Valor: Com a retirada do auxílio emergencial, pode haver alta muito forte do desemprego? E qual o impacto no PIB do primeiro trimestre?
Ramos: Não necessariamente pode haver retração do PIB no primeiro trimestre. Não é o nosso cenário. A economia está normalizando, a atividade está voltando. A gente não pode viver de assistencialismo para sempre. Não é um equilíbrio saudável e para além do mais nós não temos condição de suportar financeiramente esse custo. Mas a esperança é que, conforme a economia continua a recuperar, também aumentam as oportunidades de emprego e renda. A própria dinâmica da recuperação da economia acaba por criar condições para que a população gere sua própria renda através de emprego e atividades sem necessitar da muleta fiscal das transferências.
Valor: Em seu último relatório sobre a região, o sr. afirma que as questões fiscais permanecerão no centro do debate da política econômica no continente, com vários graus de preocupação entre investidores. Como está o Brasil nessa escala de preocupação?
Ramos: Os três países que mais preocupam seriam Argentina, Equador e Brasil. E não é na companhia desses países que o Brasil quer estar. Um é uma economia dolarizada com problema com o FMI. O outro é uma economia semi-dolarizada, com problemas seríssimos, que acabou de dar um calote da dívida e está em negociação com o FMI. O Brasil tem um pouco mais de margem de liberdade para lidar com o problema fiscal, porque não tem a restrição de funding do déficit que esses dois países têm. O Brasil tem um mercado local profundo e bastante líquido, que ajuda bastante. Mas não é que um déficit fiscal elevado não tem implicações macroeconômicas negativas. O Brasil está com uma dívida pública que vai chegar no 90% e pico [de PIB], com sete anos consecutivos de déficit primário e pelo menos mais três anos de déficit pela frente. Vamos chegar a um ponto em que a gente vai ter que mudar de regime fiscal, ou o regime acaba conosco.
Valor: Na sua avaliação, o governo vai conseguir voltar ao regime de consolidação fiscal?
Ramos: Não sei, mas que deveria, deveria. Olhando para trás, não dá para ficar muito esperançoso, porque a coisa tem ficado muito devagar e a questão fiscal já vem desde o governo Dilma Rousseff. Se vai dar conta ou não, eu sempre repito que é uma responsabilidade compartilhada entre Congresso e governo. O que eu espero? Infelizmente não espero grandes avanços e reformas. Espero que passe alguma coisa sim, mas com conteúdo relativamente aguado, fraco. Uma reforma tributária, mas que não seja aquela que a gente necessita. Uma reforma administrativa com alguns pontos, mas não com outros. Acho que passa alguma coisa para evitar uma crise fiscal, mas não o suficiente para liquidar a questão fiscal. Infelizmente acho que a gente ainda vai continuar a falar da questão fiscal no país por vários anos.
Valor: O risco fiscal permanecerá elevado então no ano que vem...
Ramos: Pode até melhorar um pouco na margem, não é que nada acontece. Mas pensando em mudança de regime fiscal, em reformas que criam um caminho credível, que vão levar ao superávit primário, que põem a dívida em uma trajetória descendente, em um tempo relativamente curto... Acho que isso não acontece.
Valor: Quando a relação dívida/PIB deve se estabilizar?
Ramos: Não tenho ideia. Acho que, no melhor dos casos, daqui a dois ou três anos.
Valor: Ainda no seu último relatório, o sr. aponta que a dinâmica da covid-19 se deteriorou no continente nas últimas semanas e o número de novos casos está se aproximando dos recordes atingidos em agosto, com piora acentuada no Brasil. Esse seria um grande risco à retomada da economia brasileira?
Ramos: Sem dúvida. Diria que é o principal risco. Que essa segunda onda de covid leve a algum retrocesso no processo de reabertura da economia. Ou que mesmo que não haja retrocesso na reabertura, as pessoas fiquem mais defensivas, com medo do vírus, e diminuam a mobilidade, o que impacta a atividade. No curto prazo o maior risco é a gente potencialmente ter que lidar com uma segunda onda bem intensa antes que chegue a vacina.
Valor: O sr. prevê alta de 3,7% para o IPCA em 2021, mas a inflação média no ano seria mais alta, de 5,5%. A dinâmica inflacionária ainda será preocupante?
Ramos: Sim e não. A inflação acelerou muito no último trimestre de 2020, então as taxas anuais de inflação vão se manter bastante altas no primeiro semestre. É possível que a inflação anual seja de 6% em maio. A gente vai terminar 2020 com a inflação de alimentos rodando a 21%. A inflação de alguns produtos industriais também acelerou por uma questão de demanda aquecida pelas transferências e algumas dificuldades com estoques e produtos intermediários. Esses dois problemas em princípio se resolvem durante 2021. A inflação de alimentos provavelmente se modera bastante e a demanda por alguns produtos industriais também normaliza, porque as pessoas não vão comprar mobiliário ou algum tipo de equipamento para trabalhar de casa uma segunda vez. E a composição de estoques e problemas na cadeia de produção pela falta de insumos também normalizam. Aí, ficamos com uma inflação guiada pelo hiato do produto e pela margem de ociosidade no mercado de trabalho, que é muito significativa. O Brasil não tem neste momento um problema de inflação. Tem inflação alta por esses dois choques e ano que vem talvez um pouco de aumento de preços administrados, e alguma pressão de inflação de serviços com a normalização da economia. Mas é uma inflação que vai ficar próxima da meta de 3,75%.
Valor: O que essa trajetória aponta para a política monetária?
Ramos: Não é por aí que o Banco Central tem que normalizar a política monetária, que está extraordinariamente acomodativa. À medida que a economia vai normalizando, não é necessário manter a política monetária a este nível. À medida que o Banco Central começar a mirar 2022, com meta de inflação de 3,5%, começa a ser hora de subir o juro um pouquinho, gradualmente. Não é o Banco Central afobado ter que correr e dar um choque de juros. A política monetária ainda será estimulativa em 2021.
Valor: Quando o BC começaria a subir a Selic e para que nível?
Ramos: Temos o Banco Central começando no segundo semestre, para 3%. O risco é que comece mais cedo e suba mais, dependendo de como evoluir a questão fiscal e a própria inflação. Como a inflação acelerou muito, afetou o risco de criar efeitos de segunda ordem.
Valor: O real deve se apreciar no próximo ano?
Ramos: O dólar fraco pode dar algum impulso positivo ao câmbio. Se passassem boas reformas, o real teria um grande potencial de apreciar. Projetamos que a taxa de câmbio termine 2020 em R$ 5,10 e 2021 em R$ 4,80.
Valor: Em que medida o ambiente externo será favorável às economias latinoamericanas em 2021?
Ramos: Já estamos nos beneficiando dele. Vamos terminar o ano com o entorno externo bem favorável e acho que isso continua por mais alguns meses, ainda que não necessariamente o ano inteiro. O ambiente de dólar fraco traz uma visão relativamente construtiva para preços de commodities, e quase todos os países [da América Latina] são exportadores de alguma commodity. A manutenção de uma política monetária extraordinariamente acomodativa pelos bancos centrais das economias avançadas favorece o fluxo de capital e capacidade de o setor corporativo captar recursos fora. E vemos uma retomada do PIB global, com a vacina acelerando o crescimento e o fluxo de comércio. Na projeção do Goldman Sachs, o crescimento global será de 6,3% no ano que vem, acima do consenso de mercado. Estamos bastante otimistas, com a expectativa de que a vacina vai fazer uma grande diferença.
FOLHA
Guedes prepara projetos para elevar arrecadação de impostos no curto prazo
Para elevar a arrecadação no curto prazo, o Ministério da Economia prepara um projeto para permitir a cobrança de uma taxa pela valorização de imóveis declarados no IR (Imposto de Renda).
A medida faz parte de um pacote que o ministro Paulo Guedes (Economia) tem chamado de quinta etapa da reforma tributária do governo, cuja meta é elevar as receitas públicas por meio de mudanças na legislação.
O Congresso ainda não aprovou nenhuma etapa da reforma tributária.
Hoje, não é possível atualizar, na declaração anual do IR, o preço do imóvel de acordo com o valor de mercado. Mas, no momento da venda, é necessário pagar uma taxa sobre a valorização do bem (sobre a diferença entre o preço de quando foi comprado e o valor pelo qual foi vendido).
As alíquotas variam entre 15% e 22,5% sobre o ganho de capital, também conhecido como lucro imobiliário. Por exemplo, se imóvel foi comprado em 2001 por R$ 100 mil e vendido em 2020 por R$ 500 mil, a cobrança será sobre a diferença (R$ 400 mil), ou seja, a valorização do bem.
A ideia de Guedes é permitir uma atualização do valor do imóvel e já cobrar uma taxa de 4% ou 5% sobre o aumento do preço do imóvel. A alteração no preço de mercado do bem não deve ser obrigatória.
Isso representaria mais receita para os cofres públicos nos próximos anos. Para o contribuinte, seria vantajoso para quem comprou o imóvel há muitos anos e pretende vender o bem.
Integrantes do Ministério da Economia afirmam que, apesar da redução na alíquota, a medida ajudaria a elevar a arrecadação federal, pois as regras atuais têm brechas para a isenção do tributo sobre o lucro imobiliário, por exemplo, ao usar o dinheiro obtido com a venda para comprar outro imóvel no país.
Os cálculos sobre potencial de arrecadação dessa medida ainda estão sendo finalizados.
Em maio do ano passado, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) afirmou que enviaria ao Congresso um projeto de lei capaz de gerar mais receita que a reforma da Previdência, que estava em discussão na Câmara.
Depois, a Receita Federal confirmou estudos de um projeto de reavaliação do valor de imóveis para aumentar a arrecadação federal.
Porém, segundo membros do Ministério da Economia, o impacto da medida nas contas públicas está muito distante do efeito das novas regras de aposentadoria e pensão, que deve cortar cerca de R$ 800 bilhões em dez anos em despesas públicas.
A ideia avançou nas últimas semanas e a pasta de Guedes já trabalha com uma prévia do projeto a ser enviado ao Congresso.
O texto deve prever ainda um regime de regularização de bens imóveis. O objetivo é permitir que quem comprou imóvel de forma lícita, mas não o declarou ou fez a declaração com incorreções, poderá, também de forma voluntária, acertar as contas com a Receita. A alíquota nesse caso deve ser de 15%.
Em outra frente, o governo quer ampliar as renegociações com devedores, permitindo o pagamento —com desconto— de débitos com a União.
Chamado de "passaporte tributário", o projeto visa encerrar discussões judiciais concedendo redução no montante devido por empresas.
Guedes avalia que grandes companhias têm poder econômico para adiar o pagamento à União e, por isso, o programa buscaria incentivar a quitação da dívida no curto prazo.
Não está nos planos do ministério abrir um novo Refis —parcelamento do débito com desconto. A empresa que aderir ao "passaporte tributário" teria de buscar um financiamento em bancos, por exemplo, para quitar a dívida de uma só vez.
Esse pacote de medidas arrecadatórias tem sido classificado por Guedes a aliados como a quinta fase da reforma tributária. Mas pode ser anunciado antes de outros itens da reforma.
Até hoje, o governo apresentou formalmente apenas a primeira etapa da proposta.
Membros do Ministério da Economia mantêm conversas com congressistas para que as próximas fases sejam incluídas direto no relatório da reforma, em elaboração pelo deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB).
Apesar do plano para elevar receitas em 2021, o principal desafio da equipe econômica no próximo ano é cortar despesas para não deixar o teto de gastos estourar. Essa regra, prevista na Constituição, impede o crescimento das despesas acima da inflação.
Com a entrada de mais dinheiro nos cofres públicos em 2021, a contabilidade do governo federal melhora, mas não alivia a pressão sobre o teto de gastos.
Esse pacote de projetos deve ser apresentado ao Congresso no início do próximo ano. O Ministério da Economia aguarda o resultado da eleição para o comando da Câmara e do Senado, marcada para 1º de fevereiro.
MEDIDAS EM ESTUDO
1. Permitir a cobrança de uma taxa pela valorização de imóveis, com desconto na alíquota
2. Permitir a regularização de imóveis comprado de forma lícita, mas com omissões na declaração
3. Ampliar a renegociação de dívidas de empresas com a União, concedendo desconto para encerrar disputas judiciais
Ipea melhora estimativa do PIB, mas alerta para alta de casos de Covid e fim do auxílio emergencial
O Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) melhorou sua estimativa para o crescimento da economia brasileira em 2021 a 4%, de 3,6% antes, mas apontou a deterioração fiscal, o fim do auxílio emergencial e um possível repique de infecções pelo coronavírus como desafios para a atividade no ano que vem.
Para este ano, o Ipea passou a ver contração do PIB (Produto Interno Bruto) de 4,3%, também melhorando suas contas de uma queda de 5% calculada em setembro, devido principalmente à recuperação mais rápida da indústria e do comércio.
O Ipea prevê que em 2021 os destaques na economia serão indústria e formação bruta de capital fixo —uma medida de investimentos—, com avanços de 5% e 5,3% respectivamente. Consumo das famílias e serviços, que têm pesos expressivos na atividade econômica, devem crescer 3,5% e 3,8%.
O Ipea também aponta uma série de incertezas que podem comprometer a trajetória de recuperação da atividade econômica. Segundo órgão, o recrudescimento da pandemia de Covid-19, o fim do auxílio emergencial, o aperto fiscal e até gargalos de oferta provocados por escassez de insumos são desafios para a atividade econômica brasileira.
“Caso seja confirmado o fim do auxilio emergencial ao final de dezembro, assim como outras medidas para atenuar as perdas de renda e emprego, esperamos alguma acomodação do nível de atividade no primeiro trimestre, com a economia voltando a acelerar ao longo dos demais períodos", apontou o Ipea.
"Pelo lado da oferta, com a proximidade da liberação e distribuição de algumas vacinas, apesar do recrudescimento recente das estatísticas de contágio e mortes, a expectativa é de que o setor de serviços volte a ganhar tração ao longo de 2021, conforme as regras de isolamento gradualmente sejam extintas", completou.
O instituto espera ainda uma melhora no cenário inflacionário com menor pressão de alimentos, que puxaram o IPCA para cima principalmente no fim de 2020.
A inflação oficial deve desacelerar de 4,4% esse ano para 3,49% em 2021, segundo as contas do Ipea.
"A composição do IPCA para o próximo ano será distinta, influenciada por uma descompressão dos preços dos alimentos e uma alta mais forte da inflação de preços administrados e serviços", explicou o Ipea.
A previsão do órgão é que a taxa básica de juros Selic atinja ao final de 2021 3% e o dólar fique em R$ 5.
Projeção para inflação segue em alta e mercado reduz previsão para câmbio
O mercado deu sequência aos aumentos nas expectativas para a inflação na pesquisa Focus divulgada pelo Banco Central nesta segunda-feira (21), ao mesmo tempo em que reduziu as projeções para a taxa de câmbio em 2020 e 2021.
O levantamento semanal apontou que a expectativa para a alta do IPCA este ano passou a 4,39%, de 4,35% no levantamento anterior, na 19ª semana seguida de aumento. Para 2021, a conta subiu em 0,03 ponto percentual, a 3,37%.
O centro da meta oficial de 2020 é de 4% e, de 2021, de 3,75%, ambos com margem de tolerância de 1,5 ponto percentual para mais ou menos.
A estimativa para o PIB (Produto Interno Bruto) em 2020 foi reajustado para queda de 4,40%, ante 4,41% na previsão anterior. Para 2021, a previsão de crescimento diminuiu em 0,04 ponto, a 3,46%.
Para a taxa de câmbio, o mercado vê agora o dólar a R$ 5,15 ao final deste ano, de R$ 5,20 antes. Para 2021, a expectativa é de que a moeda norte-americana termine a R$ 5, de R$ 5,03 antes.
A pesquisa semanal também mostrou a taxa básica de juros a 3% em 2021, sem alterações. O Top-5, grupo dos que mais acertam as previsões, ajustou seu cenário para a Selic no ano que vem a 3%, de 3,13% na mediana das estimativas antes.
Representar e promover o desenvolvimento da construção civil do Rio Grande do Norte com sustentabilidade e responsabilidade sócio-ambiental
O SINDUSCON/RN tem o compromisso com a satisfação do cliente - a comunidade da construção civil do Rio Grande do Norte - representada por seus associados - priorizando a transparência na sua relação com a sociedade, atendimento aos requisitos, a responsabilidade socioeconômica, a preservação do meio ambiente e a melhoria contínua.